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194 Mas 0 imperador Carlos V, como Fernando e Isabel antes dele, nao tinha intengéo de permitir que sets dominios recém-adquiridos escapassem a seu. controle. Na Nova Fspanha Cortés se vin sistematicamente desalojado pelos fanciondrios reais, Uma audiencia, no modelo da de Santo Domingo (1511), foi instalada no México em 1527, sob o que se revelaria ser a presidéncia desastrosamente interesseira de Nufio Guzman, Fssa primeira tentativa de controle real criou mais males do que curou, mas o periodo de governo de 1530-1555 com a segunda audiencia, composta de homens dle maior integri- dade do que a primeira, deixava dlaro que quistador na Nova Fspanha dos burocratas. Cortés accitou de modo relativamente sereno, mas no Peru o estabeleci- ‘mento do controle real ndo foi realizado sem Iuta sangrenta. O pretexto para a revolta dos pizarristas, de 1544-1548, foi a tentativa de impor as Novas Leis; mas por trés dela estava a resisténcia de homens da espada a aceitar 0 controle de homens da pena. Foi sintomético que a rebelido tenha sido esmagada, ndo por um soldado mas por um daqueles fancionérios instrat- dos em leis que foram o objeto primacial da hostilidade do conquistador. O Ticenciado Pedro de La Gasca triunfou sobre os pizarristas porque era acima de tudo um politico, com habilidade para explorar as divisées dentro da comunidade do conquistador entre 0s encomenderos e 0s soldados de infan- taria que cobicavam suas posses. ‘Na Nova Espana a partir da década de 1530, no Pera a partir dos anos 1550, os dias do conguistador estavam terminados. Estava a caminho uma nova conquista das Indias, a administrativa, condurida pelas audiencias e pelos vice-reis. A Nova Espanha recebeu seu primeiro vice-rei em 1535, na pessoa de Antonio de Mendoza, que servi até 1550; ¢ o Peru, onde foi ins- talada uma audiencia em 1543, comecou a acalmar-se sob 0 governo vice- real de outro Mendoza, 0 marqués de Cafiete (1556-1560). Aos poucos, sob © dominio dos primeitos vice-reis, 0 aparelho de controle da autoridade real foi assentado sobre as novas sociedades que os conquistadores, os frades ¢ os colonizadores estavam io haveria lugar para seu con- ido. As Indias estavam comeyando a ocupar seu lugar dentro do vasto arcabouso institucional de uma monarquia espanhola de amplitude mundi Os tnpios E A CONQUISTA ESPANHOLA. ABurops ea Amética A AMERICA, isolada do resto do mundo por mifhares de anos, tinha uma historia distintva, live de influéncias externas. Fora, portanto, uma complexa interagio de fatores externas que, no inicio do século XVI, dera as diversas, sociedades indigenas muitas formas diferentes: estados altamente estrutara- dos, senhorias mais ou menos estaveis, tibos e grupos ndmades ou semind- imades. E foi esse mundo até entao inteiramente auto-subsistente que de repente sofreu um chogue brutal e sem precedentes: a invasio de homens bbrancos vindos da Europa, o impacto de um mundo profundamente diferente, ‘A reago dos americanos nativos diante da invasdo espanhola variou con- sideravelmente: de ofertas de alianga a uma colaboragdo mais ou menos forga- da, de uma resistncia passiva a uma hostilidade permanente. No entanto, em. toda parte, a chegada desses seres desconhecidos causou 0 mesmo espanto, rio menos intenso do que 0 experimentado pelos proprios conquistadores: ainbos os lados estavam descobrindo uma nova raga de homem de cuja exis- ‘éncia jamais haviam suspeitado, Este capitulo examina os efeitos da invasio espanhola sobre o império inca ¢ o império asteca durante o primeito estégio de dominio colonial (até a década de 1570), enfatizando principalmente © caso dos Andes; também considera sucintamente as reas “periféricas”, a0 norte do planalto central mexicano, ao sul e sudeste dos Andes centrais, a fim de apresentar 6 quadro mais amplo possivel da “visio dos vencidos”. (0 TRAUMA DA CONQUISTA ‘Tanto no México quanto no Pera os documentos nativos descrevem uma atmosfera de terror religioso imediatamente antes da chegada dos espanhéis, ‘Mesmo senda interptetagdes retrospectivas, essas desctigées atestam o trau- -ma pot que passatam os americanos nativos: profecias e pressigios haviam prédito o final dos tempos; entio, de repente, apareceram monstros de qua- ‘ro pernas montados por criaturas brancas de aparéncia humana. Durante um ano inteiro, Tenochtitlén foi iluminada, toda noite, por uma coluna de fogo que aparecia a leste e parecia subir da terra para o céu. Um fogo misterioso destruin o templo de Huitzilopochtli; depois, o de Xivhtecultli foi atingido por raios. Uma estranha ave cinzenta, Jevando uma cespécie de espelho sobre a cabesa, foi capturada; quando Moctezuma exami- nou 0 espelho, “viu algo a distancia: parecis uma procissdo que se movia ‘yelozmente, na qual figuras imponentes lutavam e se batiam umas contra 4 coutras; estavam montadas numa espécie de veado”’, Entre os maias, 0 Chilam Balam predisse (taivez depois do acontecido) a aurora de ume nova era: “Quando langarem seu sinal para 0 alto, quando o lancarem ao alto com 2 drvore da vida, tudo de repente estar mudado. E 0 sucessor da primeira frvore da vida aparecers, ¢ para todo o povo ficaré clara a mudanga"?, Peru, 0s tltimos anos de Huayna Capac foram perturbados por uma série de terremotos de violencia incomum. Raios atingiram 0 palicio do Inca e apa- receram cometas no céu. Um dia, durante as celebragies da festa de soi, um condor foi perseguido por um falco ¢ caiu no meio da praca principal de Cuzco: cuidarara do passaro, mas cle morreu. Finalmente, numa noite clara, a lua parecia estar rodeada por um trfplice halo, o primeiro da cor de sangue, ‘© segundo de um preto aciazentado, ¢ o terceiro parecia fumaga: segundo os adivinhos, © sangue indicava que uma guerra cruel estracalharia as criansas de Huayna Capac: 0 preto pressegiava a destruigio do império inca; e 0 tlt ‘mao halo indicava que tudo desapareceria em fumaga’ Disseminado por toda a América estava mito do deus civilizador que, depois de seu reinado benevolente, desaparece misteriosamente, prometendo ‘aos homens que um dia retornard. No México havia Quetzaleéatl, que parti umo ao leste, € nos Andes, Viracocha, que desapareceu no Mar ocidental Acreditava-se que Quetzalc6at!voltaria em um ano ce-acatl (de um s6 junco), baseado num ciclo de 52 anos, enquanto 0 estado inca deveria terminar durante o reinado do décimo segundo imperador. No México, os espanhis chegaram do leste, ¢ 1519 era de fato um ano cé-acath no Peru, vieram do "Miguel Lesn- Portilla, Vingn de lo Venoion, Relaciones Tndigenas dela Conquista, México, 1959, pp. 2-5; dem, HI Revers dela Conguista, Relaciones Asteas, Mayas, «Incas, México, 1964 2 Chilam Balam de Chumayel ed e trad de Benjamin Pret, Pats, 1955, p. 217 % Garcilaso de La Vegh, Comentarios Reales de los Incas, (1608), e4. Obras Completas, ‘Madi, 1960, vo. pp. 52, 352-384 ‘este, ¢ Atahualpa era de fato 0 décimo segundo Inca, Consequentemente, 0 choque dos indios assumin uma forma especifica: perceberam 0s eventos através do arcabougo de mito e, em certas circunstdncias pelo menos, imagi- naram que a chegada dos espanh6is era um retorno dos deuses. B surpreendente que, do México ao Peru, as descrigbes nativas retomas- sem as mesmas caracteristicas para demonstrar 0 cardter extraordindtio ¢ poder dos invasores: a pele branca, as barbas, os cavalos, a escrta¢ as armas de fogo. Dai o seguinte relato que Moctezuma recebeu de seus mensageiros ‘Seas corpos slo totalmente cobertos; somente seus rostos podem ser vistos e sto ‘rancos como giz. Tém cabelo amerelo, embora em alguns casos seja preto. AS bas ‘basso Tongass os bigodes também sio amarelos... stdo montados em seus “wrados”. Empoleirados dessa forma, andam 20 nivel dos tetos. [..] Se o tito [de vin canhSo] atinge um morto, parece particlo ao melo, arrebenti-lo ¢ se bate numa érvore, des- pedaga-a e esmaga-a, como que por tum milagre, como se alguém a tivesse destruido soprando de dentrot ‘A cena em que Moctezuma reccbeu os espanhbis (a despeito de algumas diividas de seus conselheiros) como se fossem deuses continua famosa: ele vai ao encontro des invasores ¢ oferece-thes colares de flores e ouro em sinal de boas-vindas; depois, pronuncia diante de Cortés o surpreendente discur- s0 que chegou até nés através dos informantes de Sahagiin: Meu senhor [..] finalmente chegastes a vosso lar: a Cidade do Mésico. Viestes para tomar vosso lugar em vosso trono, sob 0 dossel real 1Nio, nao é um sonho, nto estou acordando de um sonho, meus sentidos ainda cestio amortecidos pelo sono... J vos vi, ja deitei meu olhar em vosso rosto! Esse foi realmente o legedo e a mensager de nossos zeis, dos que reinaram, dos que governa- ru vossa cidade: -y0sso trono real de fe acordo com suas palavras sercisinstalado em vosso assento, em jestade aleancarieis esses lugares. Esses relatos mexicanos lembram os dos cronistas andinos como Titu Cusi: em sua chegada, os espanhéis foram considerados os Viracochas, filhos do criador divino: {esn-Portll, Vision de lor Vencidos pp. 3-35 5 Idem, pp. 79-80. 197 (05 EAD108 ¥ A CONQUISTA ESPANKOLA 198 Disseram que tinham visto aparecer em sua terra criatures muito diferent 16s, tanto em seus costumes como nas roupas: areciam-se com os Viacochas, 0 rome pelo qual nos referiemos, em tempos passados, 20 Crisdor de todas a coises. ‘Viram-nos montados sobre grandes animals com patas de prata: iso por cause do bah de suas ferraduras sob o sl. B também os chamaram de Viracochas porque viram que podiam falar uns com os outros sem difculdade, por meio de pedagns de ano branco: sso porque iam livros e carta Brverdade que as crencas na divindade dos espanhéis logo seriam destrut- das: a condata estranha desses homens, seu comportamento frenético & vista de ouro, sua brutalidade logo abalariam essas crencas. E nem todos os amneti~ canos tiveram essas ilusdes no infcio. A invasio dos europeus foi para as sociedades indigenas um acontecimento sem precedentes que interrompeu 0 «curso normal de sua existéncia. Confrontada com essa incursio do desconhe- ‘ido, a visao indfgena do mundo implicava pelo menos a possibilidade de ‘que os homens brancos fossem deuses. Mas a resposta & questio podia ser ppositiva ou negativa, de acordo com o Tugar ¢ as circunstancies. Um notével incidente da prova disso. Nas prosimidades de Cuzco, os soldados de Pizarro capturaram mensageiros qué Callcuchima enviata a Quizquiz; levavarn noti- cias importantes sobre a natureza dos invasores: “Calicuchima os havia enviado para informar Quisquiz de que eles {os espanhois] eram mortais””, ‘Como foi possivel que impérios tao poderosos como 0 dos astecas e 0 dos incas tenham sido destrufdos por umas poucas centenas de espanhéist ‘Sem divida, os invasores tinham a vantagem de possuir melhores armas: ‘espadas de aco contra langas de obsidiana, armaduras de metal contra tiini- «as forradas de algodio, arcabuzes contra arcos e flechas, cavalaria contra infantacia. Mas essa superioridade técnica parece ter tido importancia limi- ‘ada: 0s espanhéis tinbam poucas armas de fogo na