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TEXTOS DO TEMPO “Textos do Tempo taza pablico wina slept dos melberesprodutos da bistoriografia profissional brasileira, empenbada em vluctdar, através de metodologias e téenicas inovadoras, os momentos decisives de nossa ‘bistéria. Contempla também trabalbos reflexivos sobre a attuidade do bnstortador, soja como pesaquisador, seja com docente,Dirigese a profs sionais do Hatoria ¢ Cléncias bumanas e a todos os amazes da boa reffetoe letura _urandir Malerba Coordenador da colecao. CIRO FLAMARION CARDOSO. JURANDIR MALERBA (orgs.) REPRESENTACOES: CONTRIBUICAO A UM DEBATE TRANSDISCIPLINAR APIRUS EDITORA 1 INTRODUCAO: UMA OPINIAO SOBRE AS REPRESENTACOES SOCIAIS Giro Flamarion Cardoso Prolegomenos Certa vez, em 1970, numa residéncia estudantil de Genebra chamada Foyer John Knox, talvez em virtude da presenga de um casal romeno entre 16s, discutiamos, num grupo de mela dizia de pessoas de diversas nacionalidades, sobre o ent2o governante da Roménia, Ceauséscu. Em dado momento, a’senhora romena comentou no entender a razio de proaun- ciarmos 0 sobrenome do mencionado politico de diferentes maneiras, “todas erradas’, quando bastaria pronuncis-lo “como se escrevia". Este pequeno episédio anedético poderia introduzir nossa discussio acerca das fepresentagbes, de pelo menos das maneirss. Em primeiro lugar, poder-sesa aborcé-lo de acordo com alguma das variantes da teorla das representagdes. Tomemos, por exemplo, 0 modo como 0 psicélogo social $. Moscoviel focaliza a elaboragao de uma representagio social. Dois processos intervém nessa elaboracio: 0 da objetivarae (que compreende as tr8s fases da construcdo seletiva, da esquematizagao estruturante e da naturalizagdo), através do qual se prove tum contorno Gmagem, figura) 2 determinadas idéias ou nogdes; © 0 da ancoragem, que assegura a vinculacdo social da representislo, tanto em relagio aos valores cognitivos de sentido e saber com que deve ser coerente no grupo social que a vé surgir, quanto pela atribuigio de um valor funcional a seu contetido especffico. As representagdes integram, com feito, conhecimentos essenciais, do ponto de vista instrumental ¢ no nivel do sentido comum, com a finalidade de que todos os membros de um determinado grupo recorram a um mesmo capital cognitivo." Assim, par ‘um romeno, a naturalizacao dos valores fonétcos, tais como convenciona~ dos para a escrita ¢ a leitura de sua propria lingua, € absolutamente necessiria. © absurdo do episécio relatado derivou de uma extensio do processo de naturalizagao dessa represeatacio para fora de seu universo legitimo de aplicagio (do contexto interno ou espectfico do romeno para aquele, muito mais vasto e heterogéneo, das linguas em gerel, no que tange 2 fixacio por escrito de seus sons) © episédio também me serve de modo distinto. Uma atiude de ‘espanto similar 2 da aludida senhora romena costuma ser menifestada pelos adeptos das correntes epistemolégicas ¢ metodologicas pés-modemas em ciéncias humanas sociais, quando alguém ousa ctticar ou contestar ~ como farei equi ~ algum aspecto de suas convicgoes, & isso acorre pela ‘mesma raziio: em suas representagbes acerca dessas disciplinas,tais convic- es se acham naturalizadas ¢ sto tidas como evidentes em si € por st, quando nada hé de evidente em assuntos desse tipo, a0 s¢ tratar de freas de esnudos nas quais coexistem correntes distintas ou mesmo contraditérias em seus postulados ¢ caracteristicas. Em minha opinito, a aogio de representagdo social pode ser ttl, operacionalmente, em muitos de seus tusos e conceituagdes. Quando transformada em medida de todas as coisas, porém, evidencia uma das encamagoes da forma de idealismo que consiste fem acreditar que “crlamos* au "constinuimos" 0 mundo ao aomef-lo € aplicar-the categorias