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Acérdios STI Processo: 1N’ Convencional: Relator Deseritores: Data do Acordio: Votasao: Texto Privac Meio Processual: Decisio: Sumirio Acérdio do Supremo Tribunal de Justiga 323920.9T8CBR-A.CISI 2." SECCAO MARIA DA GRACA TRIGO- COMPETENCIA INTERNACIONAL TRIBUNAIS PORTUGUESES RESPONSABILIDADE CIVIL DIREITOS DE PERSONALIDADE INDEMNIZACAO DE PERDAS E DANOS DIREITO A IMAGEM JOGADOR DE FUTEBOL DomiciLio CAUSA DE PEDIR PRINCIPIO DA CAUSALIDADE, REGULAMENTO (UE) 1215/2012 REQUISITOS TRIBUNAL DE JUSTIA DA UNIAO EUROPEIA, 23.06:2022 UNANIMIDADE s 1 REVISTA CONCEDIDA I. De acordo com a jurisprudéncia anterior do STJ: (i) S40 internacionalmente competentes para conhecer 0 mérito de uma acgio de responsabilidade civil extracontratual, por violago de direitos de personalidade através de contetidos mundialmente difundidos, os tribunais do pais onde se encontra o centro de interesses do lesado durante o periodo em que ocorrem os danos provocados por essa ofensa; (ii) Os tribunais portugueses so, pois, internacionalmente competentes, nos termos do art. 62.°, b), do CPC, para decidirem uma ac¢do em que um jogador profissional de futebol que exerecu, predominantemente, a sua actividade em Portugal, pede uma indemnizagio pelos danos causados pela utilizago, ndo consentida, do seu nome ¢ imagem em videojogos produzidos nos ... ¢ divulgados por todo o mundo. II. Nos casos em que os danos se prolongam no tempo ¢ 0 centro de interesses do lesado vai variando ao longo desse tempo, localizando-se em diferentes Estados, a acco em que se reclama o pagamento de uma indemnizagao por tais danos poder ser intentada em qualquer uma das respectivas jurisdigdes, desde que se verifique um elo suficientemente forte entre a causa ¢ o foro escolhido para fundamentar a competéncia internacional dos seus tribunais. IIL. No caso dos autos, constata-se que nao é possivel seguir-se 0 critério enunciado em I., uma vez que, entre os diferentes paises em que 0 lesado desenvolveu a sua actividade profissional, nao ¢ possivel identificar um que seja entre todos prevalecente e, portanto, nao & possivel identificar a existéncia de um centro de interesses predominante. IV. Quanto a aplicagao do critério enunciado em II., considera-se que, ao interpor a presente ac¢do nos tribunais portugueses, optou o autor Decisio Texto Integral: por uma das jurisdigGes nas quais os danos terdo ocorrido (art. 62.° al b), do CPC), a qual configura, no contexto conereto da factualidade alegada, um elo suficientemente intenso entre a acco e 0 foro escolhido, que, por isso mesmo, merece acolhimento. Acordam no Supremo Tribunal de Justiga 1. AA, jogador de futebol profissional, de nacionalidade portuguesa e com residéncia indicada em Portugal, interpds acco declarativa, sob a forma de processo comum, contra Electronic Arts Inc., sociedade com sede nos Estados Unidos da América (EUA), pela utilizagdo indevida da sua imagem e do seu nome nos jogos ..., produzidos ¢ comercializados pela R. nos ....... €... jogos igualmente comercializados em Portugal por uma sua subsididria, dessa actuagio resultando os danos alegados, pedindo a condenagio da R. a pagar-lhe: = A titulo de indemnizagio por danos patrimoniais a quantia de € 84,000,00 (oitenta e quatro mil euros), acrescida dos juros vencidos, no montante de € 23.988, 16 (vinte e trés mil, novecentos e oitenta e oito euros e dezasseis céntimos), tudo no total de € 107.988, 16 (cento e sete mil, novecentos ¢ oitenta ¢ oito euros e dezasseis céntimos) ¢ dos juros que se vencerem até integral pagamento, a taxa legal; - Montante nao inferior a € 5.000,00 (cinco mil euros), a titulo de danos no patrimoniais, acrescido, também, dos juros vencidos, no montante de € 2.313,97 (dois mil, trezentos e treze euros ¢ noventa e sete céntimos), tudo no total de € 7. 313,97 (sete mil, trezentos e treze euros e noventa e sete céntimos) e dos juros que se vencerem até integral pagamento, a taxa legal. Peticionou ainda o pagamento das custas e procuradoria condigna, incluindo honorérios do mandatario. Contestou a R., invocando, no que ora importa, a incompeténcia internacional dos tribunais portugueses para apreciagao da presente acgGo, por nao se verificar qualquer dos factores de atribuigao de competéncia internacional previstos nos arts. 62.° ¢ 63.