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Proceso: Relator: Descritores: N° do Documento: Data do Acordic: Vota ‘Texto Integral: Texto Parcial: Meio Processual: Decisio: Decisio Texto Parcial Decisio Texto Integral: Acérdao do Tribunal da Relacao de Lisboa 17046/20.STSLSB.L1-7 ISABEL SALGADO. COMPETENCIA INTERNACIONAL DANOS PATRIMONIAIS DE PERSONALIDADE, FACTO DANOSO LOCAL DA SUA OCORRENCIA RL 21-06-2022 UNANIMIDADE s 1,-A determinagao do tribunal internacionalmente competente esta condicionada A natureza da relacio juridica configurada pelo autor, ou seja, da causa de pedir por este invocada e ao pedido formulado, sendo que a causa de pedir assenta nos fundamentos constitufdos por pontos de facto com fungao instrumentada (factos instrumentais) relativamente ao facto principal e decisivo que consubstancia aquela causa de pedir (facto juridico). 2.-Nio estando, é certo, em equacio in casu a aplicagao do direito comunitério, justifica-se o auxilio dos ensinamentos provindos do TJUE, em contextos litigiosos analogos; e , na jurisprudéncia firmada pelo Tribunal de Justica da Unido Europeia, o conceito de «dugar onde ocorreu ou poder ocorrer 0 facto danoso», contido no artigo 7°, n° 2 do Regulamento n° 1215/2012, refere-se simultancamente ao lugar da materializagao do dano e ao lugar do evento causal que esta na origem desse dano, reforcado pela jurisprudéncia do mesmo tribunal ao sugerir a aplicagao do critério segundo o qual, em principio, o impacto da violagao dos direitos de personalidade que ocorrem nestas circunstancias, verifica-se predominantemente no Estado onde a vitima tem o seu centro de interesses. 3.-Nos autos, os jogos de video produzidos pela Ré sociedade comercial sediada nos EUA, encontram-se disponiveis em Portugal, através de venda directa ou indirecta, 0 Autor é portugués ¢ domiciliado em Lisboa e, reclama da Ré a obrigagio de reparar os danos materiais endo patrimoniais causados na sua imagem pessoal e profissional, pelo que é de concluir que o tribunal detém competéncia internacional para julgar o pleito , concorrendo os factores de atribuigao de competéncia tipificados nas al) a) e b) do artigo 62° do CPC. Acordam os Juizes da 7’Secgéo do Tribunal da Relagao de Lishoa. L-RELATORIO: 1Da Acgaouy J...., com domicilio em Portugal, intentou a presente acgio declarativa de condenagao, com processo comum, contra Electronic Arts Inc., com sede em 209, Rss Sos Peessy Resse Cosas C5 9uucSy EUA, peticionando que esta seja condenada a pagar ao Autor, a titulo de indemnizacao por danos patrimoniais de personalidade e pela utilizagao indevida da sua imagem e do scu nome, a quantia de € 240.000,00 (Duzentos e quarenta mil euros), de capital, acrescida dos juros vencidos, no montante de € 43.459,07 (Quarenta e trés mil e quatrocentos e cinquenta e nove euros e sete c@ntimos), tudo no total de € 283.459,07 (Duzentos e oitenta e trés mil e quatrocentos € cinquenta e nove euros e sete céntimos) e dos juros que se vencerem até integral pagamento, a taxa legal, tudo com o mais da lei. Mais deve a Ré ser condenada a pagar 0 montante nunca inferior a € 5.000,00 (cinco mil euros), a titulo de danos nao patrimoniais, acrescido, também, dos juros vencidos, no montante de € 2.156,16, tudo no total de € 7.156,16 e dos juros que se vencerem até integral pagamento, & taxa lega Para o efeito, alegou em sintese, que é futebolista, representando atualmente o clube inglés, R..... Football C____. Por sua vez, que a Ré Electronic Arts Inc., através do desenvolvimento e fornecimento de jogos, contetidos e servicos online para consolas com ligagio A Internet, dispositivos méveis e computadores pessoais, é uma empresa lider global em entretenimento digital interativo, que vem a utilizar a imagem e o nome do Autor, para divulgar e disseminar a venda dos jogos FIFA, FIFA MANAGER, FIFA ULTIMATE TEAM- FUT e FIFA MOBILE, sem a devida autorizacao violando, consequentemente o seu direito de imagem. itada, a Ré contestou, arguindo, além do mais, a excepgiio da incompeténcia internacional dos tribunais portugueses para apreciar a presente ago. Em resposta o Autor pugnou pela respetiva improcedéncia, afirmando em sintese, que (i)- 0s jogos, propriedade da Ré, sio comercializados e distribuidos mundialmente, pelo que também em Portugal ({i)- facto danoso mostra-se consumado em Portugal (iii ser cidadio portugués e ter domicilio em Portugal. Subsequentemente foi proferida decisio que declarou a incompeténcia