época da conan estas eram de disparo lento; seu impacto no inicio acima de tudo psicol6gico. , como o dos cavalos, © Titu Casi Yupangul lnca, Relacion dela Conguista del Perd y Hechos dl Taca Manco, 2 (1570), Lima, 1916, voll, pp. 8-9, colecién de Hibros y documentos referentes ala Historia del Per, 1 ie. -Arquivot Histricos de Coco, “Geneslogia de la Cae y Panis de SayriTupec", libro I, Indie I, Ld, ebe 4 indice 6°38 ‘A.vit6ria espanhola foi sem duvida sjudada pelas divisves politicas ¢ étni- cas do mundo indigena: o império inca e o asteca haviam sido construfdos mediante conquistas sucessivas. Certos grupos viram na chegada dos invaso- res uma oportunidade para libertar-se de uma dominacao opressiva: dessa forma, foram 0s préprios indias que forneceram # Cortés € a Pizarro a maior) parte de seus exércitos de conquista, que eram tio grandes quanto os exérci tos asteca e inca contra o qual lutavam. No México, os totonacas, recém-con, quistados, revoltaram-se contra Moctezuma e aliaram-se aos espanbéiss que em seguida receberam apoio decisivo dos tlaxcalanos. No Peru, a facrio Huascar aliou-se a Pizarro, que também recebeu 0 apoio de grupos como os cafiatis ¢ os huancas que se recusavam a accitar 0 dominio inca. © resultado do conflito nao dependeu apenas da forga dos oponentes: a partic da perspectiva dos derrotados, « invasto européia tambéma continha ‘uma dimensio seligiosa, e mesmo c6stnica, Saques, massacres, incéndios: os sndios estavam vivendo o fim de um mundo; a derrota signficav que 08 ddeuses tradicionais haviam perdido seu poder sobrenatural. Os astecas acte-\|\s 199 ditavatm serem o povo excolhide de Huitilopocht, o deus Sol da guetta sa) 34 nissio eta colocar sob seu dominio 0s povos que rodeavam Tenochiitlan por | todos os lados. Dessa forma, a queda da cidade significavainfinitamente mais | oi ‘que uma simples dezrota militar. Determinava o fim do reino do deus Sol. A | vida terrena havia, por conseguinte, perdido todo significado, ¢, uma ver que os deusesetavam motos, somenterestava aos indios também morrer: Deire-nos morrer, ent Deixe-nos morrer, entio, Pois nossos deusesjéestdo mortos’ Na sociedade dos Andes, 0 Inca, na qualidade de fiho de Sol, era 0 ediador entre os deuses ¢ os homens e ele proprio era adorado como um, deus. Num certo sentido, representava o centro corporal do universo cuja harmonia ele garantia. A morte do Inca representava 0 desapatecimento do destruigio brutal de sua ordem. Por esse razao todo o mundo natural participava do drama da derrota: ponto de referéncia vivo do universo, "ibys de los Colouios eos Doce erm Welter Lehmann, Stebel Cotter und Chisicke Heilsboschaft, Stattger, 1943, p. 102s igsahmente em Leén-Pottila, El Reverso de la Conquista, p25. ee? os D108 # A CONQUISTA BPANHOLA 200 ARUROPA EAAMERICA © sol fica amacelo, eanoite eat misteriosamente; ‘A morte do Inca reduz fo tempo ao bater de uma pélpebra; ‘Aterra serecnsa a entersar seu Senhor, Eas escarpas rochosas tremem por seu arno centoando lamentos fanebres?. DESESTRUTURACAO trauma da conguista nio se limitava a0 impacto psicoldgico da chega- da do homem branco ¢ da derrota dos antigos deuses. O gaverno espanhol, 40 mesmo tempo em que fazia uso das instituicdes nativas, realizava sua desintegragao, deixando apenas estruturas patciais que sobceviveram fora do contexto relativamente coerente que hes havia dado sentido. As consequlén- cias destrutivas da conquista afetaram as sociedades nativas em todos os nivels: demografico, econdmico, sociale ideolégico. Apés seu primeiro contato com os europeus, a populacdo amerindia sofreu, em toda parte, um declinio demografico de proporcées historica- mente excepcionais. Para o planalto central mexicano Sherburne B. Cook e Woodrow Borah propuseram © mimero (talvez excessivo) de 25 milhoes de hhabitantes antes da chegada dos espanhis. Para os Andes vérias estimativas foram feitas; mas uma populagdo de cerca de dex milhoes para todo 0 impé- rio inca parece uma estimativa razoével! Nos trinta anos que se seguiram a invasio, no entanto, a populacdo decaiu vertiginosamente, Os indios da ilha de Hispaniola, por exemplo, foram varidos completamente do mapa, enquanto que no planalto mexica- no a populagao decresceu em mais de noventa por cento, de acordo com ‘Cook e Borah: Apu Inca Atanallpaman, em Le6a-Portila, BI Revers de la Conguisa, pp. 182 também o trabalho de). H. Eliot, neste volume, cap. As pp 135-194, ct "CE "Nota sobre a¢ Populagses Americanae de Véspera das TavasSes Buroptias", neste volume, spp, 129-131, : ae 1519: 25,0 milhoes, 1532: 16,8 milhoes 1548: 6,3 mithoes 1568: 2,65 milhoes 1580: 1,9 milhoes ‘A taxa de decréscimo da populagao parece ter sido menos acentuada nos Andes: 05 indios das reas frias, sobretudo 08 que habitevam 0 altiplano, sobreviveram melhor a catéstrofe do que os de outras Jocalidades. Assim, a populagéo de Lupaca, na margem oeste do lago Titicaca, diminuiu apenes 20-25 por cento em trinta anos, Por outro lado, 0 declinio da populagio nos ‘Andes setentrionais, na costa ou nos vales quentes, alcancarain niveis com- ardveis aos da Mesoamérica. Até onde as fontes fragmentérias nos permi- tem avaliar, 0 dectéscimo geral foi, como no México, muito vertiginoso até a década de 1560, tornando-se depois mais gradativo: 1530: 10,0 milhoes £61360; 2,5 milhoes 61590: 1,5 milhdes!, Qusis foram os motivos dessa catdstrofe? A causa principal foram as doengas. Os enropens trouxesam consigo novas doengas (variola, sarampo, ‘ipe, peste) contra as quais 0s indios americanos,isolados por milhares de anos do restante da humanisdade, ndo tinham defesas. Jé em 1519 a resisten- cia asteca havia sido enfraquecida pela epidemia de variola que irrompeu durante 0 cerco de Tenochtitlin. A epidemia espalhou-se em seguida pela ‘América Central e talvez mesmo até aos Andes: em 1524, mesmo antes da primeira expedigao de Pizarro, uma estranha doenga, caracterizada como uma espécie de vasials ou sarampo, causou milhares de mortes (inclusive a do Inca Huayna Cépac) no império inca, No perfodo de 1529-1534 o saram- po mais uma vez atingiu primeiramente as Antilhas, depois o México © a 1 Para uma andise do deifnio da popalagao indigena em veguids 8 invesbes eons Nicolis Sinchea-Albornox, Hitria da América Latin, vo. Ml, cap Ie Sobre 05 Anécs om ‘expec ef Nathan Wachtel, La Visio de yincus, Les Ions du Pérou devant la conguete espagnole 1530-157, Pats, 1971, pp. 135-140, 318-321, «Noble David Cook, Demographic Collapse Indian: Peru, 1520-1670, Carmbride, 1981 201 (OF INDiog EA coNQUIETA EEPANHOLA 202 ‘América Central. O famoso matlazahuat! devastou a Nova Espanha em 1545 ea Nova Granada ¢ o Peru no ano soguinte. Em 1557, uma gripe epidémica, vinda diretemente da Europa, atingiu a América Central; em 1558-1559 a variola novamente se espalhou pelo Peru. Matlazahuatl! ressergiu em 1576 no México. E nos anos de 1586-1589 uma triplice epidemia de varicla, peste «gripe, provindo de Quito, Cuzco e Potosf, devastou 08 Andes inteiros!2 ‘Mesmo admitindo-se que essas epidemias tenhamn sido a causa principal | do declinio demogréfico, nao se pode negar que a conquista espanhola foi \por si mesma um periodo de opressio sanguinésia. Os primeiros censos |demogréficos sobre a populacao nativa mostram uma taxa excessivamente alta de mortalidade masculina, mais provavelmente devido & guerra e as exa- | es dos tributos!2, Outros documentos relatam suicidios coletives ou indi- vviduais ¢ préticas de aborto, que ao mesmo tempo revelam um desespero e servem como forma de protesto. As pirdmides etérias que se podem construir para a segunda metade do século XVI sugerem uma queda na taxa de natalidade, que se pode interpretar como uma conseqiiéncia do trauma da conquista. E evidente que um declinio populacional dessa magnitude desorganizou completamente as estruturas tradicionais das sociedades nativas. As respos- tas a um questiondtio que formou a base das Relaciones Geogrificas de Indias [1562-1586] informam-nos como os préprios indios percebiam sua situagao demografica. Os investigadores perguntaram a seus informantes se o nim ro de indios havia aumentado ou diminuido desde antes da conquista, se tinham satide melhor ou pior, ¢ pediam que explicassem as causs de quais- quer mudangas ocorridas, As respostas, em sua maioria, apontam na mesma 1a de 1B. Felipe Guaman Ponta de Apel, Naru Condia y Bun Gobioro (2614), Pai, 1986p. Tah Pedro Ciess de Lan, Primera Pare de lt Cronica dl Peru [1550], Madid, 1941, p. 71 Feraando de Montesinos, Memoriar Antigaas Historias y Poltizas del Peru (164), Mada 1806, vol. J, p. 284: Rernabé Cobo, Historia del Nueve Mundo [1858], Madd, 1965, vol, 447; Henry &. Dobyns, “An Outing of Andean Epidemic History t 1720", Bullen ofthe Hisar of Meine, 1963, pp 99-515; Wachtel, La Vision des vaincus pp 147-149, "Sse fenemeno € vist claramente nas vttes de Isgo Ort de sigs, Vita dela Prov a de Let de Husnuco en 156, vol. 11, Hvac, 1957-1969, e de Gari Der de San Miguel, Vista Hecha a la Provinets de Chucuito en el ARo 1567, Lima, 1966. No caso de ‘adultos nas idadesentee 21 ¢ 50 anos, 2 primeira fornece os valeres de 56 homens para cada cem mutheres, a segunds, 82 homens para cada cem mulheres dizesfo: os indios sentiam que viviam menos e tinham sade pior. AS causas do declinio que davam, em ordem de importincia, eram: a guerra, #8 epide- mias, as migraydes das populagdes € 0 excesso de trabalho. Essas causas parecem plausfveis ¢ em corzeta correspondéncia muitua, Mas » natureza aparentemente absurda ¢ implausivel de algumas das respostas torna-2s ainda mais reveladoras. Em alguns casos, os indios atribufam o seu declinio populacional ou seu menor tempo de vida 20 fato de terem menos trabalho a fazer, de serem mais livres ¢ mais bem alimentad BY ‘comiam e bebiar melhor. jam mais nos tempos antigos que agora, ¢atribuem isso ao fato de que endo 1 Porque s© entregavam a mais vicios que antes ¢ tém mais liberdade, vivem vidas menos saudaveis. . Vivier mais porque antes, dizem, tinham vidas mais ordenadas do que agora, ¢ porque no havia uma abundancia tio grande de coisas, nem tinham as possibilida- des que tém agora de comer e beber ¢ entregat-se a outrocvicios, e com todo 0 tra- balho que tinham de fazer quando o Ince reinava, no havia sequer vinho, o que geralmente encusta a vidal Poderiam essas respostas ser explicadas por um desejo de agradar ou por temor? Se assim for, ¢estranko que aqueles que responderam 20 questionsrio nao hesitassem, em outros momentos, em queixar-se de sua sorte. E mais pro- ‘ével que o sentimento aparentemente inexplicavel de demasiada liberdade correspondesse, na verdade, a0 vario deixado pelo desaparecimento das anti- fs estruturas do estado ¢ pelo colapso das regras tradicionais de conduta, E surpreendente que a tiltima citagao também mencione a rufna causada pelo alcoolismo (umn tema a que retornaremos mais adiante) como uma das causes do declinio da populasio. Em outras palavras, 0 que essas respostas demons- tram ¢ a desintegragdo dos sistemas religioso, social ¢ cconémico que ante- riormente haviam dado um sentido &s