° do Codigo de Processo Civil, tendo em conta que o A. alega na p.i.: que reside e trabalha na ...; que a R. € uma sociedade norte-americana, com sede no Estado da Califémia, nos Estados Unidos da América, e se dedica a exploragdo, distribuicdo ¢ venda de jogos nos..., ... ¢ ..; que aR. ndo vende, em Portugal, os jogos que nao sao alegados danos decorrentes de acto praticado pela R. que se produzam em Portugal. Em resposta, veio o A. pronunciar-se pela competéncia dos tribunais portugueses para apreciar e decidir a presente acco, invocando a aplicabilidade do critério de competéncia territorial constante do art. 71.°,n.° 2, do CPC, para efeitos da alinea a) do art, 62.° do mesmo Cédigo; mais alegando que os danos se verificaram também em territério nacional por os referidos jogos serem aqui vendidos e divulgados, integrando-se a causa no disposto no art. 62.°, alinea b), do crc. Em 11 de Maio de 2021 foi proferida a seguinte decisio: «Apreciando: Estatui 0 art. 59.° do CPC, sob a epigrafe “competéncia internacional”: “Sem prejuizo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses sao internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexiio referidos nos artigos 62." e 63.° ou quando as partes Ihes tenham atribuido competéncia nos termos do artigo 94.°. Para a determinagdo da competéncia internacional, s6 se aplicam os critérios de conexdio a que se refere o artigo 59° do Cédigo de Processo Civil se nao existirem tratados, convengées, regulamentos comunitdrios ou leis especiais ratificadas ou aprovadas, que vinculem internacionalmente os tribunais portugueses, porque estes prevalecem sobre os restantes critérios. In casu, nao se perspectiva a aplicabilidade de qualquer instrumento internacional de regulacao do ‘foro aplicavel. A competéncia fixa-se no momento da propositura da ac¢ao e afere-se nos termos em que a accao é proposta e nao a luz dos factos ou razées aduzidas pelo demandado: a determinagao do tribunal internacionalmente competente esté condicionada a natureza da relacdo juridica configurada pelo autor, ou seja, da causa de pedir por este invocada e ao pedido formulado. O pedido indemnizatério funda-se exclusivamente em responsabilidade civil extracontratual por factos ilicitos: condenagao por danos patrimoniais de personalidade, pela utilizagao indevida da sua imagem e do seu nome, na quantia de € 84.000,00 (oitenta e quatro mil euros), de capital, acrescida dos juros vencidos, no montante de € 23.988,16 (vinte e trés mil, novecentos ¢ oitenta ¢ oito euros e dezasseis céntimos) e bem assim, montante nunca inferior a € 5.000,00 (cinco mil euros), a titulo de danos nao patrimoniais, acrescido, também, dos juros vencidos, no montante de € 2.313,97 (dois mil, trezentos ¢ treze euros e noventa e sete céntimos), tudo no total de € 7. 313,97 (sete mil, trezentos ¢ treze euros e noventa e sete céntimos) e dos juros que se vencerem até integral pagamento, é taxa legal. Dispée 0 art.° 96.°do CPC que a violagdo das regras sobre competéncia internacional determina a incompeténcia absoluta do tribunal, a qual, por forca do efeito constante do art.” 99.° do CPC, determina a absolvigao do réu da instancia. A incompeténcia resultaré da impossibilidade de incluir a relag&o juridica plurilocalizada na previsio de uma das normas do art. 62° do CPC: sda critérios aferidores da competéncia internacional dos tribunais portugueses, 0 domicilio do réu, a exclusividade, a causalidade e a necessidade, critérios estes que sdo entre si auténomos e independentes entre si, bastando a ocorréncia de apenas um deles para se poder aferir a competéncia dos tribunais portugueses. ‘Sao normas de competéncia internacional aquelas que atribuem a um conjunto de tribunais de um Estado 0 complexo de poderes para o exercicio da funcdo jurisdicional em situagées transnacionais. O artigo 62.