absoluta tribunal por infragao das regras de competéncia internacional dos tribunais portugueses e, consequentemente, absolveu a Ré da instancia, nos termos que se transcrevem :«.No caso em apreco estamos perante uma relagao juridica em que sao partes o Autor, pessoa singular, cidadéo portugués, e a Ré, pessoa coletiva, com sede na California, Estados Unidos da América, que, segundo a versio trazida na peti¢éo inicial, desenvolve e fornece jogos com fins lucrativos e, para tal, utilica a imagem e 0 nome do Autor, sem autorizacho para o efeito. Daqui resulta que estamos perante uma agéo relativa a responsabilidade extracontratual. No caso vertente nao se vislumbra a existéncia de qualquer instrumento internacional sobre a matéria em questio pelo que se impée recorrer ao disposto no art. 62.’ do CPC. Nos termos do normativo citado, “os tribunais portugueses sao internacionalmente competentes: 4)Quando a agao possa ser proposta em tribunal portugués segundo as regras de competéncia territorial estabelecidas na lei portuguesa; b) Ter sido praticado em territério portugues o facto que serve de causa de pedir na agao, ou algum dos factos que a integram; c)Quando o direito invocado nao possa tornar-se efetivo senéo por meio de ago proposta em territério portugués ou se verifique para o autor dificuldade aprecidvel na propositura da acéo no estrangeiro, desde que entre o objeto do litigio e a ordem juridica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexéo, pessoal ou real”. A alinea a) do preceito legal citado convoca-nos para a previsio insita no n.° 2 do art. 71.° do Cédigo de Processo Civil, nos termos do qual “se a agao se destinar a efetivar a responsabilidade civil baseada em facto ilicito ou fundado no risco, o tribunal competente é 0 correspondente ao lugar onde o facto ocorreu”. Atentos os factos alegados pelo Autor, 0 facto gerador de responsabilidade civil néo ocorreu, sob nenhuma forma, em Portugal, porquanto, alegou que a Ré, através do desenvolvimento e fornecimento de jogos, contetidos e servigos online para consolas com ligacao @ Internet, dispositivos méveis e computadores pessoais, vem a utilizar a imagem eo nome do Autor, para divulgar e disseminar a venda dos jogos FIFA, FIFA MANAGER, FIFA ULTIMATE TEAM - FUT e FIFA MOBILE, sem a devida autorizagao. Acresce que parece resultar da petic&o inicial que a comercializagho dos jogos é efetuada por terceiros. Assim, afigura-se- nos que facto ilicito imputado @ Ré — produgao de videojogos com a imagem do Autor — ocorreu no estrangeiro, pelo que nio se verifica, desde logo, o fator de atribuigao de competéncia internacional, a luz das regras de competéncia territorial. No que respeita a al. c), importa aferir se foi praticado em Portugal algum facto em territério portugués constitutivo da causa de pedir. Afigura-se-nos que a producto dos jogos por parte da Ré ocorre nos Estados Unidos da América, nao sendo alegado que a Ré vende os jogos que produz em Portugal. Por sua vez, a ocorréncia dos danos é invocada de forma genérica e conclusiva, pelo que 0 nexo entre a atuagho da Ré e tais danos ou a culpa da Ré também néo tém ligagao direta ao territério nacional, sendo a nacionalidade um elemento irrelevante em termos de fator atributivo de competéncia. Por fim, afigura-se-nos que nao se verificam os pressupostos a que alude a al. c) do artigo 62. ° do Cédigo de Proce: negativos de jurisdicho e evitar situagées de denegagio de justiga, sendo que a tutela dos direitos de personalidade é transversal ao mundo ocidental, Deste modo, estamos perante a verificagao da excecéo de incompeténcia internacional dos Tribunais portugueses para apreciar a presente agao, nos termos e para os efeitos do disposto na alinea a) do artigo 96. ° do Cédigo de Processo Civil, a ‘0 Civil, cuja razio de ser visa prevenir conflitos qual configura excecio dilatéria e tem como consequéncia a absolvigdo da Ré da instancia, nos termos do n.° 2 do artigo 576." e da linea a) do artigo 577. °, ambos do Cédigo de Processo Civil, 0 que se declara.» 2.-Do Recurso Inconformada, o Autor interpds recurso que culmina nas seguintes conclusdes: «a)-A decisio recorrida é salvo o devido respeito, que alias é muito, injusta ¢ precipitada, tendo partido de pressupostos errados. 5)-Entende o Recorrente que as suas legitimas pretenses saem manifestamente prejudicadas pela manutengao da decisio recorrida. 