tarefas da vida quotidiana. Em resumo, asmudancas demogréficas rfletiam a desestrutaragio do mundo nativo. Para entender os processos de desestruturagdo, € necessirio primeira- ‘mente delinear as caracteristicas especificas das civilizagdes pré-colombia- ‘Relaciones Geogeiicas de Idias [1582.1986), ed. Mt. Jimence de a Eppada, Madd, 1881 1898, 4 vos. (reed. 1965, 3 vole), vo. I, p. 88-89, 120,222 330, 203 os fNDI0s BA CONQUISTA BspanoLa 204 nas. Etanto, para, submeteremos um exemplo — os Andes centrais e meri- dionais — a um exame mais detalhado'®, Antes da asvenséo de Tahuantinsuyo (0 estado inca), essa vasta drea era povoada por dezenas de grupos diferentes e de tamanhos amplamente varia- dos: assim, os chupachos da regifo de Hudnuco eram constituides por um pequeno dominio de cerca de dez mil pessoas, enquanto os lupacas na mar- ‘gem oeste do lago Titicacs formavam um reino poderoso de mais de cem mil habitantes. Os incas da regido de Cuzco representavam, no inicio, um ‘grupo étnico de importincia relativamente menor, que se distinguia dos no do vice-rei Toledo, em 1574, ¢ que os espanh6is puderam romper o con- trole indigena sobre a produgio da prata, Foi o inicio de uma nova era da hhist6ria colonial. Mas é verdade que, mesmo durante o estagio da huayra, toda a prata produzida pelos indios voltava a circulagao no sistema colonial (Os que iam trabalhar em Potost, a fim de pagar o tributo, enviavam-nos a seus encomenderos on para a coroa. B 4 medida que, de seu lado, dominaram 6 restante do mercado (especialmente da coca e do milho), os espanhéis recuperaram a prata que continuava na posse dos trabalhadores livres atza- vés de comércio. Dessa forma, @ introdugao do dinheiro em tiltima analise integrava os indios no sistema econdmico como uma reserva de trabalho. ‘As mudangas no sistema econdmico foram acompanhadas, tanto no Peru quanto no México, pelo desmantelamento da estrutura social, mas o processo assumiu diferentes formas em cada area, Nao se sabe até onde as ayllus © as calpulli foram afetadas pelas conseqiéncias da invasio eusopéi, ‘mas parece que ambas continuaram a ser as células basicas da sociedade indigena. A natureza da sublevagdo se manifesta mais claramente nos dois extremos da escala socal: 0s indios, uma parcela cada vez maior da popula- Go, que nao mais participavam do setor comunitério da economia, € aque- les senhores que haviam perdido muitos de seus poderes tradicionais. Durante os dois vice-reinados desenvolveu-se um padrio de migracio, de que os coletores de tributo logo comegaram a se queixar. No Peru, além 2 Garclaso de bs Wega, Comentarios Reles, ctado por Cates Sempat Awadourian, op. dt, pms, dos deslocamentos populacionais ocasionados pela propria conquista, 2 ‘guerras civis entre 05 partidérios de Pizarro ¢ de Almagro, que perduraram até 1548, ajudararo a desarraigar a populacZo, Muitos indios, recrutados nos, ‘exércitos adversérios ¢ levados para longe de suas aldeias de origem, ou ter- minaram por inchar 0 ntimero de mendigos, ou permaneceram como yana- conas a servigo dos espanhéis. Deve-se lembrar que, em Tahuantinsyo, 0 termo yana designava os Indios livres de vinculos familiares e pessoalmente dependentes do curaca ou do Inca. Mas, enquanto antes da chegada dos espanhéis ainda constitufam uma pequena parcela da populagio, seu mtime- 10 comegava agora a multiplicar. Seu status, no entanto, continuava a variat consideravelmente: se os yanaconas de Potost, segundo parece, eram livres de dependéncia pessoal, nao era 0 caso dos que foram trabalhar nas hacien- das que strgiam, ou dos que eram empregados pelos expanhéis como servi dores domésticos. Tirando essas diferencas, 0 grosso da populagdo ca] estava dividido em duas categorias: os harunruna (ou indios das comunida~ des que eram sujeitos 2o tributo e Amita); e os yanaconas, considerados de status social inferior, mas na privica livres das obrigacdes devidas pelos} outros indios. a Fora dessa distingdo desenvolveu-se uma diferenga essencial entre os dois vice-reinados nos séculos posteriores. No Pert, 0 aumento do mimero dos yanaconas (e, depois, de forasteros) criou um problema cuja setiedade, embora nio fosse tio evidente no século XVI, se manifestou abestamente no século XVII ¢ deveria persistir por todo o periodo colonial: continha 3} embrigo do conflito entre, de um lado, os hacenddados (que tinham controle sobre parte da forca de trabalho) e, de outro, 05 mineres (privados de mita- ‘yos) ea coroa (privada de tributos): 0 problema de submeter 08 yanaconas € (08 forasteros as obrigagées que pesavam sobre o restante dos Indios deveria| dominar a historia dos Andes centrais e meridionais. E verdade que os interesses dos hacendados, dos mineros e da coroa tam- bém divergiam no México, Mas a classe pré-colombiana dos mayeques, num certo sentido comparavel & dos yanaconas dos Andes, exceto pelo fato de constitufrem ume parcela maior da populagio, teve umn destino completa- mente diferente. Antes da chegada dos espanhéis, os mayegues deviam page- ‘mentos nao apenas aos representantes do tlatoani de Tenochtitlan, mas tam- bem aos senhores nativos locais. Como 0 tributo espanhol foi moldado a partir do sistema asteca, esses indias, como os yanaronas dos Andes, escapa- ram a principio do pagamento que 0s macehuales das comunidades deviam a 213 05 {NDI0S EA CoNQUIETA ESFANHOLA 24 seus encomenderos. Mas ap6s 1560 os mayeques foram por sua vez registra dos como contribnintes, ¢ isso apagou as distingSes do mundo pré-colom- biamo: sob esse aspecto, a populasio nativa do México se tornava cada vez | mais indiferenciada. No outro lado da escala social, os membros da nobreza nativa se viram dat por diante forgados a agir como intermediarios entre os espanhdis € os indios devedores de tributos. Os descendentes das antigas castas reinantes perderam a esséncia de seu poder, embora continuassem a exercer um papel | importante: retinham nma posigdo privilegiada apenas porque concordavam \\em colaborar com os espanhéis. Os herdeiros de Moctezuma (Diego Huanintzin, Diego Tehuetzqui, Cristobal de Guzman Cecepatic, Luis de Santa Marie Cipac) mantiveram os postos de tlatoanti e gobernador de Tenochtitlan até 1565, Depois, a dinastia “legitima” deixon de ter qualquer posto administrativo importante: (0s nativos do Mexico nao mais deveriam ser gobernadores nem governar 0 alte- ‘pet! de Tenochtitlan - México, Nao mais deveria haver descendentes do grande tlato- que ou os slagetlasocapipilin. Deveria haver somente gente de outros lugares, uns ipiltin, outros nao pipilrin, © outros alada mestizon cuja ascendéncia espanhola & desconhecida, tampouco sabemos se eram pipiltin ou maceguales®. No Peru, os trés filhos de Huayna Cfpac — Tupac Hiualpa (que logo foi envenenado), Manco (antes de sua revolta em 1536) e, sobretudo, Paull — concordaram em exercer o papel de Inca-titere, concordando com as deter~ minacées de Pizarro ou Almagro. Quando se rendeu, 0 filho de Manco, Sayri Tupac, teve contirmado, entre outtas propriedades, seu direito de posse da encomienda de Yucay; sua fill, a princesa Beatriz, casou-se com Martin Garcia de Loyola (sobrinho de Santo Inacio), e seus descendentes rapidamente se hispanizaram. Os senhores de Chneuito, Martin Cari e Martin Cusi, que responderam & pesquisa de Garci Diez em 1567, ndo pertenciam & nobreza inca, e sim as inastias dirigentes das duas metades do antigo reino de Lupaca, Seus ances- trais eram senhores absolutos das terras cultivadas néo apenas por seus tri- 3 Alvarado Tezezomec, Cronica Mesicayet ltedo em Chesles Gibson, The Asters under ‘Spanish Rule. A History ofthe Indians of the Valy of Mosico, 1519-1810, Stanford, 1964, pass. Dntérios de Chucuito mas também pelos tribetarios de seis outros pucblos da provincia, Mas, na época da vista de Gatei Diez, a drea dessas terras cultiva- das havia diminuido imensamente devido a falta de conservagdo: Martin Cari e Martin Cusi agora recebiam pagamentos apenas dos indios de CChucuito, a0 passo que os tributérios dos outros pueblos nav mais lhes pres- tavam of tradicionais servigos: “E nas aldeias de Juli, Pomata e Zepita eram obrigados a plantar outros vinte pedagos de terra em cada aldeia, endo fize- ram isso, embora houvesse terra suficiente”. Os indios de Juli, por sua. ver, «quando interrogados, explicaram que os curacas de Chucuito nao os haviam requisitado para o plantio das terras. Ora, tradicionalmente essa “requisi- {f0” fora até cero ponto parte da estrutura dos vinculos de reciprocidade {que uniam o curaca& aylls esses vinculos € que estavam agora sendo desiei- tos. & esclarecedor que, embora Martin Cari ainda tivessecultivado a terra que estava a sua disposicio em Acora, no pueblo vizinho de Chucuito, ela indo exa mais trabalhada pelos indios da comunidade; 0 curaca avis adotado ‘uma solusio completamente diferente, desenvolvendo uma tendéncia que se havia iniciado no final da era inca e fora acclerada pelo dominio colonial: seus campos eram cultivados por yanas, isto é, fora dos vinculos de recipro- cidade que ligavam 0 curaca aye, 'No entanto, no plano das respectivas metades de outras aldeias Iupacas, ‘em Acora, lave, Juli, Pomata, Yunguyo e Zepita, os curacas locais (teorica- mente de nivel inferior ao de Cari ou Cusi) mantiveram sua autoridade sobre seus siitos e continuaram a reeeber deles pagamentos (como faziam Cari e Cusi em Chucuito), Os indios colocavam um determinado nimero de mmitayos a sua disposiséo para servigo regular; e coletivamente cultivavam os campos dos senhores, que thes forneciam a semente e os recompensavam com presentes em alimentos, coca ¢ roupas. Dessa forma, na metade supe- ior Hanan de Juli: ara cada uim dot dois ditos caciques trinta pedagos de terra s30 plantados com batata, quinea ¢ caagua, ¢ 08 caciques fornecem as sementes, ¢ para o plantio todos ‘os indies, homens, mulheres ejovens, se juntam para fazer 0 trabalho, ¢ eles Ihes dio box comida feta com batata, chuoe carne, com coca e chicha nos dias em que estéo tabalhando, e eles dio a Don Baltazar quatorze Indios e a Don Francisco, den, para sexvilos?