° do CPC estabelece os factores de atribuigéio da competéncia internacional dos tribunais portugueses, nomeadamente, os tribunais portugueses sdo internacionalmente competentes: 4) Quando a agéo possa ser proposta em tribunal portugués segundo as regras de competéncia territorial estabelecidas na lei portuguesa; b) Quando foi praticado em territério portugués o facto que serve de causa de pedir na acedo ou algum dos factos que a integram; ©) Quando o direito invocado nao possa tornar-se efetivo sendo por meio de acao proposta em territério portugués ou se verifique para 0 autor dificuldade apreciével na propositura da aco no estrangeiro, desde que entre 0 objeto do litigio e a ordem juridica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexdo, pessoal ou real. E relevante para a boa decisdo da excepedo a seguinte factualidade: 1. Coma presente aco, 0 autor- de nacionalidade portuguesa- nascido a .../../1987 no ..., de nacionalidade portuguesa, portador do passaporte Portugués n.” .., emitido a 21 de Dezembro de 2018 “élido até 21 de Dezembro de 2023, contribuinte fiscal mimero indicando como residéncia dy... € a trabalhar como jogador profissional num clube estrangeiro ..., pretende obter uma compensagdo pecunidria no montante de € 115.302,14 (cento e quinze mil trezentos e dois euros e catorze céntimos), por danos alegadamente decorrentes da utilizag&o nao autorizada da sua imagem na conhecida série de jogos eletrénicos ... (abreviadamente, jogos ...), produzidos e comercializados pela mesma. 2. Aréé uma sociedade norte-americana, que se dedica & exploracdo, distribuigao e venda de jogos eletrénicos, contetidos ¢ servigos online para consolas de jogos, teleméveis e computadores, exclusivamente nos ..., .. @ .. ~ oft: documento 1, extraido do website nao procedendo & comercializagao dos jogos na Europa 3. Aré tem sede nos ..., e através do desenvolvimento e fornecimento de jogos, contetidos e servicos online para consolas com ligagdo a internet, dispositivos méveis e computadores pessoais, é uma empresa lider global em entretenimento digital interativo; 4. Aré tem varias subsididrias na Europa que assumem a responsabilidade pela venda de produtos a nao residentes nos ..., .. € , destacando nesse desiderato a sociedade “E... SARL” com sede na 5. Aré defende-se, além do mais, referindo - no que diz respeito @ utilizagdo da imagem de jogadores de futebol nos jogos ...-, que celebrou um contrato de licenga com a FIFPRO ( Federagao Internacional dos Jogadores Profissionais de Futebol), a tinica organizacao representativa a nivel mundial para jogadores profissionais de futebol, da qual, desde 1985, faz parte o Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol, que confere a ré o direito de utilizagdo da imagem coletiva dos jogadores de futebol representados por essa entidade(Acordo de Afiliaciio outorgado em 2001 e renovado em 2008 e no qual se reforcam os direitos de representagao da FIFPRO, que passam a ter cardter exclusivo)- cfr art.° 38.°, n.°4 do Contrato Coletivo de Trabalho. stente na » €0 modo 6. Invoca o autor a prética pela ré de facto ilicito consis utilizagdo abusiva da sua imagem, em jogos eletronic de jogo ..., mediante a venda, a nivel mundial, do jogo 7. Os jogos propriedade da ré sto comercializados e distribuidos mundialmente, pelo que, logicamente, também em Portugal; qualquer consumidor pode adquirir tais jogos; a utilizacao e divulgacao ocorre, obviamente, em qualquer lugar onde os jogos podem ser e sao jogados; essa utilizagdo e divulgagao ocorre, obviamente, em qualquer lugar onde os jogos podem ser e sto jogados, pelo que sendo os jogos da ré, melhor identificados nestes autos, comercializados e distribuidos em Portugal, a utilizacéo ilicita da imagem, nome e caracteristicas do autor, acontece (também) no nosso pais. Retomando as enunciagées legais e doutrinais acertadamente apontadas pelas partes, diremos, em sintese, do exposto que a lei determina trés factores para a atribuigéo da competéncia internacional. 4) Quando a acgéo possa ser proposta em tribunal portugués, segundo as regras de competéncia territorial estabelecidas na lei portuguesa; (principio da coincidéncia) b) Ter sido praticado em territorio portugués o facto que serve de causa de pedir na agdo ou algum dos factos que a integram;(principio da causalidade) ©) Quando o direito invocado nao possa tornar-se efetivo, sen&o por ‘meio de accao proposta em territério portugués ou se verifique para o autor dificuldade aprecidvel na propositura da acéo no estrangeiro, desde que entre 0 objeto do litigio e a ordem juridica portuguesa haja coal ou real. (principio um elemento ponderoso de conexao, pes necessidade). Desde jé afastamos a subsuncdo & alinea c): da petigéo inicial nao perpassa uma situagdo de impossibilidade de efectivagéo do direito nem se alega uma dificuldade apreciével na propositura (alias, nenhuma alegacao foi feita a este respeito em sede de petigdo inicial - e como vimos, a competéncia afere-se nos termos em que a accaio é proposta; e