0-0 ora Recorrente no se conforma com a sentenga proferida pelo Tribunal a quo, entendendo que a mesma padece de vicios, no que A decisio proferida sobre a sua incompeténcia internacional, j4 que nao restam duvidas da competéncia internacional do Tribunal a quo para o julgamento do presente litigio. d)-A ré produziu e comercializou, fisicamente e online, milhdes de jogos de video contendo a imagem, nome e demais caracteristicas pessoais do Autor, sem 0 seu consentimento ou autorizagao ¢ sem Ihe pagar qualquer contrapartida econémica. ¢)-Tal conduta constituiu uma apropriagio da imagem do Autor, que tem um valor patrimonial, emergente do valor comercial que aquela imagem, tem no mercado. f)-O Autor — ao contrario do que a decisao recorrida refere - substanciou em factos a ocorréncia de um dano, e os danos causados ao Autor (patrimoniais e nao patrimoniais), por acgio da ré, apenas a esta podem ser imputiveis, por ela a tinica autora do facto danoso (cfr. artigos 562. °, 563. °, 564, n.° 1, 565. °, 566. ° n.°s 1,2 e3, todos do Cédigo Civil e ainda artigo 609. ° n.° 2 do Cédigo de Processo Civil). g)-Ao contrario do que a decisao recorrida refere, esses danos verificam-se no nosso pais, porquanto os jogos sio comercializados, distribuidos, jogados e a imagem, nome e demais carateristicas do Autor so utilizadas, mundialmente, pelo que, logicamente, também em Portuga A)-Isso mostra-se devidamente alegado nos artigos 15.°, 18.°, 102.° e 191.°, da peti¢do inicial e reiterado nos artigos 22.° e seguintes do articulado de Resposta as Excepgies de fls. i)-E, pois, absolutamente evidente que sao praticados em territério portugués os factos que integram a causa de pedir na presente acco. -A obrigagao de reparacio, no caso concreto do Autor, resulta de um uso indevido de um direito pessoalissimo, nao sendo de exigir - ao menos na componente de dano nfo patrimonial - a prova da alegagio da existéncia de prejuizo ou dano, porquanto o dano éa prépria utilizagio nao autorizada e indevida da imagem, (negrito ¢ sublinhado nossos). 4)-A obrigacio de reparagao, in casu, decorre de um uso indevido de um direito pessoalissimo, nao sendo de exigir - a0 menos na componente de dano no patrimonial — a prova da alegagao da exist@ncia de prejuizo ou dano, porquanto o dano é a prépria utilizacio nao autorizada e indevida da imagem. Tal como a decisio recorrida, salvo o devido respeito, ignora ostensivamente! Y)-Nao podia, pois, 0 Tribunal a quo deixar de concluir, in casu, pela verificagao do factor de conexao previsto na alinea b) do artigo do artigo 62.” do Codigo de Processo Civil: ter sido praticado em territério portugués o facto que serve de causa de pedir na ago ou algum dos factos que a integram (A causa de pedir). m)-Neste sentido, e no que respeita a situagdes andlogas ja analisadas pelo TJUE quanto a esta matéria salientam-se os acérdios Shevill e e Date Advertising GmbH, cujos textos, para efeitos de exposigo, aqui se dio por reproduzidos e ainda a doutrina ja fixada no douto acérdio do STJ de 25-10-2005. n)-Para além disso, 0 Autor é cidadio portugués, tem aqui o seu domicilio ¢ os seus familiares mais préximos, pelo que o seu centro de interesses é em Portugal. 0)-Sendo irrelevante o facto da distribuic&o dos jogos ser feita na pratica por uma subsidiria da ré, pois é esta a proprietaria dos jogos e é s6 ela que aufere os avultados lucros resultantes da sua comercializagao, p)-O que esté em causa é a utilizagio e divulgagao da imagem, nome e demais caracteristicas do Autor, sem 0 consentimento deste, pela ré nos seus jogos, bem como os avultados lucros dai decorrentes e que esta aufere exclusivamente. @-Pelo que, atento o disposto no artigo 71. °, n.° 2, do Cédigo de Processo Civil, em articulaciio com a alinea a) do artigo 62. ° do mesmo Cédigo, os tribunais portugueses sao internacionalmente competentes para julgar a presente causa. 1)-Tanto mais que, eventuais, dificuldades de aplicacio do critério da materializagio do dano nao podem por em causa a gravidade da lesfio que possa vir a sofrer o titular de um direito de personalidade que constata que um contetido ilicito est disponivel em qualquer ponto do globo, como sucede in casu. 8)-E, estando em causa a violagao, pela ré, de direitos de personalidade do Autor, com tratamento e protecso constitucional infraconstitucional, cfr. artigo 26.° n.° 1 da Constituigao da Republica Portuguesa e artigos 70.° e72.° do Cédigo Civil, nao se concebe como o poderia o julgamento da causa nestes autos ser atribuido a uma jurisdigao estrangeira de um outro pais. )-Tanto mais que, nos autos é arguida pelo Autor, aqui Recorrente, constitucionalidade do artigo 38.