® 3 Diez de Son Miguel, Vit, P35, Pn PTH as sa lactaaia ita ailaiinien ScieMISEh 216 ARUROPA EA AMERICA Assim, no nivel intermediério dos senhores das metades, os vinculos de reci- rocidade sobreviveram intatos 20 processo de desestrutura¢io, Por outro lado, no nivel mais baixo, 0 dos senhores ayili, houve um colapso total. O antigo reino Tupaca havia consistido em cerca de 150 cyl, isto é, pelo menos um miimero igual ao dos curacas. Mas, em toda a provin- cia de Chucuito, Garci Diez contou apenas 36 senhores isentos do tributo: dessa forma, @ maioria dos senhores alu haviam perdido seus privilégios e estavam sujeitos as mesmas obrigagées que os outros indios. Sua sorte era compardvel a dos senhores chupachos, que reinayam sobre um grupo étnico ‘muito menor e se queixaram a Ortiz de Ziiiiga de terem de fazer pagamen- tos @ seus encomenderos: “E no momento os chamados caciques ¢ homens dirigentes ndo sio estimados como o eram no tempo do Inca, pois todos tém de contribuir, sejam caciques, dirigentes, ow homens comuns””, Esses exemplos ilustram um desenvolvimento duplo — uma fragmenta- 540 © uma concentragdo de poder: @ fragmentagdo era resultado do status inferior dos principais curacas, ea concenttasao beneficiava o nivel interme- didria dos curacas das metades, as custas dos senhores ayllu. No Pera colonial as metades geralmente constituiam unidades para page- mento de tributo (assim como eram no México as éreas sob a jurisdi¢io do tlatogue que formavam ae cabeceras). Dessa forma, os senbores de nivel intermedifrio, responsaveis pele cobranga dos tributos para os encomenderos ou para 2 coroa, ocupavam uma posicao estratégica e formavam um dos cixos da organizacdo colonial. # freqdentemente exploravam essa posigio de autoridade para fazer com que seus stiditos realizassem servigos que estavam fora da estrutura dos vinculos tradicionais de reciprocidade. Em Chucuito, por exemplo, os comerciantes espanhdis deram ordens aos indios para fazer roupas: deram as ordens aos curacas dirigentes, Cari e Cusi, que depois dis- ttibuiram o trabalho entre os habitantes da provincia; mas eraim os senhores das metades (entre eles, Cari e Cusi) que recebiam e embolsavam os salérios. De modo anélogo, os curacas concluiram o que eram efetivamente contratos (as vezes diante de um advogado) pelos quais concordavam em empregar sum determinado niimero de stiditos para realizar o trabalho de transporte. B ‘8 proprios espanhéis admitiam que nada teriam conseguido sem recorrer 205 senhores nativos; de outro modo, os indios ter-se-iam recusado a agir™ Onis de Zatiga, Vita, vol IP 12s 1 Adem, Pee, ‘Ao mesmo tempo os curacas, abusando de sua autoridade ¢ colaborando eracaseeea eee eecgpeteeeee eenneen neers Masa histéia dos senhores dos Andes feria num aspeto fundamental da dos senhores do México: despete de todas as revolts, os primeior ds | seriennummer : mais radicalmente afetados pela hispanizacao das estruturas politicas e admi- nistratives. A partic da metade do século XV, os espanhéisintodusicam| cabildos nativos no México, constituidos por gobernadores, alcaides e regido- i “es cleitos por um ou virios noe. A funplo destesctbilde era Gscalizar a cobranca dos tributos, administrar as finangas da communidade e distribuie justica em casos menores, A hist6ria do México caracterizou-se por uma rapida diferenciacio entre 0s cargos de gobernador ede tiatoané. pessoas dife- rentes povos mantinham os dois postos, de mado que recém-chegados, que muitas vezes eram descendentes dos macehuales, ingressavam nos cabildos e assim introduziam sangue novo nos grupos dirigentes. Mas, no vice-reino do Peru, os curacas de modo geral continuaram a combinar seu cargo com o de gobernador, de modo que o preenchimento dos grupos governantes cra menos importante. As familias dirigentes (como os Guarachi entre os paca- jes, os Ayaviri entre os charcas, os Choqueticlla entre 0s quillacss) continua zam a desempenhar um papel importante até o final da era colonial, embora a0 mesmo tempo adotassem cada vez mais 0 modo de vida espanol. ssas novas formas de tributo em trabalho, antes completamente desco- nhecidas a0 mundo pré-colombiano, introduziram idéias alheias as normas tradicionais que haviem integrado @ atividade econémica e social num complexo coerente de conceitos, rituais ¢ crengas religiosas. Por outro lado, os espanhéis justificaram sua hegemonia pelo fato de estarem trazendo & verdadeira f8 a0s indies: aos olhos dos missionérios, as préticas e crengas dos nativos eram ob:a do deménio, e a “conquista espiritual” exigia que fossem erradicadas. A religito oficial, vinculada as estruturas do Estado, desapareceu rapida- mente tanto no México quanto no Pera. Caltos locais continuaram a reali- zar-se de modo mais ou menos ilicito (como veremos adiante), mas os indios tiveram de desistir de suas festas importantes e daquelas préticas que eram ‘extremamente chocantes para os espanh6is, sobretudo do sacrificio human. Qs templos eram sistematicamente destruidos, os cédices e quipos, queima- dos, ¢ 05 sacerdotes nativos, perseguidos. Em conseqiiéncia, o proprio curso 217 ja quotidiana foi drasticemente modificado. Basta pensar nos efeitos que tiveram a imposigéo de regras cristas de casamento (a definicao de novos tabus sexuais, o banimento da poligamia) ox o enterro dos mortos. Entre a nobrera nativa a educagao de criangas na religto cristi deu origem a um conflito de geractes (pelo menos imediatamente apds conquista) Assim, em 1524, os antigos sacerdotes de Tlaxcala estavam assornbrados com © fato de um deles te sido morto por criansas que haviam sido educadas pelos franciscanos: “Todos os que adoravam os idols ¢ acreditavam neles ficaram horrorizatos com a insolencia dos meninos™», Essas criangas, andando em bandos, destrufam idolos ¢ protestavam contra as priticas pags. A condena- ‘ho desses velhos costumes ¢ a relutancia da geragio mais velha em adotar novas norms de comportamento resultaram nuima condigio de anomia, ‘Um dos sintomas mais dramiticos da desintegragio da cultura nativa e dda angéstia a que cla dava origem era o alcoolismo: um fendmeno observa- do por todos os cronistas*. Na sociedade pré-colombiana, regras rigidas controlavam 0 uso do pulque (no México) e da chicha (nos Andes): somen- te podiam ser consumidos coletivamente durante cerimOnias religiosas em hhonra aos deuses, pois a embriaguez colocava as pessoas em comunhio com 0 sagrado. Exceto por essas citcunstancias restritas, 0 consumo do Alcool era estritamente proibido. Em seu primeiro pronunciamento aos stiditos, 0 governante do México declarava: “Sobretudo, exorto-os a aban- donar 0 caminko da embriaguez ¢ a nio beber octl”. Preven contra 0s excessos sexuais: “Observem que os caminkos da carne sio feios, € voces todos devern virar-Ihes as costas”22. A embriaguer solitiria e profa- na poderia talvez ser tolerada nos velhos, mas era punida rigorosamente em, todos 0s outros casos: 0 culpado era humilltado publicamente (era raspada sua cabesa) ¢ era passivel de pena de morte. ( mesmo valia para crimes sexuais, como 0 incesto, 0 adultério ou o homossexuslismo; os adiiteros, por exemplo, eram queimados, apedrejados, enforcados ou recebiam golpes os também Gt. Pablo José de Arving, Bstrpacd de a [daria dl Piva [1621], Madd, 1968, p. 216 % Fray Terbio de Benaveate("Motoini”), Memories o Libro dels Cesas de Nuova Epa 1 de or Naturales de Bla (1541, ed. Edmundo O'Gorman, México, 1971, pp. 49-250. DL Serge Grusinski, “La méte dévorante:aesolisme, sextalit, et décalturation ches les ‘Menics[1500:2556)", Caer des Ameriques Latins 1979, p. 22-26 2% Bemarding de Sahogin, Historia General de las Cosas de Nueva Espana [1570], México, 1975 bee VI p. 832,334 ae de tacape até a morte, ou tinham as cabegas esmagadas sob o peso de uma grande pedra™) Imediatamente apés a conquista, 0 alcoolismo acometeu homens € mulheres de todos os nivei desaparecimento das antigas proibigbes: “Era prética comum em toda parte os indios comecarem a beber no final da tarde, ¢ com bastante rapidez nas primeiras horas da noite caiam totalmente embriagados; a licenciosidade era geral, sem qualquer medida ou limite”. Os nobres, que entigamente eram os ‘que davam bom exemplo, agora levavam os indios & behedeira: “os mace- guales ousam embebedze-se, porque, se 08 nobtes ndo o fizessem, eles teme- iam os nobres ¢ nio ousariam ficar bébados”™. Evidentemente, a embria- ‘guez. como parte de um ritual religioso nao havia desaparecido, mas jé no cra distinguida do consumo do Alcool por razdes seculares ou em decorrén- cia de vicio. Em face dessa disseminagao do alcoolismo, os espanhis adotaram uma atitude altamente ambigua. De um lado, condenavam-no por razdes morais, (embora seus castigos, como chicoteamento, fossem incomparavelmente ais suaves que os da era pré-colombiana); de outro, incentivavam-no por evidentes razdes econdmicas: vendiam vinho aos indios. vinho, mais alcodlico que as bebidas tradicionais, tinhe efeitos maito mais danasos. Assim, nos relatos espazthdis, 0 alcoolismo tornou-se uma caracteristica tipi- 2 da sociedade nativa. No entanto, ele apenas espelhava o sentimento de impoténcia dos indios que tentavam usar o Aleool para escapar de um mundo que para eles se tornara trdgico e ebsurdo. A disseminagao do uso de folhas de coca nos Andes era testemunho de ‘um fendmeno andlogo, embora com conseqiaéncias menos nocivas. A fotha de coca eta uma planta que, como 4 chicha, fora usada principalmente em ceriménias religiosas: “Nos tempos dos reis incas, os homens do povo néo podiam beber coca sem a permissio do Inca ou de seu governador”®. Depois da conquista, a produgéo de coca aumentou consideravelmente, Os da sociedade. Inimeros textos mencionam © 3 Tosbio de Benevene, Memorials, pp. 362, 321-322, 386,357, M4 Tortbio de Benavente, Memorials, p. 361; Procesos de Indios Molatas y Hechiceros, Grazia, "La Mere dévo- ‘México, Archivo Genoral de a Nacibn, 1812 p. 164, citado por ante", 2p. dt, 9.22 35 Jost de Acosta, Historia Natural y Moral de las India [1590], Madrid, 1954, p. {175 cf também Juan de Matien2o, Gobierno del Peru 15671, Pars-Lima, 1967, p. 163, a9. (03 INDIOS E A CONQUISTA ESPANILOLA 220 préprios espanh6is aumentaram a érea de terras cultivadas com coca, as vezes em detrimento das plantacoes de alimentos; ¢ o consumo de folhas de coca tornou-se difuindido entre toda 2 populagio (embora a planta também conservasse sua significagao religiosa): “Comegaram a viciar-se nela depois {que 0s espanhéis entraram neste pais”. A coca era particularmente indis- ppensével para os indios que trabalhavam nas minas, pois Ihes permitia traba- Ihar quase sem comer. Segundo Acosta, “somente em Potosi o comércio de coca eleva-se a mais de meio milhao de pesos por ano, pois sto consumidas 95 mil cestas de coca”s?. Os comerciantes espanhéis controlavam o comér- cio da folha de coca, mas apenas a massa da populagao indigena a consumia. ‘Nos quarenta anos apds a conquista, portanto, a sociedad nativa passou por um processo de desesteuturaso em todos os niveis: demogréfico, eco- némico, social ¢ espiritual. Certas estruturas conseguiram sobreviver, mas fragmentadas e separadas de seu contexto original e transpostas para © mundo colonial. Nao obstante, essas continuidades parciais garantiram que tradigOes nativas ~ um tanto modificadas — fossem passadas adiante, enquanto 40 mesmo tempo sustentavain a hegemonia espanhola. ‘TRADIGAO E ACULTURAGAO Sob © dominio colonial as tradigaes nativas se defrontaram com as novas préticas européias. Até que ponto estas foram aceitas ou rejeitadas? Terd 0 fenémeno da aculturagdo ajudado a reintegrar a sociedade? ‘Uma répida aculturacdo econémica ocorreu, embora limitada 20 uso de alguns produtos europeus que ampliavam a variedade de recursos disponi- veis aos nativos, sem realmente substituir 0s que jé estavam em uso: tanto ‘no México como no Peru 08 alimentos basicos continuaram os mesmos da era pré-colombiana. Algumas frutas ¢ vegetais (Iaranjas, mags, figos, cou- ves, nabos ete.) espalharam-se rapidamente onde encontraram condicoes liméticas favoriveis, mas