linglisticas ou processos semidticos de derivacto rental, Ora, eta tkima concepelo, por mais difundida que esteja hoje em dia, nlo goza de consenso. Pessoalmente, pertenco ao gruro daqueles que acham, pelo conirério, que, quando se tenta absolutizar ¢3sa noglo ~ quando ela é tomrads literalmente -, ela entra “em conflto com o fato dbvio de que nto criamos mundes, mas sim que estamos em ua? um mundo fisico que indubitavelmente info criamos € que nos precede de quatro bithdes e seiscentos milhdes de anos, aproximadamente (segundo o cfilculo mais usual da idade deste planeta), ¢ um mundo social que, além de preceder noss0s “texzos” sobre ele, longe esti de ter o seu conhecimento redutivel a mero efeito de construcoes signicas. 10 ‘© Um autor: Roger Chartier Partindo do principio de ser possivel perceber uma “virada cultural” na pesquisa histérica anda) ~ mais uma, pols hé menglo a outras, mais antigas ~, Donald R. Kelley (1996) propée subdividi-lo em tés outras viradas, componentes da primeira: 1 a“virada lingostica”, no sentido, por exemplo, de Georg Steines, para quem “a histria” seria “uma rede lingis- tica jogada para tris", que inchii posicdes e influéncias variadas, como as dde Quentin Skinner, Paul Ricoeur, Hayden White ou Dominici La Capra; 2) 1 “Virada para o interior, que poderia ser chamada de “vinganga péstuma do sujeito” apés a proclamagto enfitica da “morte do Homem" ¢, de diversos mods, preocupacse com 0 individual, 0 privado, o género etc; 3) a ‘Virada pare o exerior’ ~ que, para Peter Bue, é a “virada antropol6gica" -, isto 6, a énfase no outro cultural ou, segundo 0 aeologismo preferido, aa “alteridade”: insiste-se, por exemplo, na “invencio da América’, entendida como nogdo “representacionista”(e neo-historicisa); defende-se uma “én cia social interprecativa” ou “hermenéutica” (€ nto explicativa), carregada Ge celavismo cultural, ‘Apesar de serem diferentes e de is vezes se oporem em debates, 25 teés vidas confiuem no que se quis chamar de “nova histéxa culsural",« ‘qual, na contramao de Marx e dos Annales tende a inverter os pressupostos festruturaise explicativs de tis correntes: a realidade 6 construfdacultual- mente e as representagdes do mundo social € que sto constisutivas da realidade social. Em suma, abandona-se uma bistria soctal da cultura em favor de uma bistéria cultural do social. O radicalismo com que isto € ‘empreendido pode, no entanto, varar bastante. Considerada deste modo, 2 opinido que acabamos de expor nio passa de generalizagio extremamente vaga. Dentro da ‘nova histia Cultural” hé posigdes diferentes ~ até mesmo famslias de posigdes. Sendo assim, podemos nos perguntar qual seria a postura especifiea de Roger ‘Charter no interior desse conjunto rizoavelmente heterogéneo. Para comegas, nto ha divide alguma de que pertenga 3 "nova histria cultural’ Basta, como citaglo, sua caracterizagio do modo como a cultura se relaciona com 0 social: *A relacio assim estbeleciéa nto é de depen- éncia das esiuturas mentals para com suas determinagdes sociais. As préprias tepresentagSes do mundo social & que sto 0s elementos consti ttyos da realidade social” Chartier 1985)? nu Chartier defence uma definicdo de histéra primariamente sensfvel 2s desigualdaces na epropriacio~ por individuos ou grupos ~ de materiais ou de priticas comuns. De imeclato, essa posigao o localiza como ertico de Gifford Genz e como discipulo ~ confesso ~ do sociélogo Pier Bourdieu ~ € 0 torna bastante préximo de posigdes como as de Marshell Sahlins Anthony Giddens (autores que insistern na ligacio intima entre estrutura evento, no fato de serem as estruturas 20 mesmo tempo 0 meio ¢ resultado das praticas, condicionantes ¢ condicionadas, jé que nas prOprias goes que contribuem para a reproducto de qualquer forma ardenada de vida social existe a