° n.° 4 do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre o Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional, por se considerar que o mesmo é ofensivo do contetido de um direito fundamental (0 jd invocado artigo 26.° n.° 1 da Constitui¢ao da Republica Portuguesa), cfr. alegado nos artigos 40.° e seguintes da Resposta as Excepgdes de fis. u)-Ora, a necessidade de efectiva tutela juridica, ao abrigo do principio da necessidade contido no artigo 62.°, alinea c), do Cédigo de Processo Civil, também se cumpre se as circunstancias do caso, além de revelarem forte conex4o real ou pessoal com a ordem juridica portuguesa, evidenciarem que o direito exercendo, a no se admitir que seja actuado perante os Tribunais portugueses, est ameagado na sua praticabilidade e exercici v)-Ora, in casu, essa praticabilidade e exercicio esta ‘remediavelmente comprometida, com a decisio agora proferida e de que se recorre. w)-O principio da necessidade vale, assim, como salvaguarda para tais situacdes funcionando como alargamento ou extensio excepcional da competéncia internacional dos Tribunais portugueses. x)-Por outro lado, é evidente que o tribunal do lugar onde a “vitima” (in casu, 0 Autor) tem o centro dos seus interesses, pode apreciar melhor o impacto de um conteiido ilfcito colocado em jogos de video fisicos e online sobre os direitos de personalidade, pelo que Ihe deverd ser atribuida competéncia segundo o principio da boa administragao da justica. y)-Ora, o Autor toda a sua vida organizada e estabi ada em Portugal, pelo que nao tem qualquer nexo estreito com outro pais, muito menos com os Estados Unidos da América. z-Para além disso, no pode ser descurado o principio da previsibilidade das regras de competéncia, a ré, enquanto autora da difusio do contetido danoso, encontra-se manifestamente, aquando da colocagao da imagem, nome e demais caracteristicas das “vitimas” da sua acca, nos jogos de que é proprietaria com vista A sua iso mundial, em condigdes de conhecer os centros de interesses das pessoas afetadas por este. aq)-Sem necessidade de mais considerasdes, esto os Tribunais portugueses melhor posicionados para conhecer do mérito da acgiio. bb)-Teria, assim, de improceder a deduzida excepgao de incompeténcia internacional do Tribunal a quo, aduzida pela ré, por verificagao dos elementos de conexio constantes das alineas a), b) ec) do artigo 62. ° do Cédigo de Processo Civil. ec) Face ao que antecede, a sentenga em crise violou 0 disposto nos artigos 615°, n.° 1, alinea d), 2." parte, $91. °, 592. ° ¢ 593. °, n.° I, 62. °, alineas a), b) ec), 71. °, n.° 2 € 80. ° n.° 3, todos do Cédigo de Processo Civil, 0 artigo 26, ° n.° 1 da Constitui¢ao da Republica Portuguesa e ainda os artigos 70. ° e 72. ° do Cédigo Civil. Termos em que devera 0 presente recurso proceder, por provado, e, em consequéncia, ser revogada a decisio recorrida, substituindo-a por outra que julgando internacionalmente competentes os tribunais portugueses, prossiga a tramitacio dos autos, fazendo-se assim a Costumada JUSTICA» tek Nas contra-alegacdes a Ré rebateu a argumentagio do apelante, sustentando, em sintese, que face alegagio da petigfo inicial, na senda do decidido em outros processos com idéntico objecto, ¢ 0 recente Acérdio do TRC 3239/20.9T8CBR, de que junta cépia, deverd o recurso improceder, concluindo-se conforme a decisio recorrida, pela incompeténcia internacional dos tribunais portugueses. © recurso foi regularmente admitido como apelacio e com efeito devolutivo. O apelante requereu a jungio de cépia de acérdao proferido pelo Supremo Tribunal de Justica, que se admitiu pela pertinéncia para a decisio. Corridos os Vistos, cumpre decidir. 3.-O Objecto do recurso Consabido que a actuagio do tribunal de recurso esta delimitada pelas conclusées do recorrente, haverA que decidir se, o tribunal a ternacionalmente competente em face da relacio juridica e objecto do litigio configurados na petigio inici: IL-FUNDAMENTACAO A= Os Factos Amatéria factual a apreciar consta do relatério. B.-Do mérito do recurso 1.