aparentemente o gado europeu foi adotado mais prontamente no México ou nos Andes setentrionais que nos Andes centrais ¢ meridionais, onde a criacao de Ihamas jé constituia uma das principais ati- vvidades. Assim, quando, a partir do final do século XVI, 0 consumo de carne 56 Hernando de Sania, Relacén del Orger, Descendola Politica y Goblerno dels Ines (1564), Lima, 1927, p. 107, 2%. Aconta, Historia Natural y Moral, p- 116 se tornou uma pratica geral uo Equador, isso significou uma importante ‘evolucao nos habitos alimentares*#, © cultivo do trigo foi introduzido por instigagao dos espanh6is, exclusivamente para pagamento de tributo ¢ nio para cansumo dos indios. A aculturacao econdmica geral ocorreu através da selesio de produtos importados pelos espanhdis que eram simplesmente justapostos aos que ja estavam em uso, sem qualquer outra modificacao do contexto da vida nativa. As técnicas tradicionais sobreviveram, embora alguns senhores j4 possufssem arados no final do século XVI. Havia um contraste entre a répida aculturagao social de numerosos senhores ea per logo aprenderam a falar € a escrever espanhol, embora continuassem a usar 2 lingua nativa. A aculturagao lingtifstica parece ter ovorrido mais rapida- mente ainda no México que no Peru. O famoso colégio de Tlatelolco, que devia abrigar os filhos dos senhores, fot fundado pelos franciscanos na déci a de 1530, enquanto que nos Andes escolas semelhantes (em Huancayo, ¢ sobretudo em Cuzco) nio foram criadas antes da década de 1570. O objetivo explicito era hispanizar um grupo privilegiado, a fim de criar uma classe sgevernante que fosse obediente aos espanhdis. De acordo com essa politica, certos membros da nobreza nativa (conforme a sua posigio) adotaram as roupas européias ¢ alguns simbolos de prestigio da cultura dominante — andar a cavalo, cartegar espada, ou usar um arcabuz. Contudo, esses privilé gios eram concedidos apenas 20s senhores de camadas mais altas: assim, em Chucuito, Garci Diez propos que os privilégios fossem limitados exchusiva~ mente a Martin Cari € a Martin Cusi, Além disso, como a administragio colonial proibiu muitos privilégios tradicionais (tais como viajar de liteira ‘ou de rede), os simbolos de prestigio tornaram-se exclusivamente espanhois. essa forma, o grupo dirigente fortaleceu sua fungso de modelo a ser imita- do pelos indios. Inversamente, os indios das comunidades mostraram sua fidelidade aos costumes antigos. Continuaram a falar as linguas nativas e geralmente usa- ‘vam roupas tradicionais, as vezes combinadas com 0 sombrero espanhol. B, conquanto o sistema coloniel tivesse introduzido dinkeiro, vimos que 0 setor nativo petmaneceu orientado para a produgto de subsistencia, suple- mentada pelo escambo, E verdade que as migragdes forgadas das popula ‘wes (congregaciones no México a partir da década de 1560, as reducciones tencia da tradigao entre os homens do povo. Os senhores 3 Relaciones Geogdfcas de India, vol. pp. 172,234; vol I, pp. 22,237 21 {5 BEDNDS E A CONQUISTA ESPANHOTA m no Peru a partir da década de 1570) estilhagaram radicalmente os padroes de colonizagao ¢ tentaram obrigar 0s indios a viver em aldeias formadas sob ‘© modelo espanhol, no qual as ruas eram dispostas em padrio quadricular, a praca era rodeada pela igreja, pela residéncia do cabildo, pela pristo € pelo patibulo, No entanto, apesar dessas mudangas, 0 antigo sistema de orgahizacdo comunitéria (cujo niicleo central eram a aylla ¢ a calpullt) per- sistit ou foi reconstruido sobre os alicerces dos lagos de parentesco € de ajuda métua que uniam seus membros. Apés os reassentamentos da popu- lasto, as aldeias e suas terras continuaram a ser organizadas segundo um modelo dual, assegurando dessa forma a continuidade das crengas religio- sas que se baseavam na associagdo que os indios estabeleciam entre sua terrae seus ancestrais. Na esfera religiosa, a fidelidade dos indios a stas tradigées exprimia saa rejeigdo a0 dominio colonial, embora novamente surgissem diferencas. Enquanto no México, nas primeiras décadas da era colonial (até a década de 1570), 08 indios pareciam revelar verdadeiro entusiasmo pelo cristianismo, isso nao acontecia no Peru. Todavia, em ambos 0s casos, os indios se apega- vam tenazmente a suas proprias crencas e rituais, #ssa continuidade acom- anhava-se de um processo de fragmentago, que correspondia ao das insti- tuigbes. Se o culto oficial an sol e a0 Inca desapareceu nos Andes imediata- mente apds a conquista, o culto popular ligedo aos huncas (deuses Locais) sobreviveu. Os indios continuaram a trabathar comunitariamente nos cam- pos dedicados a seus objetas de culto e desenterraram seus mortos dos cemi- ‘érios, para transposté-los para seus antigos locais de enterro (préximo a lugares que haviar sido obrigadas a abandonar por causa das reducciones). Embora se ajustassem aos elementos externies do culto cristao, conseguiram cesconder seus ritos tradicionais. Os espanhdis favoreceram essa ambighida- de ao erigir cruzes ¢ igrejas nos antigos locais religiosos, enquante, por seu lado, os indios camuflavam seus idolos € rituais sob um disfarce cristao: Descobrimos que eles estavam mantendo um grande huacw, chamado Camasea, junto & porta da igreja e um outro, chamado Huacrepampa, no interior dela; e atrés do altar principal, junto & porta da secristia, havia mais um huaca, chamado Pichacianac®, 2. “Idolatrins dels Indios Hiuachos y Vauyos" Revista Historia, Lima, 1918p. 190 ef. tc ‘been Arriaga, Betirpacin dela Ialati, op itp. 23. Enquanto os espanhsis consideravam os deuses locais manifestagdes do deménio, os fndios interpretavam © cristianismo como uma forma de idola- tria, Em ver. de se fundirem numa sintese, as duas religides permaneceram justapostas. Embora admitissem a existéncia de um dens cristdo, os indios consider. € eles mesmos procuraram a proteséo de seus proprios deuses. © manual confessional de Diego de Torres, composto por volta de 1584, condenou essa dicotomia como um dos “erros contra a fé cat6lica”: ram que sua esfera de influéncia era limitada ao mundo expanhol, Bles as vezes dizem que Deus nfo ¢ um bom deus, e que ele 830 protege os ppobres,¢ qe 0s indios obedecem a cle em vo {..]€ que, assim como os criss tem imagens que eultuam, também se pode cultuar os huacas". Dessa forma, a esfera religiosa refletia a cisdo entre o mundo exropeu e 0 inaigena, & curioso que os antropélogos ainda hoje encontrem entre certos Indios (por exemplo, os de Puquio) a idéia de que Jesus Cristo permanece “separado” (separawmi); des so protegidos nao por ele, mas pelas monta- nnhas, as wamanit!. No inicio do século XVIL, Arriaga descrevia uma concep- sao analoga: DDizem que tudo 0 que os sacerdotes dizem e pregam é para 0s Viracochas ¢ espa- hols, € que cles tém seus huacas e sous malguis e seus festivais e tudo 0 mais que seus ancestrats Ihes ensinaram e que os mais velhos ¢ ot sacerdotes Ihes ensinam.., Pode-se perceber por que, numa carta dirigida a Filipe 1 em 1579, Antonio de Z:ifiga deplorava 0 fato de que os indios nao faziam mais do ue fingir participar das cerimOnias cat6licas: 10 eram na realidade mais cristéos do que na época da conquista. E Garci Diez fazia a mesma constata- 40 em Chucuito: “a maioria dos indios nao so cristios”# “Diego We Torte, Confesionario para lor Guras de Indios (2584), Sela, 1608, 5 Joye Mara Arguedas« Alejandro Otic Rescaniere. “La Posesion de I Tiera, Los Mitos Posthispinicosy lx Vision del Univesi en Ia Poblacion Monolingtie Quechua”, em Let Problemes graves des Ameriques Latnes, Batis, 1ST, pp. 309-318. Arriaga, Buirpacion dea Tdlata, op. tp 224. “Cara de Fray Antonio de Ziiga al Rey Don Felipe I", em Calico de Documents Indio ara la Historia de spa, Madd 155, t XVI p80; Diez de San Miguel, Via, 115 223 (OS IKDIOS EA CONQUIETA ESPANHOLA 224 Os resultados da aculturasdo permaneciam, portanto, no conjunto, limi- tados, tanto no México quanto no Pera, ¢ a massa da populagio nativa rect- sava-Se a aceitar a maioria das préticas trazidas pelos espanhéis. Na resultan- te interacdo entre continuidade ¢ mudanga, a tradigdo prevaleceu sobre a aculturaggo. Em geral, quando adotavam elementos de uma cultura estran- geira, os indios meramente os acrescentavam aos elementos de sua prépria cultura ou usavam-nos como uma espécie de camuflagem. Mesmo nos casos dos senhores mais hispanizados observa-se © quanto persistiam os modos tradicionais de pensamento. Se adotaram certos costumes europeus, inseri- ram-nos no arcabougo da cultura indigena. Assim, segundo um documento datado de 1567, quando um grande ntimero de indios rebeldes de Vileabam- ba foi visitar a princesa Maria Manrique, viva de Sayri Tupac, em sua resi déncia em Cuzco, eles a presentearam com penas ¢ “outros itens de pequeno valoc”, em reconhecimento de sua soberania. Em troca, a princesa Ihes ofe- receu alimento e bebida, thamas, jias para o nariz, braceletes e brincos de couro — isto é, presentes de natureza tradicional; mas, além disso, também ofereceu “objetos de Castela que havia comprado nas lojas”, Se ndo tivesse feito isso, ela declarou, “nao estaria agindo como era esperado de uma pri esa deste reino”¥, Em outros termos, essas compras espanholas estavam integradas ao sistema de dar e receber presentes de acordo com 0 antigo rincfpio da reciprocidade. Haavia, pois, continuidade de tradicao, bem como uma sintese por adap- facdo. © caso de Guaman Poma de Ayala, um dos mais notaveis escritores peruatios, ilustra bem esse provesso. Os elementos ocidentais foram absorvi- dos pelo sistema nativo de pensamento que, a0 adapter-se, conseguiu preset- var sua estrutuza original. Embora escrevesse em espanhol (mesmo que incorretamente) e praticasse o cristianismo, Poma continuava a ver o mundo colonial através das categoria espacio-temporais que haviam configurado 0 império inca. Desse forma, tragou um mapa das {ndias que, em seus contor- nos, s¢ assemelhava a um mapa espanhol, cortado por linhas de longitude latitade#®, Mas essas linhas na verdade ndo correspondiam a nada. O Pera “4 Archivo Historica del Cuaco, “Genealogia de Sayri Tupac”, libro 4, indice 6, P64, F 80, Pot. *% Guaman Poma de Ayala, Nueva Cordnice, 993-994, Sobre esse desenvolvimento, ef Wachtel, "Penste sauvage et acculturation. LEspace et le temps cher Felipe Guaman Poma ons. Mape dln toto pr ran Pama Ay de Poma era disposto em toro de duas diagonais que haviam demarcado as Aantigas divisoes do império inca, Chinchaysuyo a oeste, Antisuyo a norte, Collasuyo a feste e Cuntisuyo ao sul, Essas estavam explicitamente assinala das no mapa. Poma desenhou seus quatro governantes, 08 apos, acompanha- dos por suas esposas; sobre a figura que representava 0 governante de Chinchaysuyo esta o nome de Cépac Apo Guamanchara, avé paterno de Poina, Existe um aspecto notivel. As duas diagonais se cruzam em Cuzco, € 4 antiga capital est situada no centro exato do mapa, rodeada pelas quatro divisoes. Por um longo periodo Lima havia sido a capital do vice-reino, mas para Poma, Cuzco permanecia o centro do universo, Acima dessa represen- tagio da cidade ele desenihou 