semente da mudanca). Cabe a ressalva, no entanto, de que para Sablins estrutura nto designa © mesmo que para os-marxistas ov 05 arnaiisies de antes de 1969, mas uma rede conceitual (sistema de diferenciagbes, conjunto de categorias). Se quisermos ser mais especiicos, a posuura de Chartier parte de quatro elementos: 1) da extica da nogao de mentalidades, tal como usada 1a historiografia francesa, a partir de opinioes préximas as de Foucault; 2) da critica do enfoque geertziano; 3) da aceitacao de algumas des premissas de Pierce Bourdieu; 4) da fideidade, apesar de sudo, & histéxia encarada como ciéncia social (uma das premissas tradicional das Annale), por meio do que se volta contra os representantes mais radicais da ‘virada lingist- ca", como Hayden White Acritica central de Chartier as “mentalidades" esta claramente basea- da em Foucault os objetos que a histéria das mentalidades escclhia estudar apareciam, nela, como categorias universais vélidas por si mesmas, quando, 1a realidadle, nao passam de objetos constridos no e pelo discers0, objetos histéricos ¢ mutiveis ~ muito distantes; portanto, de qualquer universalida- de ou validade inrinsecas, Em outra de suas invesidas erticas, nosso autor rejekta os pressupostos da historia social das idéias como reductonisas. as idéias ou ideologias, em tal contexto, so vistas como algo que se reduz as suas condligbes (externas) de producio ou tecepgio —€ os objens culturais sto reificados, por exemplo, mediante sua quantificagto, o que evacua da anilise o sujeito Gndividual ou coletivo) e nega importancia as relagbes que fs agentes sociais mantém com os cbjetos culturais ou com os contetidos do pensamento, Ora, Chattier prefere enfatizar sua opinito de que qualquer uso ou apropriagio de um produto cultural ou uma idéia € um “trabalho intelectual". Nesse ponto de sug critica, Chartier apronima-se bastante das concepedes de Carlo Ginzburg" Uma vez abandonado por muitos historiadores o projeto de uma historia tora, diversos estudiosos formulam @ problema das articulaybes centre escolhas intelectuais e posigbes sociais na escala de pequencs grupos, ‘ou mesmo de individuos. Para Chautier, trata-se da tinica escala em que, sem reducionismos deterministas, seja possivel entender as relagdes entre, de urn lado, sistemas de crengas, valores € representagdes ¢, de outro, filiagoes sociais (por exemplo, examinando de que modo um “homem ‘ordinisio" apropria-se, a seu modo, de idéias ou crengas de seu tempo, meso se, uo Fuzé-lo, deformaras ou mutilaas) E possvel que, neste ponto, © autor que examino tena sido influen- ciado pela tentativa ~ institucional, nos Estados Unidos, tanto quant intelee- twal ~ de Talcott Parsons e seus seguidores (ncluindo Clifford Geer), no sentido de reservar exclusivamente & sociologia 0 estuco dos sistemas relagdes sociais, enquanto 4 antropologia (de grande influéncia sobre os ‘annalistes pés-1969, como se sabe) caberia somentea anilise da cultca - em versio reconada, posto que, na definiclo parsoniana, “os objetos culturais sto elementos simbélicos da tradi cultural, tas ou crencas,sitabolos expres- sivos ou padrbes de valores" (Kuper 1999, p. 58; cf, igualmente, pp. 47-72). Posteriormente, 05 antropélogos norte-americancs que tabalhavam nessa linha empobreceram ainda mais o escopo da “cultura” entendida antropolo- sgicamente, dela expulsando a consideracdo dos valores, Recordemos que, na tmadigao da antropologia social britinica, antes bastante influente nos Estados Unidos, os antrop6logos nao detravam de lado o exame das estrutuas € das relag6es sociais. Mas, nos Estados Unidos, foi sobretudo Parsons quem inaugurou uma dicotomia radical entre “sociedade" (dominio de socislogos trabalhando segundo uma teota weberiana da agio) e ‘cultura’ Grea reservada aos antropélogos: na