-Competéncia internacional; consideragdes gerais Aatribuigdo do poder de julgar aos tribunais portugueses apenas se suscitard na situacio, em que o caso trazido a juizo manifeste conexo com outra (s) ordem juridica estrangeira, importando entio aferir, se na perspetiva do ordenamento portugués, apresenta de igual modo uma conexao relevante com a ordem juridica portuguesa. Dispie o artigo 59° do Cédigo de Processo Civil, que respeita & competéncia internacional concorrente, (a que admite a possibilidade de ocorréncia de atividade jurisdicional paralela A exercida pela jurisdigdo nacional a respeito da mesma causa, podendo cada pais estabelecer os elementos de conexio que considere relevantes para se atribuir a competéncia para julgar determinados litigios) que sem prejuizo do firmado em regulamentos europeus ou outros instrumentos internacionais, os tribunais so competentes internacionalmente quando se verifique algum dos elementos de conexio referidos nos artigos. 62° e 63° do CPC, ou quando as partes Ihes tenham atribuido competéncia nos termos do artigo 94° do mesmo diploma legal. (21 Seguindo de perto a anilise dos sobreditos elementos de conexio na lig&o de Luis Lima Pinheiro. (3) O artigo 62° al. a) fixa o critério da coincidéncia, i. e, a competéncia internacional atribuida aos tribunais portugueses, ocorre quando a ago deva ser proposta em Portugal, segundo as regras da competéncia internacional estabelecidas na lei portuguesa (artigo 70° e seguintes do CPC), e mesmo que existam elementos de conexiio com ordens juridicas estrangeiras. (4) Em aplicagio do critério da causalidade contemplado na al. b) do artigo 62 do CPC, os tribunais portugueses sao internacionalmente competentes quando o facto que serve de causa de pedir, ou algum dos factos que a integram, tiver sido praticado em Portugal. Com cardeter de ultimo recurso, tendente a prevenir a denegagio de justica, a al.c) do dispositivo assenta no critério da necessidade, exigindo-se que entre o objeto do litigio e a ordem juridica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexao, pessoal ou real e que, segundo o principio da necessidade, o direito invocado pelo autor s6 possa tornar-se efetivo por meio de aco proposta em Portugal ou quando a propositura da ago no estrangeiro representaria para o autor dificuldade apreciavel. [51 -O pedido de indemnizagao por violacio do direito A imagem; igio plurilocalizado e transnacional A determinagao do tribunal internacionalmente competente esti condicionada A natureza da relacio juridica configurada pelo autor, ou seja, da causa de pedir por este invocada e ao pedido formulado, sendo que a causa de pedir assenta nos fundamentos constitufdos por pontos de facto com funcio instrumentada (factos instrumentais) relativamente ao facto principal e decisivo que consubstancia aquela causa de pedir (facto juridico).(s) A situagio trazida ao julgamento do tribunal nacional, O Autor é jogador de futebol internacional, atualmente no Reading Football Club, tem nacionalidade portuguesa e domicilio em Portugal. ARé é uma empresa comercial constituida e sediada nos EU. No Ambito da sua actividade, a Ré cria, produz e comercializa os jogos de video denominados “Fira” ¢“FIFA MANAGER”, € 0s quais incluem a imagem do Autor enquanto jogador. O Autor que para o efeito no consentiu ou autorizou, alega danos na sua imagem e pretende efectivar a obrigagio de reparagao da Ré por actuagio ilicita. Deparamos ent&o com uma causa de pedir complexa, alicergada em alegasio factica dos pressupostos da responsabilidade civil (facto, ilicitude, culpa, dano e nexo causal entre o facto e 0 dano), os quais como é sabido, podem nfo se reduzir a um simples facto material com precisa e tinica localizagio espacial e temporal. Nao divergem os litigantes que o facto essencial, a causa de pedir apresentada na peticao inicial, entronca na imputada actuacio licita da Ré, que através da actividade de produgao, comercializacao e distribuigéo de jogos de video denominados «Fira, “FIFA MANAGER”, FIFA ULTIMATE TEAM FUT e FIFA MOBILE” USOU a imagem pessoal e profissional do Autor, sem 0 seu consentimento, causando-Ihe danos que dever4 indemnizar, rectius, pretende com a demanda efectivar a tutela legal conferida Aquele direito de personalidade no Ambito da responsabilidade aquiliana. A decisao recorrida concluiu pela incompeténcia territorial do tribunal portugués, assentando que os invocados danos causados & imagem do Autor se consumaram /ocorreram nos EUA, local onde a Ré tem a sua sede e produz/cria os aludidos jogos de entretenimento, e nessa circunstancia nao se verificar 0 factor de conex4o de atribuigao de competéncia internacional a que alude a al. b) do artigo 62° do CPC. O Autor apelante sustenta em adverso, que a