0 décimo imperador, Tops. A figura esté entre dois brasées, o do papa e o do rei da Espanha (Figura 1). Sabemos que no império inca essas quatro divis6es faziam parte de um sistema de classificagdo € cram ordenadas hierarquicamente em dois pares sucessivos, O primeiro deu origem a uma divisto superior (Hanan) — for- ‘mada por Chinchaysuyo ¢ Antisuyo —e a uma inferior (Hurin) — formada por Collasuyo ¢ Cuntisuyo. A segunda divisio cortava a primeira: cada uma ‘Ayala ei Pca Garellaso dela Vega, Anal, Booms Sects, Civilizations, malo agosto, 1971, pp. 793-840, ns (OS INDIOS BA CONQUISTA ESPANHOLA 226 das metades era dividida em duas, formando 08 quatro quartas, nos quais CChinchaysuyo estava acima de Antisuyo, ¢ Collasuyo acima de Cuntisuyo. O centro do mundo, Cuzco, era definido pela intersecdo desses dois pares; assim, a organizagdo quadripartite resultava em cinco partes separadas. No entanto, a despeito dessas subsisténcias e continuidades, o pensamento indigena nao poderia escapar as sublevagées provocadas pelo dom{nio colo- nial. De que modo Poma imaginou mundo como era apés a conquista espa hola, e onde situou os outros patses da América, da Europa, da Africa e da Asia? & notavel que continuasse @ ver nao s6 as Indias como também todo 0 universo no mesmo tipo de sistema de uma metade superior e de uma infe- rior, divididas num modelo quadripartite em torno de um niicleo central. Para construir seu modelo do mundo ele teve de amoldé-lo a uma duplicata do primeiro modelo, mas ao fazé-lo a posigio da parte inferior (as fndias) foi invertida dentro da estrutura da parte maior (o universo) para explicar os ‘efeitos da conquista da l6gica interna do préprio sistema, Em torno do reino de Castela, agora tia posicio central até entéo ocupada por Cuzco e pelo Inca, estavam dispostos quatro outros reinos: Roma e Turquia na parte superior anteriormente ocupada por Chinchaysuyo e Antisuyo, e as Indias ea Guiné na parte inferior no lugar de Collasuyo ¢ Cuntisuyo. As Indias deveriam ter sido colocadas na diviséo superior ¢ Castela na inferior, mas a relagao colonial exi- gia que, assim como o Inca estava compreendido na pessoa do rei da Espanha, © ordenamento geral do universo tina de ser invertido enquanto a configura- so do sistema como um todo era mantida intata (Figura 2) Pome também aplicou o mesmo padrdo a sua representagéo do tempo. Ele retomou a tradigio nativa das cinco idades (Huari Viracocha, Huari, Purun, Auca, Inca) e, seguindo um procedimento andlogo a0 que usara no caso do espaco, projetou essa divisio em cinco partes sobre o sistema de ivisio temporal do Ocidente. Dessa forma, a histéria biblica foi dividida em cinco idades (Adzo, Noé, Abraio, Davi, Jesus Cristo) andlogas as cinco idades da tradicao indfgena. Poma amoldou, portanto, as contribuicées da cultura ocidental 20 arca~ bouso espicio-temporal preexistente dos indios, ito é, uma sintese rigoro- samente organizade de acordo com a légica do pensamento andino. Mas, se ‘essa s{ntese impanha certas regras, também fornecia a base para uma rein- terpretacao e criagio, Poma recorceu as categorias tradicionais, mas, ao rees- truturé-las no contexto do sistema colonial, deu-thes um novo significado — 0 de opor-se & hegemonia espanhola. Na verdade, o cronista associou 0 Fim. cs vga yr Guar Pra daa conceito de pachacuti (derroceda, revolugdo, tanto do munde quanto do tempo) ao final do império inca: a rela¢éo produrida pela invasio européia relegava as Indias a0 nivel de Collasuyo na divisio inferior, quando na ver- dade deveriam estar na divisio superior. “O mundo esta de ponta-cabeca porque no ha nem Deus nem Rei”, e foi para informé-lo sobre a “doenga do mundo” que Poma dirigiu sua “carta” de mil péginas ao rei da Espana. Com uma esperanca quase messianica, ele esperava uma revoluggo final (uma outra pachacutf) pela qual o rei da Espanha — garante, como 0 Ince, da ordem universal — endireitaria novamente o mundo. RESISTENCIA E REVOLTA Os espanhéis estabeleceram seus dois principais centros de colonizagio no México ¢ no Peru, onde jé existiam estados poderosos; mas nas extensas “fronteiras” situadas nas periferias desses estados encontraram feroz resistén cia, que em alguns casos duraram até o infcio do século XX. O que causou esse contrasts? Foi o resultado da propria natureza das diferentes sociedades nati vas da América. No México ¢ no Peru 0s invasores entraram em contato com “© Guaman Poms de Ayala, Nueva Cordnza,® 1146; ck analogameate os F 408, 488, $30, 762. aay ‘08 INDIOS 8A CONQUISTA BSPANIOLA 228 uuma grande ¢ densa populagao controlada por instituigbes centralizadas ¢ por longo tempo acostumada a proditzit umn excedente econdmico em benefi- cio do grupo dominante. Mas no norte do México, 20 sul e a sudeste dos charcas, ou no Chile, a colonizacdo espanhola fracassou quando se defrontou com fndios em sua maioria ndmades, que ndo produziam excedentes dispon- veis e que, devido a sua mobilidade, escapavam a qualquer controle. Mesmo no México e no Peru a relativa facilidade da conquista nao signi- ficou a repentina cessagdo das hostilidades apés a invasio. A resisténcia mais tenaz se verificou nos Andes, onde a forca propulsora por trés da primeira revolta importante contra os espanhéis foi exatamente a de Manco Inca, um dos filhos de Huayna Cépac, Antes da chegada dos espanhois, cle havia par- ticipado de uma expedigao iniciada a leste do império contra os indios mon- afta, € especialmente contra 0s chiriguanos. Manco Inca comegou colabo- rando com os espanhéis, mas rapidamente se desiludiu, Acreditei que eram a gente boa enviads, como afirmavam, por Tees! Viracschan — isto é Deus — mas me parece que os acontecimentos tomaram 0 rumo oposto daquele que imaginei; pois voces deveriam saber, meus mos, que, pelas provas que ime deram desde que invadiram minhas terras, eles nio sto filbos de Viracocha, mas sim do diabo®, Manco sitiou Cuzco durante um ano (de marco de 1536 a abril de 1537), ‘mas no final teve de relaxar 0 cerco. Refugiou-se entdo nas montanhas ina- cesstveis de Vilcabamba, 20 norte da antiga capital e nos vales quentes de Antisuyo (a base a partir da qual havia iniciado stas campanhas anteriores). A regiao foi escolhida nao apenas por motivos estratégicos, mas também por raz0es politicas ¢ religiosas. Nao foi por coincidéncia que inclufa Macha- Picchu, o santuitio inviolével dos sacerdotes nativos, e 0 Mamacona do Sol, ‘que permaneceu desconhecido aos europeus até 0 inicio do século XX. ‘No imenso territ6rio sob sett controle Manco continuou a manter as ntigas tradigbes imperiais ¢ na verdade restaurou um estado “neo-inca”, Em sua Relacién, Tita Casi atribuiu a seu pai um discurso que exprimia resisten- cia a todo tipo de aculturacio. Manco instava os {ndios a renunciar 2 falsa religido que os espanhéis estavam tentando impor-thes; 0 deus cristio, dizia, “FTitw Gun Relacin de a Conquista dal Pe, op ct p32. ‘era apenas um tecido pintado incapaz de falar, enquanto os huacas se ppodiam fazer ouvis, € 0 Sol ¢ a Lua eram deuses cuja existencia era vistvel a todos#®, Apés a morte de Manco Inca, seu filho, Sayri Tupac, continuow & resistencia durante dez anos ou mais, e entdo se rendeu em troca da rica ‘encomienda de Yucay (0 “vale sagrado” que fora a propriedade pessoal de Huayna Cépac). Outro filo de Manco, Titu Cusi, sucedeu-Ihe como lider da resistencia, 0 estado neo-inca continuow a desafiar a hegemonia espanhola Na década de 1560 0 vice-reinado experimentou uma profunda crise. ‘Parece que Titu Cusi havia preparado uma sublevagdo geral que deveria coincidir com a disseminasio do movimento do Taqui Ongo. Tratava-se de um movimento milenarista originario dos Andes centrais (especialmente na regio de Huamanga), mas, segundo Cristobal de Molina, a “heresia” foi ini- ciada pelos feticeiros de Vilcabamba. Os pregadores anunciavam o final do dominio espanhol; os deuses nativos que tinham sido derrotados € mortos ra época da chegada de Pizarro voltariain novamente & vida ¢ entrariam em combate com 0 deus cristo que, por sua vez, seria conquistado. Entao os espanhéis seriam expulsos do pais: les acreditavam que todos os huacas do reino, todos aqueles que os cristéos aviam queimado e destruido, haviam retornado & vide |...] que estavam todos se preparando no céu para combater Deus e conguisté-lo [..] agora 0 mundo estava ‘completando seu ciclo, Deus e os espanhéis iriam desta vez ser conquistados e todos os expanhbis mortos, sas cidades engolfadas, ¢ 0 mar se expandiria para tragé-los € vvarré-los da meméria®. Dessa forma, o Taqui Ongo predizia um evento césmico, um dilévio, o fim do mundo. Bssa profecia baseava-se numa representagdo cfclica do tempo implicita no uso que Molina faz do termo vuelta (giro, ciclo). Segun- do outras testemunhas, 0 deus cristao estava completando sua mita, sua “vez de reinar”; os huacas recriariam outro mundo ¢ outros homens. Devemos lembrar-nos que, de acordo com a tradiglo, o império inca havia sido prece- dido por quatro s6is e quatro ragas de homens. Cada uma dessas eras havia durado mil anos, ¢ o final de cada uma delas fora marcado por imensas catistrofes. Ora, numa versio relatada por Sarmiento de Gamboa, 0 império © Taam. 78 © Crisobal de Molina, Relaciones Babul its ds Tnas [1575], Lima, 1916 pp 57-98, 29 (OS DIOS A CONQUISTA ESPANHOLA 230. A BUROPA A sntEETCA inca fora fundado numa data que correspondia a0 ano 365 da era crista ‘Também cle havia mergulhado num verdadeito cataclisma apés a chegada de criaturas estranhas, brancas e barbadas ¢, como 0 apogeu do Taqui Ongo ocoften em 1565, mil anos apés a fundacio do império, dificilmente seria ‘uma coincidencia o fato de ser esse o mesmo ano em que Titu Cusi prepa- rou uma sublevagio geral dos indios. © plano de revolta inseria-se, portanto, num arcabougo tradicional de idéias que era interpretado de uma forma nove, em resposta & situagao colo- nial, Desde a conquista no mais se ofertavam sacrificios rituais aos huacas, que, em vez disso, vagavam abandonadas, “exauridos e mortos de fome”. Para se vingar, enviaram doengas e morte a todos os indios que aceitaram o batis- ‘mo; entéo cles também vagariamn de cebeca pata baixo € os pés para o ar, on seriam transformados em Ihamas ou viesnhas®, Somente os {ndios figis a0 culto dos huacasseriam admitidos no império prometido. Os huacas proibiam= nos de entrar em igrejas ou de User nomes cristios; ndo thes era permitido ‘comer ou vestit-se como os espanhdis. Dessa forma, os seguidores do movi- ‘mento manifestavam sua reconversio por meio de rituais de penitéacia e puci- ficasao. Todavia, Taqui Ongo como tal néo tomow a forma de um empreendi- ‘mento militar. Os indios esperavam que a libertagio proviesse menos de ina agdo violenta contra os espanhois do que de uma vitoria dos huacas sobre 0 deus ctistdo. Os pregadores vigjavam de aldeia em aldeia, restaurando 0 culto nos lugares sagrados mediante rituais de “ressurreigéo”. O movimento foi acompanhado de rumores aterrorizadores. Disseminou-se a epidemia do redo, Era voz corrente gue os brancos haviam vindo ao Peru para matar os {ndios, em