visto de Parsons ~ contra a qual, entretanto, ‘8 mesmo os "seus" antropélogos, a comecar por Geertz, se rebelaram = uma 4rea subordinada, do ponto de vista teérico,& sociologia webero-parsoniana a ago social)? Quanto & critica de Chartier (1985) a Clifford Geertz, trata-se da objesio de um historlador 20 que vé como um reducionismo de antrops- logo: 2 premissa geertziana de que as formas simbélicas estio organizadas nium sistema supe que elas sejam coerentes ¢ interdependentes, o que, por sua vez, postula que 0 universo simbélico de uma sociedade seja unificado ¢ igualmente companilhado por seus membros. A busca do “sentido” & rmaneira de Geertz tende 2 ocultar as diferencas nas apropriagdes ou nos usos das formas culturais, a subsumir as futas © oS contitos sob uma aparéncia de ordem.® ‘A forma que assume a ertca s Geertz conduz muito naturalmente 20 que Chartier toma de Bourdieu, Este sociélogo francés tentow uma reinterpretagio do marxismo ~ da explicaglo marxista da vida soctel -, mediante a incorporacko da "Iogica especifica dos bens culturais’ 20 modelo explicativo. Em especial, interessamhe os meios e as modalidades ée apropriacio dos objetos culturais. Um dos nicleos do raciocinio de Bourdieu € 0 concelto de habitus, objeto de definigtcs vasadas. Es aqui vuma delas (ef, Bourdiew 1990, p. 130: Pode-se mesmo explicar em termos sociolégices 0 que eparece ‘como uma propriedade universal da experiéncia humana, isto & 0 fato de que o mundo familiar wende a ser considerado =vidente, percebido como natural. Se 0 euado social tende a ser percebide ‘como evidente (.), € porque a& disposigdes dos agentes, sou Rabitus ic €, a8 esururas mentais mediante as quals apreendem ‘s2u mundo social, s80 essencialmante o predito de ume intrnaliza~ Glo das esirumias do mundo social. Mencionemos, ainda, uma segunda defiiglo (cf. Bourdies 1984, p. XID: © habitus € nto somente wma estvtura eseusurace, que omganiza as pricicas € 2 percepcio das mesmas, mas também uma estrumra ‘estrucurada: 0 principio ds divisdo em casses logics que crgania a ‘percep do munda social , ele préiprio, produto da interiorizagto da divisdo em classes sociais, Assim definido, em termos gerais, tal conceito parece adequado 20 manxismo, no sentida de que 0 habitus & determinado pelo mundo social 20 mesmo tempo, determina a percepcio que dele se tenha. Mas 0 Dabitus apresenta também aspectos psicol6gicas: Bourdieu as vezes 0 define de outros modos, como sistemas de disposigbes duriveis, uma maneira de ser, um estado habitual, uma predisposigao, uma tendéncia, ‘uma propensio, uma inclinagdo ete. Nao hé ddvida, no entanto, de que se trata, a0 mesmo tempo, de uma nogio sociolégica: os individvos exempl= ficam um tipo, sko membros de partes especficas da sociedacle (classes), ‘eso estruturalmente posicionados. Em outras palavras, hi em Bourdieu 4 ‘um esforgo no sentido de integrar os aspectos subjetivos ¢ objetives das agbes, As agbes sociais sf0 comportamentos moldados até certo ponto pelas ‘contingéncias do momento e pelas consideracbes estratégicas delas deriva- das; portanto, por consideragées priticas (Bourdieu pretende construir uma “teoria das pritieas”), Estruturas e priticas esto em relaclo dialética: as cestruturas resultam de priticas histricas, mas estas ttimas s20, por sua vez, corporificagtes de estraruras. © apelo a Bourdieu, da parte de Chartier ¢ de alguns outros hhistoriadores da cultura, é explicado, por Peter Burke, como derivado da necessidade de enfrentar um dilema, Ao desejar escapar do anacronismo psicolégico que consistria em achar que as pessoas do passado pensavam @ sentiam exatamente como nds, surge 0 perigo de ir ao extremo oposto, transformando as épocas passadas em algo tlo pouco familiar que se tome ininteligivel, © dilema nasce de que, se 0s historiadores