materializagao dos danos da sua imagem é¢ feita através da comercializagio distribuigao dos jogos, operada pela Ré na Europa e, em especial no territério portugués, os quais so adquiridos e revendidos por empresas nacionais, de par com o critério da necessidade efectiva de tutela juridica, verificando-se, por conseguinte, 0 factor de conexao estabelecido na al. b) do artigo 62° do CPC, 17) Argumenta ainda em sufragio das conexées prevenidas na al. a) ¢ ¢), que sendo cidadao nacional e com domicilio em Portugal, devera atender-se A competéncia dos érgios jurisdicionais portugueses, em articulagio com o previsto no artigo 71°, n°2, do CPC ¢ 70° do CCivil, estando em causa a violagio ilicita de direito de personalidade. Em suporte da posigao contraria, a Ré aditou As anteriormente juntas, diversas decisdes proferidas pelos tribunais de primeira ¢ segunda instancia, que corroboram a incompeténcia internacional do tribunal, em alinhamento com o sentido alcangado pela decisio em recurso; também o Autor fez chegar aos autos decisées proferidas em oposigao. Aproximando. Em sintese, revisitando 0 quadro normativo da competéncia internacional conyocado para os autos, temos que: para a aplicacao do critério da causalidade, previsto al. b) do artigo 62.° do Céd. Proc. Civil, exige-se que os factos integrantes da causa de pedir tenham sido praticados em territrio portugués; para a aplicagio do critério da necessidade, previsto na al. c) do artigo 62° do CPC, exige-se a verificagao de uma impossibilidade juridica, por inexisténcia de tribunal competente para dirimir o litigio em face das regras de competéncia internacional das diversas ordens juridicas ou uma impossibilidade pratica, derivada de factos anémalos impeditivos do funcionamento da jurisdi¢4o competente, isto é, que o direito invocado pelo autor sé possa tornar-se efetivo por meio de aceao proposta em Portugal ou quando a propositura da acco no estrangeiro representaria para o autor dificuldade apreciavel. Importa também sublinhar que o principio da coincidéncia da competéncia internacional com a competéncia territorial, segundo 0 qual os factos que, na érbita da competéncia interna, determinam a competéncia territorial do tribunal portugués, determinam, também, na esfera internacional, a competéncia da jurisdigio portuguesa, em confronto com as jurisdigdes estrangeiras, estabelecido pela al. a) do art. 62.°, deve ser entendido como pressupondo a remissio para os arts. 70.° a 84.", todos do CPC, de acordo com o principio da dupla funcionalidade. (3) Por outro lado, nao estando, é certo, em equagao in casu a aplicagao do direito comunitario, justifica-se o auxilio dos ensinamentos provindos do TJUE, em contextos litigiosos andlogos, no que se refere & tematica da competéncia dos tribunais nacionais em caso de invocacao de danos e do local da sua materializagao. E, na jurisprudéncia firmada pelo Tribunal de Justiga da Uniao Europeia, o conceito de «lugar onde ocorreu ou poderd ocorrer 0 facto danoso», contido no artigo 7°, n° 2 do Regulamento n° 1215/2012, refere-se simultaneamente ao lugar da materializacio do dano e ao lugar do evento causal que esta na origem desse dano, de modo que o requerido pode ser demandado, & escolha do requerente, perante o tribunal de um ou outro destes lugares.(2] Esse critério de interpretacio vem sendo sedimentado por aquele tribunal, quando esteja em causa 0 impacto da violacao dos direitos de personalidade, através de meios de exposi¢ao globais que Ihe conferem conex4o com mais do que um ordenamento juridico e jurisdigao nacional e, se verifica predominantemente no Estado onde a vitima alega ter sofrido atentado A sua reputagao e tem o seu domicilio ¢ a sede da sua vida pessoal organizada. Justamente, versando a matéria da competéncia judiciaria, tendo a vitima invocado danos provocados em direitos de personalidade através de videos/jogos na internet , 0 TJUE prolatou 0 Acérdio «e Date Advertising» , permitindo ao lesado pedir reparagio pela totalidade dos danos no tribunal do lugar do centro dos seus interesses, atendendo em especial 4 acessibilidade universal dos contetidos colocados em sitio da Internet e a dificuldade de determinagao do quantum respondeatur .