busea de gordura humana, que usavam como remédio contra certas doengas®!. Aterrorizados, 0s indios fugiam de todo contato com os espanhéis. A igreja denunciou 0 Taqui Ongo como uma seita de hereges ¢ apéstates. A “visita” de Cristobal de Albornoz as regides de Huamanga, Arequipa ¢ Cuzco tornaram possivel a descoberta dos principais lideres do movimento. De acordo com sua posigao ou grau de culpa, foram chicoteados on tiveram as cabecas raspadas. Na década de 1570, todos os vestigios do Taqui Onge haviam desaparecido. Além dos efeitos da repressio eclesidstica, eles sem. tivida sofreram as repercussSes da captura e morte de Tupac Amaru, tlti- ‘mo Inca de Vileabamba, 3. Archivo General de Inds, Andiencia Limo, Lepajo 216, eadeano de nota de 1577, Fr. Si. Molina, Relacién, pp. 97,98. Tupac Amaru havia assumido a liderenca do estado neo-inca apés a morte de seu meio-irmao, Titu Cusi, em 1571, mas seu reinado durou pouco. O vice-rei Francisco de Toledo, determinado a submeter o Peru defi- nitivamente, organizou uma iiltima expedicéo vitoriosa, comandada por Martin Garcia de Loyola (sobrinho de Santo Inécio). A decapitagao de ‘Tupac Amaru em 1572 na praga piblica de Cuzco, na presenga de enorme multidio atemorizada, repetiu a execugdo de Atahualpa. Aos olhos da massa da populagio indigena, a “segunda morte” do Inca efetivamente significou o fim de um mundo, Proximo ao coragao dos Andes, a “cordillera” dos chiriguanos formava uma fronteira que por trés séculos resist & cofonizagdo espanhola. Durante 1 segunda metade do século XVI, mesmo Potost ¢ La Plata, os centros nervo- sos do vice-reinado viram-se varias vezes ameasados®. Defrontamo-nos aqui com um fendmeno excepcional: 0 encontro entre duas forgas de conquista. Antes da chegada dos espanhéis, grandes contin: gentes de indios guaranis haviam migrado para o império inca, Haviam pat- tido do quadrilétero situado entre os rios Paraguai ¢ Parand e a costa do Atlantico, Estariam em busca de Candire, a “terra sem males” proclamada por seus profetas? Ou da “montanha de prata”? Essas migrag6es haviam-se deslocado ao longo de um arco que passava entre © Guaporé-Mamoré ¢ Pilcomayo e, apés uma jornada épica, haviam terminado na moneafa a leste ea sudeste dos charcas. Algumas das tribes guaranis acabaram por estabele- ccer-se nesse ampla zona, apés terem subjugado os habitantes locais de ori- ‘gem aruague (os chanes); dai por diante, foram conhecidos — ¢ temidos — pelo nome de chitiguanos. Deve-se ter em mente que, na época da colonizagao do vale de Cocha- bbamba, Hayna Cépac removera os chuis e cotes “nativos” e os instalara em fortalezas em Mizque, Pocona, Pojo e Montepuco pata defender o império contra as invasées dos chiriguanos. Mais tarde, provavelmente na década de 1520, 0 mesmo Huayna Cépac enviou um de seus parentes, Guacane, para conquistar 0 territério situado a sudeste de Cochabamba, na diregao da pla- nicie de Guapay. A partir de Mizque, Guacane explorou a regio, fundou “FEA paginas qe se aguem se Daselam no prsnelco capitulo ("Ls Rencontre") de wan aba- Tho que Tietry Sagnes ext excevendo sobre 4 etne-histria dos chiriguanos. O autor agradece so Dr. Saignes a permits de emealtlo e cité-o aq. a SPER E EEE SEE EEEE EEE LEE 232 outra fortaleza em Samaipata ¢ foryou uma “dlianga” com o chefe local, Grigota. Importou entéo novos mitmag, comegou a explorar as minas de ouro ¢ estabeleceu uma iiltima fortaleza na planicie de Guanacopampa. Nessa altura, oito mil guerreiros guaranis provenientes do Paraguai desfe- charam um ataque contra esses territérios recém-conquistados pelo “filho do Sol”, Surpreenderam as tropas incas, mataram Guacane e destrucam as fortalezas do Inca; reforsos vindos de Cuzco também foram repelidos. Profundamente afetado por esse desastre, Huayna Cépac teve de enviar ‘Yasca, um de seus melhores capities, ao comendo de uma grande forga reu- rnida no norte do império e mais tarde reforcada no sul por guerreiros lupa- cas. Mas 0 resultado da luta foi incerto, e somente com grande dificuldede ‘Yasca conseguiu zeconstruir as fortalezas destrutdas, Os primeiros espanh6is vistos pelos chiriguanos foram aqueles que desembarcaram na costa atlantica. Inicialmente, os dois grupos invasores no entraram em confronto direto. Ao conttério, apés « primeira fundagao de Assung0 em 1536, 0s chitiguanos tentaram diversas vezes induzir 0 governador Irala « mandar uma expedigae 20s Andes: o estado inca havia a ssa altura desaparecido, mas os chiriguanos continuavam seu lento avango para territ6rios que estavam agora, em principio, sob jurisdicao espanhola. Sua expansio se fez is custas da populacio “nativa” das montanhas andinas, especialmente os mitmag anteriormente estabelecidos pelo Inca. Dessa forma, por volta de 1540, os muyu muyus, habitantes da tltima das cadeias de montanhas acima de Chaco, desfecharam um violento ataque durante 0 qual perderam seu chefe, Partiram para 0 sudoeste, a fim de refugiar-se nas fortalezas incas da regio de Tarija. No entanto, vérios anos depois 0s chii- fguanos mais usna vez 8 repeliram. Tendo recorrido aos espanhdis em busca de protegdo, os muyu muyus se fixaram nos vales préximos a recém-funds- da La Plata (Chuguisaca), ocasionando dessa forma intimeras disputas entre varios encomenderos que tentavam apropriar-se deles em beneiicio préprio. Mais ao norte, quando cruzava os vales quentes para além de Mizgue em 1548, Nuflo de Chaves se deparou com os chiriguanos de Samaipata, que estavam em guetta com os indios chuis que se haviam retirado Para Pojo. Os espanhéis herdaram, portanto, uma “fronteira infetada por uma expansio guarani"s, e sua posigdo tornou-se mais dificil na década de 1560 com uma extraordindria revogagio de aliangas. Embora até entio inimigos ferozes, 08 indios andinos ¢ os chiriguanos do Parsguai parecem ter entersa- dos suas diferencas a fim de se defenderem contra 0s invasores brancos. Seria esse um resultado da diplomacia de Titu Cusi, 0 Inca de Vilcabambs, um momento em que, como vimos, o Taqui Ongo ameacava 0 préprio coracdo das possessoes espanholas? A “confederacto” anti-hispanica tam~ bém inclufa, 20 sul, Don Juan Calchaqui, der dos diaguitas, que enviou -mensageiros 20s curacas dos charcas para os encorajar a se rebelarem. ‘etiam as autoridades em La Plata exagerado o perigo? As fontes de Cuzco mencionam planos antlogas de colaboracie entre as incas tebeldes ¢ os chi- riguanos*, Aparentementé © mundo indigena, abalado pela invasio euro- péia, conseguin superar suas tradicionais rivalidades a fim de construir uma vvasta alianga que unia dress tao diferentes como os Andes e as planicies da bacia atlantica. Os chiriguanos redabraram seus ataques ao longo de tads a fronteira. Em 1564, destrutram dois fortes recém-fundados pelos espanhsis, Barranca junto ao rio Guapay (por Nutflo de Chaves) e Nueva Rioja junto ao Paripiti (por Andres Manso que foi morto nesse ataque). Mais ao sul, devastaram as ‘stancias de Juan Ortiz de Zarate, um rico explorador de mintrios de Potost €¢ encomendero dos indios chichas, Bm 1567, saquearam outras aldeias chi chas, a doze léguas de Potost, capturaram os indios que estavam em servigo doméstico, mataram e comeram os espanhdis, E, pelo menos nos dez anos seguintes, toda a regigo entre Tarija, Potosi, La Plata, Mizque, Santa Cruze a cordilheira de Chiriguano passou por um periodo de total inseguransa. Ap6s a pacificagao de Vileabamba e a execucio de Tupac Amaru, o vice- rei Francisco de Toledo decidiu resolver o problema dos guaranis. Em 1573, dirigiu-se 2 La Plara onde recebeu embaixadores dos chiriguanos que haviam vindo prestar-Ihe homenagens. Falaram de um milagre realizado por Santiago, que predizia a paz, e solicitaram o envio de missiondrios. Toledo ordenou a realizagao de uma investigacéo: 0 intervalo permitiu aos chefes chiriguanos fugir de La Plata; e Toledo descobriu que havia sido enganado. s indios haviam simplesmente tentado evitar represélias ou ganhas tempo. Em junho de 1574 0 vice-ei, no comando de um grande exército diviide em trés unidades, avangou rumo & Cordilheira. Mas a expedicdo se desbara. tou na tentativa de abrir caminho até Pilcomayo, enquanto o inimigo, pro- tegido pela segurana das montanhas, os acossava. A fome e a febre dizima- 3A expresso € de ThierySaigns, na obra acma dada, “Archive Historco dl Cuzco libro 5 do Cabildo,®AIr-47r, 233 Os mupI0s R4 coNQUISTA BsPANHOLA 24 ram 0 exército, e 0 proprio Toledo caiu gravemente doente, Por fim, os espanh6is foram forgados a recuar, sem terem conseguido nada. O vice-rei contentou-se em fundar duas villas para proteger a fronteira: Tomina, no sudeste, e Tarja, no sul Encorajados pelo fracasso de Toledo, os chiriguanos continuaram seus ataques ¢ ameacaram os dois estabelecimentos recém-fundados, “Eles vagam. ao longo de toda a fronteira dessa provincia, cheyando a ponto de aparecer dentto de oito léguas desta cidade de La Plata”, queixava-se o presidente da audiencia. “Assolam pequenas cidades e campos ¢ capturam espanhéis, empregados indios ¢ escravos negros”’®, Os antigos mitmag, forgados a recuar para Tarabuco ¢ Presto, viram-se diretamente expostos a esses ata- ‘ques. “Jé estdo as nossas portas”, escreveram a seus senhores cm 1583, “e cles nos mantém tio encurralados € assustados que nao ousamos sair de ‘nossas casas para o trabalho em nossos campos". Os chuis do vale Mizque, por seu lado, prepararam uma revolta com a ajuda dos chiriguanos de Guapay e estavarm prontos a fugir para os yungas, Em 1584, o forte de San Miguel de la Laguna, situado entre os rios Guapay ¢ Pilcomayo, foi atacado e destrufdo. Os espanh6is organizaram entio uma expedigdo a partir de trés cidades, Santa Cruz, Tomina e Tarija. Os resultados nao foram melhores do {que antes, Foi a tltima expedigao realizada pelas trés cidades em conjunto; depois disso, cada setor passou a cuidar sozinko da sua propria defesa Entre 1585 € 1600 a reconstrug#o ou a fandagao de La Laguna, Villar, Pomabamba, Paspaya, Cinti ¢ San Lorenzo afastou todo perigo da érea ime- diatamente préxima aos charces. A politica gradual de povoar a regito fer, ‘com que 08 chiriguanos recuassem cada vez mais até seus locais de refigio na corditheira, onde resistiram aos espanhéis por mais trés séculos. No Chile, na extremidade sul do cor nos resistiram aos tspanhéis tao ferozmente quanto os chiriguanos. Um aspecto ressalta no curso dessas guerras: a permanéncia da fronteira delimi- tada pelo rio Bfo-Bio. As tribos situadas ao norte do rio haviam estado sob a inente americano, os indios arauca- 35 Robert Lelie, La Audiencla de Gharess, Correrpordencia de Presdentes y Oiforen, Madrid, 1916-1922, vol. Ip. 37, 55 Gitado em Richard Mua, Blivia-Paraguay: Exposicin de los Tieulos que Consogean a Direcho Territorial de Bolivia, cabve la Zona Comprendida entre ls Rios Pilcomaya y Paraguay, La Psa, 1972, ol I p. $00. influéncia do império inca: em conseqdéncia, os indios do norte do Chile desfrataram das vantagens de técnicas agricolas mais avangadas; criavam gado ¢ também sabiam trabalhar com metais. O Inca havia enviado seus representantes até eles, especialmente guarnigées militares que eram obriga- dos a prover. Em conseqiléncia disso, seus costumes e hbitos de pensamen- to haviam sido modificados: haviam-se acostumado a0 dominio externo, isto 6, a produzir um excedente econémico recolhido quer na forma de tra- balho servil quer na de tributos. Por outro lado, 0s indios ndmades e semi- némades fixados ao sul do rio Bio-Bfo haviam escapado & influencia inca e cestavam familiarizados apenas com técnicas agricolas rudimentares, comple- ‘mentadas pela caga e coleta; sua organiza¢éo politica nao foi além dos vincu- los tradicionais de parentesco. Nzo foi, portanto, por coincidéncia que os espanhéis conseguiram manter seu dominio ao norte do Bio-Bio, e nao 0 conseguiram no sul: a6 fronteiras meridionais do Chile central em tiltima analise coincidiam com as do império inca’?. ‘A colonizagao espanhola foi a principio estimulada, como em toda parte, pela busca de metais preciosos. Mas a produgio de ouro logo comegou a decair, de modo que no final do século XVI a agricultura ¢ a criagao de gado constituiam os principais recursos econémicos (nas regides de Santiago, Osorno e Valdivia). 