explicassem a8 diferengas no comportamento social, em diversos periodos, por diferencas ‘as atinudes e convengées, arriscar-se-iam & superficialidade. Entretanto, se as explicarem por rigidas estrururas especificas do modo de ser social, acabarko por negar qualquer liberdade ou flexibilidade de agio e escotha fags atores saciais de cutras 6pocas. A afirmacio da existéncia de um babitus passivel de atrbuigio a um dado grupo social, conceito proposto por Bourdieu, significande a propensio do grupo ém quastio 2 selecionar resposias no interior de um repertério cultural especifico, de acordo com. as exigéncias de um dado campo ou de uma dada conjuntura, teria 2 ‘vantagem de permitir que os historiadores reconhecessem a liberdade indivi dual nas escolhas, apropriag6es, estratégias de acio etc., no interior de certos limites socialmente estabelecidos (ef. Burke 1991, especialmente pp. 17-18) ‘Mesmo sea influéncta de Bourdieu sobre Chartier é clara e assumida, mesmo se ambos jf escreveram juntos em colaboracio, é possivel suspeitar que aquele socidlogo exiba aspectos marxistas demais para nosso historia dor. Daf, talvez, derive © fato de também buscar apoio freqilentemente em Norbert Elias, para o qual, como para Weber, a unidade basica do social sto (0s individuos ~e nao entidades transindividuais. Porém, segundo o préprio Chartier (1994, especialmente pp. 106-107), a razio explicita para faz2-lo seria a seguinte: a obra de Ellas possibilta articular as duas significagSes iferentes atribuidas ao termo ‘cultura’ — cultura intelectual ou estética versus priticas culturais ordinatias, cotidtanas. 18 Segundo Charter, a histria € uma ciéncia social. Ble recusa, portan- to, as formas mais radicais da “virada lingiistica": as pedticas consttutivas do social nao sao redutiveis 20s principios que organizam os discursos. A logica que ditige a produglo dos discursos ¢ diferente da I6gica prtica que organiza as condutas, as agbes. A pritica nfo é um “texto”; suas estratégias dliferem das estratégias discursivas. Enquanto Hayden White © outros afiomam centralmente que a construgio dos interesses se d4 nos discursos € pelos discursos, considera Chartier que, embora isso seja verdade, tal consirusio ¢, por sua vez, deverminada e limitada pelos recursos diferen- ciais ~ materials, de linguagem, conceituais etc. - de que disptem os agentes. As construgées discursivas remetem “’s posigées ¢ as propriedades sociais objetivas, exteriores aos discursos, que caracterizam os diferentes ‘grupos, comunidades ou classes que constituem 0 mundo social" Cop. cit, . 106). Neste ponto, seria interessante averiguar de que maneire Chartier angumentaria ser uma visto como esse, de 1993, compativel com outra, contida em texto de 1985 ¢ que jf citei, na qual ele afirma no existir uma dependéncia das esmruburas mentais com relago a suas determinages socials, de vez que as préprias representagdes do mundo social é que seriam 03 elementos constitutivos da realidade social, Estaria ele svavizando as arestas de suas anteriores posigdes pos-modernas (na vertente pos-estru- turalista? Espero que sim! A justificativa de ser a historia uma pritica clentfica, produtora de conhecimentos — apesar de dependerem suas modalidades, entre outras coisas, do “lugar social” e da “instiuigao de saber” em que seja praticada, ‘ou mesmo de categorias discursivas que omganizem sua escrita -, tem sua crigem em Michel de Certeau, se por cientificidade entendermos 3 existén- cia de ragras que controlem gperagées nas quais se produzam determinados objetos.” Neste ponto, 0s argumentos de Chartier recordam por vezes os daqueles, como Pierre Vidal-Naquet (1987) e Gerrude Himmelfurb (1994, especialmente pp. 3-26), que se rebelam contra a possibilidade dle “reativi Zar" eventos ou processos como, por exemplo, 