(10) Aqui chegados. Estamos cientes das dividas geradas na identificagao do lugar da materializacao do dano nas situacées em que os efeitos da actuacio ilicita nao se corporizam na pessoa fisica ou bem patrimonial especifico, como o direito 4 imagem. Conforme indiciam os autos, os jogos produzidos e comercializados pela Ré encontram-se disponiveis em Portugal, por venda directa ou indirecta, o Autor é portugués domiciliado em Lisboa e, reclama da Ré a obrigagio de reparar os danos materiais e nao patrimoniais causados na sua imagem pessoal e profissional; e, alegou de modo suficiente na peti¢do inicial, os factos que integram a causa de pedir. As partes juntaram diversas decisdes de primeira instancia e de arestos de segunda instncia que ilustram a divergéncia jurisprudencial instalada. (11) Cabendo tomar posisio na apreciagio do tépico & luz dos contornos concretos da lide, concluimos que o tribunal a quo detém competéncia internacional, concorrendo 0s factores de atribuigo de competéncia tipificados nas al) a) e b) do artigo 62° do CPC. Nesse sentido ¢ amparo iluminam os recentes dois Acérdios do STJ de 7.06.2022, tirados em processos, em que precisamente, a Ré foi demandada por outros futebolistas com a mesma causa de pedir e pedidos. 121 Lé-se nos respetivos sumarios: «d_-Sio internacionalmente competentes para conhecer de uma acco fundada em responsabilidade civil por factos ilicitos decorrente da violacio de direitos de personalidade através de difusio global e nao autorizada do nome, imagem e caracteristicas pessoais e profissionais do autor em videojogos ¢ jogos para computador, os Tribunais do pais onde teve lugar essa difusio e 0 lesado se encontrava domiciliado e/ou tinha 0 seu centro de interesses pessoais e profissionais, de forma predominante no periodo em que decorreram os danos alegados. 2. Os Tribunais portugueses so internacionalmente competentes, nos termos do artigo 62.” alinea b) do Cédigo de Processo Civil, para o julgamento de uma aceao fundada em responsabilidade civil por factos ilicitos alegando 0 autor que a violagao do seu direito aconteceu em Portugal, por ali terem sido, como em todo 0 mundo, distril estarem disponiveis aos consumidores interessados 0s jogos produzidos pela ré em que era abusivamente utilizado 0 seu nome e imagem. 3. Nessas circunstancias, apesar de parte dos factos ofensivos do alegado direito do autor terem sido praticados no estrangeiro, surpreende-se entre a causa baseada na acco violadora do direito alheio promovida pela ré e o Estado Portugués um elemento de conexo suficientemente forte e que permite que, idos e no eventual confronto com outros ordenamentos juridicos e jurisdigdes nacionais, sejam os Tribunais portugueses aqueles que se encontram em melhor posigao para avaliar e decidir da gravidade e extensio da alegada violagio do direito de personalidade dos autor.»113) E, «I- A competéncia internacional dos Tribunais Portugueses afere-se pelos termos em que o autor configura a relagao juridica controvertida. II-Para aplicagao do regime previsto no Regulamento (EU) n.° 1215/2012, de 12 de Dezembro, é necessario que a ré tenha o seu domicilio num Estado-Membro da Unio Europeia ou que se verifique algum dos elementos de conexio especiais previstos no Regulamento na sua Sec¢ao 2 a7 (sendo que 0 domicilio do demandado no territério dos Estados-Membros da Unio Europeia desempenha a fungao nio sé de critério geral de competéncia, mas também de condig%o para aplicar as regras de competéncia directa previstas no préprio Regulamento, nos termos do artigo 4.°, n° 1).III- Os factores de atribuicdo da competéncia internacional aos tribunais portugueses so os contidos no art? 62°, do Cédigo de Processo citério da coincidéncia (al. a)), critério da causalidade (al. b)) ¢ critério da necessidade (al. c)), bastando se ique uni de tais critérios para ter lugar a competéncia ternacional dos tribunais portugueses. IV- Invocando 0 Autor que a sua imagem, nome e caracteristicas pessoais e profissionais foram e continuam a ser utilizados pela Ré (sociedade com sede nos EUA), designadamente em Portugal, sem a sua autorizacao, nos jogos denominados rira (também com as designagées Fira Football ou FIFA Soccer), nas edigdes 2012, 2013, 2016, 2017 e 2018; FIFA MANAGER na edigo de 2012; Fira Ultimate Team-FUT nas edigdes de 2012, 2013 2014, 2016, 2017, 2018 e 2019, todos propriedade da Ré (épocas em que o Autor residiu e actuou em territério nacional ao servigo de clubes portugueses), os Tribunais Portugueses sito internacionalmente competentes para dirimirem o litigio visando o ressarcimento da violacao de tais direitos de personalidade. V.