0 declinio demogeéfico nao poupou 0 Chile, ¢ sso con duziu a uma escassez de mio-de-obra, um problema que os espanhéis resol- vveram na guerfa contra os rebeldes araucanos, quando os indios capturados foram escravizados e postos a trabalhar quer em minas quer em fazendas. Muitos deles foram enviados ao Peru, onde foram revendidos. Em suas, ‘expedigdes contra os araucanos, os espanhis obtiveram a ajuda de aunilia res indios, familiarizados com o terreno e habeis em seguir a pista da presa Jhumiana. Por cada “cabesa” capturada recebiam um pagamento considera- velmente inferior @ seu valor real; assim, © que cagavam constituia uma espécie de tributo, Contudo, a resistencia dos indios rebeldes seria auxiliada por uma forma istinta de aculturagao. Os araucanos transformaram seus métodos de com- bate para adapté-los a Tuta contra os espanhois. Suas armas tradicionais cram 0 arco € a flecha, as espadas temperadas a fogo, tacapes, fundas e lan- ‘@s; suas armaduras inclufam os escudos e gibves de couro. Para resistir 3s Para umn ezame complemeatar sobre os araucanos, cf. Hidalgo, The Cambridge History of avin America, vol. yap. 4 238 ‘os fNDIOS #.s CONQUISTA BSPANHOLA 236 [AEUROPAT A AMERICA investidas da cavalaria espanhola, 08 guerreiros araucanos aumentaram 0 comprimento de suas langas para até seis metros ¢ muniram suas pontas com laminas agudas, usando para isso as espadas, adages ou facas captura- das do inimigo, e dispunham-se em duas linhas, as lancas mais longas atras as mais curtas na frente. Mais importante, os araucanos passaram @ imitar os espanhéis, usando cavalos: no final da década de 1560, a cavalaria nativa rivalizava com a dos espanhéis. Os indios chegaram mesmo a introduzir cer~ tas inovagées. Tornaram mais leves as selas espanholas ¢ em vee da estribo passaram a usar simples aros de madeira nos quais colocavam somente 0 dedio do pé, Essa cavalaria altamente mével era acompanhada por um siste- ‘ma de infantariatransportada por cavalos, cada cavaleiro levando um arquel- ro na garupa’*, ‘A aculturagio dos araucanos nao se limitou as técnicas de guerra. Espon- taneamente substituiram (e esse foi um fendmeno excepcional) o cultive do milho pelo do trigo e da cevada, de maturacio mais répida, a fim de proteger a colheits contra as expediroes que as espanhis realizavam durante o verdo. Politicamente, a tribos comegaram poutco a pouco a aceitar que tinham de abandonar set modo disperso de viver € de se agruparem em formagbes mais amplas durante as operagbes militares. Finalmente, parece que suas crengas € riticas religiosas também se modificaram, com o crescimento do xamanis- ‘mo, € 0 culto 20 cavalo, Toda a sociedade araucana foi portanto reestrutura- da, de uma maneira, no entanto, que permanecia il a sua base tradicional. Nesse contexto podemos entender por que a expansio européia no Chile fracassou. Houve um retrocesso particularmente notavel em 1598, quando ‘uma insurreigio geral obrigou os espanhéis a evacuar todo 0 territério a0 sul do tio Bio-Bio. O epitogo dessa estéria é simbélico: 0 governedor ‘Martin Garcia de Loyola, marido da princesa Beatriz ¢ que anteriormente conquistara Tupac Amaru, foi morto e sue cabega exibida na ponta de uma langa araucana, No norte do México, assim como no sti! do Peru, a guerra continuon ¢ a conguista perdeu seu impeto. Na zona fronteitiga dos chichimecas, a expan- so espanhola se deparou com uma resistencia tao forte quanto a dos chiri- ‘guanos ou dos araucanos, Embora essa regio estivesse até certo ponto sob 0 “Alonso Gongalee de Najera, Desengaho y Reparo dela Guerra del Reino de Cae [1644], Santiago, 1889, pp. 174-175, controle espazhot no final do século XVI, mais ao norte continuava a guerta ‘contra os pucblos ¢ 0s apaches. 0 episédio preliminar da “guerra de Mixton” (1541-1542) foi muito semelhante as sublevagbes nos Andes: ocorreu numa regio distante do cen- tro (como @ revolta de Vileabamba) ¢ tinha cardter milenarista (como 6 ‘Taqui Ongo). A revolta irrompew em Nova Galicia, na regio de Tlatenango 1 Suchipila, entre as tribos cascanas. O vice-rei Mendoza atribuit seu surgi- mento as profecias de feiticeiros enviados pelas tribos chichimecas que moravam nas montanhas Zacatecas, fora do territério entao controlado pelos espanhdis. Os pregedores anunciavam o retomno de “Tlatol”, acompa- nhado por todos os ancestrais ressuscitados, e 2 auroca de uma idade de ouro. Para isso ere necessirio, como no caso do Taqui Ongo, repudiar 0 ristianismo: os fiéis tinham de realizar rituais de peniténcia e purificagao, como lavar a cabeca para remover a sujeira do batismo. Mas, a0 contrétio do Taqui Ongo dos Andes, 0 milenarismo mexicano defendia o recurso direto & violencia: em Tlatenango os indios queimaram a igreja e a cra; em Tequila e Ezatlén, mataram os missionéios, Como aconteceu com o Tagui Ongo, foi com dificuldade que se suprimiu esse movimento: trés expedig6es sucessivas, comandadas por Miguel de Tarra, Cristobal de Ofiate ¢ Juan de Alvarado, fracassaram uma apés outta (€ Alvarado, 0 famoso adelaniado, comandante da regido de fronteira, morzeu em batalha). Para acabar definitivamente com a revolt, o vice-rei Mendoza fi forcado a ir pessoalmente a Nova Galicia, a frente de uma grande forca, ‘Mas isso apenas deslocou a guerra mais para o norte. Ap6s a descoberta ddas minas de prata dos zacatecas, em 1546, abriu-se uma nova zona de colo- nizagao, expandindo-se gradualmente & medida que novos depésitos come- ‘garam a ser explorados. A “fronteira da prata” abrangia a regio do planalto situada a0 norte da linha que aproximadamente atravessava Guadalajara, Rio Lerma, Queretaro e Mestitlin. Essa regio, conhecida como Gran Chi: chimeca, era povoada principalmente por indios ndmades, que viviam da «aga e da coleta e que haviam permanecido fora da organizagao politica dos astecas, Na verdade, 0 préprio nome “Chichimeca” dado a eles pelos astecas significeva “bérbaros”, A guerra se prolongou devida 4 um processo de aculturagio semelhante 2a sofrido pelos indios chilenos. Imitando os espanhéis, os chichimecas ampliaram enormemente stia mobilidade com 0 uso de cavalos. Para obte+ los, comegaram a atacar a8 Povoagées € comboios espanhéis, mas logo 08 237 BS INDIOS EA CONQLISTA SSPANHOLA 238 ATOROPA HA AMERICA animais se multiplicsram de tal forma que rebanhos deles vagavam livre~ mente por todo 0 pats, Por volta de 1579, Juan Suarez Peralta observou que 6 cavalos eram “tao numerosos que vagam pelo pais completamente livres, sem donos: s’0 chamados cimarrones’®, Os chichimecas comecaram inclo- sive a praticar uma espécie de criago de cavalos, uma vez que tinham fazen- das (corrals) onde reuniam os animais. ara proteger a comunicagdo com as cidades mineiras, os espanhis esta- beleceram em pontos estratégicos da fronteira um certo mfimero de postos de defesa (presidios) com uma pequena guarnicdo responsdvel pela pacifica- (40 da drea. Os chichimecas capturados eram escravizados ¢ formeciam forca de trabalho altamente valorizada nas minas de prata, e também nas estancias do norte e do planalto central. Desta forma, assim como a fronteira aratca- na, a fronteira chichimeca tornou-se uma zona dedicada a caga de escravos: isto 6, a guerra se autofinanciava, [A resisténcia dos chichimecas foi suplantada por uma politica nova e ori- sinal, baseada na idéia de aculturagao: no final do século, os vice-reis Villamanrique ¢, mais tarde, Velasco introduziram novos métodos que deviam induzir 05 indios a desistit de sua existéncia ndmade. Os espanhois fandaram “misses” onde os indios exam reagrupados e convertids ao cris~ tianismo; também recorreram ao apoio de seus aliados no México central (especialmente de ‘Tlaxcala ¢ Cholla) ¢ os incentivaram a estabelecer col6- nas que deveriam dar aos chichimecas o exemplo de um modo de vida cris- tio. Mas, na verdade, em conseqdéncia da expansio espanhola, 2 guerra novamente se deslocou mais para 0 norte, chegando-aos territérios que mais tarde formariam 0 Novo México. Os pueblos fixados no vale do Rio Grande foram subjugados em parte, mas os apaches, ndmades das plantcies e planal- tos, esistiram com sucesso e preservaram sua independéncia © exemplo dos indios das fronteiras (os chiriguanos, os araucanos, os chichimecas) confirma, mesmo que de forma negativa, a importincia das estruturas preexistentes dos estados asteca e inca como base da colonizagao espanhola, Na Mesoamérica ¢ nos Andes o sistema colonial foi imposto com sucesso, ao dar uso nova as instituigées preexistentes; essas instituigoes 3 Juan Shares de Peralta, "“Tibno de Alveyers, bro Il ptule 6, publicado por Frangoit ‘Chevalgs, “Notiia Inte sobre los Caballoe en Nueva Espa8s", Revits de nag 1944, pm sobreviveram de forma apenas fragmentiris, isoladas de seu antigo contex- to, que foi definitivamente destraido. Mas, visto que permeneceram os arca- bougos conceitual ¢ religioso, desenvolveu-se um contraste entre, de um lado, a sobrevivencia de uma visio de mundo que constituia um todo signi- ficativo e, de outro, a continuidade parcial das instituigées separadas da cos- mologia que Ihes dera seu significado, Foi essa divergéncia entre as continui- dades e as mudangas que definiu a crise de desestruturacio do mundo indi ena imediatamente apds a invasio européia, ‘Temos de aceitar que, ap6s o choque inicial da conquista, a historia da Sociedade colonial, anto na Nova Espanha quanto no Pers, foi de um fongo Processo de reintegracto em todos os aiveis: econdmico, social, politico, ideolégico. Comforme a heranca pré-colombiana e a forga dos adversétios, 0 Processo assumiu formas muito diferentes: sincretismo, resistencia, mestiga- ‘gem, hispanizagZo. Mas continua até hoje o conflito entre a cultura espanhola dominante— que tentava impor sens valores e costumes —e a cultura nativa dominada — que insistia em preservar seus proprios valores e costumes Be ‘Os mp108 BA ConqUsTA ESPANHOLA

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