0 que se convencionou chamar de Holocausto, achatando-os em meros textos, vers6es etc. Chartier considera que seu conceito de representagdo visa 20 mesmo objetivo central do empreendimento teérico de Bourdieu: ultrapassar, nas ciéncias sociais ~ e, portanto, na historia ~, a oposigio entre “fisica social” e “fenomenologia social”, Em sua opinilo, 0s Annales, no passad, centra- ‘vam-se nui falso debate em tomo de uma distinglo supostamente univer- 6 sal entre estruturas objetivas Cfisica”) ¢ representagbes subjetives (fenome- rnologia’), 0 que, em histéra, em Sociologia, em antropologia, levava 2 separarradicalmente os enfoques estrutualista e fenomencl6gico (o primet- 10, concentrado no mapeamento de posigdes de classe e relagdes entre elas; © outro, enfatizando a andlise dos valores e do comportamento de comu- aidades menores). O mado de superar o divércio entre esses perspectivas seria trata “os padroes das quals os sistemas lassficat6tios e de percepcio cemergem" como “instituigdes sociais";instituicées, ests, "que incorporam fs dlvisoes da organtzagio social na forma de represeutayoes culetivas ‘Mas, disto, 0 autor deriva 0 corolrio Seguin: as representacdes coletivas sio “matrizes que dio forma as priticas de que o préprio mundo social & construido (f. Chartier 1995, pp. 551-552). A meu ver, apesar de aparecet imedlatamente precedido e seguido de ctagdes de Pierre Bourdieu, Marcel ‘Mauss e Emile Durkheim, esse corolétio excede em muito 0 que se podesia derivar dos textos ctados desses autores: 0 corolirio € de Chartier; 56 dele! O texto que agora estamos seguindo € de 1989: repete, entio, 2 {versio reducionista ~ que poe o marxismo € 08 Annales de cabeca para baixo ~ jf presente em 1982 e 1985, mas que parece ter sido suavizada em texto ldo no Brasil, em 1993, ¢ na Espanha, em 1994. A noglo de representacdo coletiva aparece, em 1989, como algo que permite ~a énfase é minha ~ “formulartréstipos de relagdo com 0 muido sociat” (mundo que, portanto, contraditoriamente com o que se disse logo antes, parece também existir por si, em lugar de ser somente “construido", ras “priticas” que 0 conformam, pelas “representacdes coletivas": cm primeira luge, o trabalho de classfcagio e de decomposico, «ue di rigem aos divesos pases intelectuals a partir dos quais a realidad ¢ consruda de maneias contraditras pelos virios gripos que forma a sociedade; em segundo lugs, as pritcas que visam fuze reconhecer uma idenidade soca, exbir una manelra espec- fia de esar ao mundo, signifi simbolicamente um status € uma Ierarguia , nslmente, as formas insttucionalzades,objtvadas, ‘por meio das quals os “represenantes" (Colevos ou indiviusis) ‘maream a exsiécia do grupo, comunidade ou dasse de um modo visivele permanente. Chaser 1985, p. 552) A pastis das definigdes acima, dois caminhos de pesquisa se abrisiam: ” conceber a consiruglo das identidades Socials como send, lnvatio= velmente, 0 resultado de um Iuta entre 2s representasoes impastas por aqueles que tém o poder de clasificar e nomear e as definigbes ue cade comunidade endo produz de si mesma (sea decimente, ‘ej resistindo 3s representagbes imposts) (.); ‘ver na divisto social objetvada um reflexo da erenga concedide & representapo que cada grupo prodz de si mesmo, baseada em sua ‘habllidade de ganbar reconhecimento para sua existéncla mediante uma exibiglo de unidade. Cem, tbidem) Assim, no existem s6 conflitos econdmicos: a histora culniral pode cestudar “lus de representagio’, cula azo de ser & em thima anise, 2 “organizacio , portanto, a hierarquizaclo da propria estrtura social". Ao mesmo tempo, por ‘al via se teria uma visto renovada da prépria sociedade, a0 enfocar "as estratégias simbslicas que determinam posigbes e relagbes ¢ constroem, para cada classe, grupo ou ambiente, um ser Fereebido