- Com efeito, a competéncia internacional, in casu, decorre, do estatuido em qualquer das alineas a) e b) daquele normativo: al. b) - principio da causalidade - , por, pelo menos, alguns dos factos que integram a causa de pedir na aceAo terem sido praticado em territério portugués (o Autor, como jogador profissional de futebol, jogou em clubes portugueses durante 7 dos 10 anos em que invoca a aludida violagao do direito ao seu nome e imagem); al. a) - principio da coincidéncia - , por aplicagio do n.° 2 do artigo 71° do CPC (responsabi por facto ilicito). VI.- O que vem sendo reforgado pela jurisprudéncia do TJUE, ao sugerir a aplicacio do critério segundo 0 qual, em principio, o impacto da violacio dos direitos de personalidade que ocorrem nestas circunstancias, verifica-se predominantemente no Estado onde a vitima tem 0 seu centro de interesses, ai se encontrando a maioria das provas dos prejuizos sofridos, pelo que a atribuigio de competéncia aos tribunais desse pais para apreciar a integralidade dos prejuizos sofridos, satisfaz 0 objetivo da boa administragao da justica.»114) Em suma, no acompanhamento da doutrina do STJ, bem como o anteriormente exposto sobre os pomos do litigio em apreciagio e, a interpretagio do artigo 62° do CPC, mostram-se preenchidos os critérios da coincidéncia al. a) e da causalidade al) b), a justificarem a competéncia internacional dos tribunais portugueses para julgar a demanda. JIL-DECISAO Pelo exposto, acordam os Juizes em conceder provimento ao recurso, ¢ em consequéncia, revogando a decisio, declaram 0 tribunal competente internacionalmente, prosseguindo a instAncia os demais tramites. Custas a cargo da Ré. Lisboa, 21.06.2022 ISABEL SALGADO CONCEICAO SAAVEDRA CRISTINA COELHO [1|Com aproveitamento do relatério da senten [2IA par de outros casos estabelecidos no artigo 63° do CC em que a autoridade j Portuguesa é a competente de forma absoluta, excluindo-se a competéncia de outra autoridade judicléria estrangeira, Isso significa que, para os processos indicados no refe dispositivo legal, a lex fori reconhece como internacionalmente competente apenas os set juizes e tribunais, . [3]ln Direito Internacional Privado, vol. II, t. l, AAFDL Ed., 2019, pg. 337. [4]E 0 caso, por exemplo das acgdes relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre iméveis que devem ser propostas no tribunal da situagio dos bens, ou seja, se o elemento de conexio de competéneia territorial apontar para um lugar situado no territério portugues os tribunais portugueses competentes sio internacionalmente competentes. [S]Alcancando, nao sé a impossibilidade juridica, por inexisténcia de tribunal competente ‘ itigio em face das regras de competincia internacional das -as com as quais ele apresenta uma conexio relevante, como também a impossibilidade pratica, derivada de factos anémalos impeditives do funcionamento da jurisdigdo competente. [6ICf. a propésito 0 Acérdio do Supremo Tribunal de Justiga de 08/06/2021, no proc 20526/18.9TSLSB.LI. $1, in www.dgsipt. [7)O Autor juntou com a peti¢io prova documental de- factura de aquisigio em Portugal dos jogos FIFA, doc. 15, 0 doc. 21 e o doc. 22. [8|Cfr. Acérdio do STJ de 11-07-2017, proc $31/15.8TSLRA.CL. S2, in www.dgsi.pt. [9|Chr. Acérdiio de 31 de maio de 2018, Nothartovi, C-306/17[10], n° 18 ¢ Acérdiio de 29 de Iho de 2019, Tibor-Trans, C-451/18[11], n° 23 e jurisprudéncia ai referida, apud, Acérdio do STJ de 14.10.2021 -proc. 26412/16.0T8LSB.LI-A. SI, in www.dgsipt. [Lo}Decisio do TJUE (Regulamento Bruxelas I Bis), também citada pelo apelante; E, a qual reiterou a jurisprudéncia estabelecida por referéncia 4 Convengio de Bruxclas, nos termos da qual, a regra de competéncia especial prevista no artigo 5°/3; em andlise detalhada do aresto, cfr, Alexandre Dias Pereira in Revista Juridica Portucalense / Portucalense Law Journal N° 16 | 2014, disponivel em open space. [LL]V. ex. o Acérdio do TRC de 26.10.2021 proc. 3239/20 e Acérdio do TRL de 13.01.2022 proc24974/19.9,, in www.dgsi.pt. [12|Sufragando a doutrina do antecedente Acérdio do STI de 24.05.2024 proferide na 853/20.2T SBRG.GI2, nesta data ainda nao publicado na pagina IGFEJ. jiciria utilizado na norn versas ordens [13]No proc 4157/20.6T8STB.E1. SI, sendo Relator Exmo Conselheiro Aguiar Pereira, ainda ‘io publicado, junto aos autos pelo apelante. [14INo prac 24974/19.9TSLSR.L1. SI, sendo Relator o Exmo. Conselheiro Fernando Baptista de Oliveira; ainda nio publicado junto aos autos pelo apelante.

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