que é consttutivo de sus identidade” idem, sbider. (Os dois caminhas metodoligicos ~ que derivam, segundo 0 autor, do que foi anteriormente afirmado acerea das representapdes coletivas ~ 0, no fundo, bem menos radicais em suas airmagdes: nels, as realiades socizis no parecem constituir mera cracto daquelas representacdes. Vek tam a parecer indici-lo, porém, a seguir, no mesmo.texto (no momento em que 0 autor apresenta uma visto renovada do social). Esumos diante de posigdes oscilantes, ambiguas. Em trabalho posterior Capresentaco em 1993 no Brasil eno ano seguinte na Espariha), velamos como se formulain as vantagens das “representaclo coletivas, termo naquele memento consid ado um conceito,e sobre 0 qual Charter (1994, p. 108) afm: ‘le permite designar ¢ ligar us cealidades maiores: primeito, as representages coletivas que incorporam nos individuos as divsdes do mundo social ¢ esrumram 05 csquemas de percepcio € de apreciagdo, a partir dos quals os individuos classificem, julgam © fagem; em Seguida, as formas de exibigio do ser social cu do poder politico, tis como az revelam signos e desempenhos simbslicos aravés da Imagem, do sto ov daquilo que Weber chimava de Sestiizagio da vida"; finalmente, 2 "presenificagio" em um repre sentante (individual ow coletiva, concrete ou abstrats) de uma Identidade ou de um podes, detudo assim de continuidads ¢ esabi- lidade. 18 [As diferengas entre 2s duas formulagdes — separadas, no entanto, somente por quatro anos — nao sio meras nuances. Na segunda, 2s representacbes coletivas interiorizam nos individuos as divisbes do mundo ‘social ¢ estruturam "esquemas de percepsio e de apreciacto” que informam ‘sua ago: mas ndo geram nem constroem 0 préprio mundo social! A concepcio de Chartier acerca das relagdes entre as representacdes coletivas ‘eo mundo social (na versio exagerada que aparecia, por exemplo, em 1988) fof crticada por diversos autores como um reducionismo culturalist Eis umn primeiso exemplo, timda da introducto de Lynn Hunt (1989, p. 10) 0 livro que coordenau sobre 2 “nova histéria cultural": sta critica radical apzesenta um problema bésico, entretanto: 0 seu vies nists. Onde iremos parar quando qualquer pritica, soja ela ‘econdmiea, intelectual, social ov polities, tiver sido mostrads como Culturalmente condicionads? Para diz8lo de outro modo, poderia ‘uma histéria de cultara funcionar se fosse desprovids de todos os pressupostos teéricos acerea da relagao da cultura com 0 mundo social ~se, de fato, seu programa fosse concebido como a subversio cde todos os pressupastos acerca da relagdo enirea cultura eo mundo social? © segundo exemplo é tirado de texto de Ronaldo Vainfas (1997, pP. 154155), para quem Chartier, so recusat 2 “trania do social”, iso €, de um social previamente considerado, termina submeteado 0s contrastes e/ou determinagbes socials 20 dominio da cultura, E o que sugere, de fato, 0 conceitd de representagéa de Charter nele 0 soctal 56 faz sentido nas prticas Cultures e as classes e grupas s6 adquirem alguma identidade nas configuragSes intelectusis que constroem, nos simbolos de uma realidade contaditria represertada ere Fica-se com a impresslo de {que a dines histéria possivel &2 historia cultural = verdadeira“trania {do cultural’ que Charter pde no lugar da hist6xa social Por fin, uma terceira erica, esta de Peter Burke (1991, p. 18) Em minha opinilo, 08 novos historiadores ~ de Edward Thompson a Roger Chaner ~ liveram bastante sucesso em revelar of aspectos inadequados des explcacdes materialisias © deterministastradiclo- » nals do comporamento individuat ¢ coletivo 2 curo prizo ¢ em rostar que, tanto no diaa-dia quanto em momentos de cise, 2 cultura €0 que conta. No entanto, pouco fzeram no sentido de -e“ammatanis

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