nao podemos afirmar que se configura um facto not6rio nao carecido de alegagao (cf. art. 5°, n° 2, al, c), I“parte) —in casu, 0 autor é um jogador internacional, perfeitamente inserido numa sociedade globalizada, nao se impondo uma dificuldade aprecidvel na propositura da agao no estrangeiro. Ademais, a determinagdo do tribunal internacionalmente competente precede a questao de saber qual a lei material aplicavel, pois é ao sistema de regras de conflito do Estado do foro — depois de afirmada a sua competéncia internacional — que ha que recorrer para a resolver os critérios de aplicagdo das regras de direito substantivo, ou seja, a lei substantiva aplicavel decorre das leis de direito internacional privado do tribunal que seja internacionalmente competente. Destinando-se a acgéo a efectivar a responsabilidade civil baseada em facto ilicito ou fundada no risco, o tribunal competente é 0 correspondente ao lugar onde 0 facto ocorreu. (cf. n° 2 do art. 71° do CPC): no quadro do direito portugués, relevante é 0 lugar onde ocorreu 0 facto e nao o lugar onde ocorreu 0 dano. Assim, se 0 comportamento do agente ocorreu fora do territério portugués, mesmo que os danos tenham ocorrido neste, a luz da mencionada alinea a) nao hé tribunal portugués territorialmente competente. Como se verteu anteriormente na decisiio de caso idéntico e no respeitante ao n.° 3 do art. 80." do CPC, tal norma é inaplicével ao caso dos autos. Trata-se de uma disposicéo geral, que deve ser articulada com as disposicées contidas nos nimeros anteriores do mesmo artigo, a qual cede perante as normas especiais previstas nos artigos anteriores, designadamente, com a regra prevista no n.° 2 do art. 71.° do CPC. Efectivamente, a regra do art.’ 80.°, n.° 3 é uma norma supletiva em matéria de competéncia territorial, pelo que, existindo a regra especial estabelecida no art.’ 71.°, n.° 2 do CPC, nunca seria aplicdvel o critério do domicilio do autor. Importa desta feita, e para efeitos desta al. a) saber qual o locus delicti commissi. O direito a imagem é efectivamente violado quando (e sempre) que ocorre a utilizac&o da mesma, néo precedida do consentimento da pessoa retratada, que se enquadre no ambito geral do n.° | do artigo 79.° do CCivil. Os jogos propriedade da ré sto comercializados ¢ distribuidos mundialmente, pelo que, logicamente, também em Portugal ocorrem essas violacées comum, nos termos do art.” 5.°, n.° 2, alinea ¢) do Cédigo de Processo Civil: na verdade, é possivel a qualquer consumidor adquirir tais jogos, nos quais tem lugar a exploracao indevida da imagem e do nome do autor, em territério nacional. E essa utilizagao e divulgagdo ocorre, obviamente, em qualquer lugar onde os jogos podem ser e sto jogados, sendo os jogos da ré comercializados e distribuidos em Portugal. sendo um facto notorio e do conhecimento Mas 0 facto ilicito da ré reside na produgdo e venda sendo que a comercializagdo - utilizagdo e divulgacdo da imagem, nome e demais caracteristicas do autor, sem 0 consentimento deste, decorrente da sua comercializacdo e utilizagao generalizada situa-se a jusante desse facto. Ena verdade, a exploracéo, distribuigdo e venda de jogos eletrénicos, contetidos e servigos online para consolas de jogos, teleméveis ¢ computadores, levada a cabo pela ré restringe-se exclusivamente aos yon € soft: documento 1, extraido do website .... ndo procedendo a comercializacao dos jogos na Europa. Na alegagao do autor, é.a E. SARL, pessoa colectiva registrada no Registo de Pessoas Colectivas de com o niimero ... que assume a responsabilidade pela venda dos produtos perante todos os consumidores néio residentes MOS soy... Afigura-se-nos que o pretenso facto ilicito da ré ocorre efectivamente em territério estrangeiro, invalidando-se a invocacao de competéncia internacional com recurso a este critério. Mas se o factor de conexdo previsto nas alineas a) é de afastar no caso em apreco, por ndo se encontrar verificado, uma vez que o pretenso {facto ilicito foi praticado nos ..., segundo a verso veiculada na petigéo inicial, jd consideramos verificado o factor de conexdo mencionado na alinea b): Ter sido praticado em territorio portugués 0 facto que serve de causa de pedir na agdo ou algum dos factos que a integram (a causa de pedir). Consabidamente causa de pedir nas acces fundadas na responsabilidade civil extracontratual é complexa, integra todos os pressupostos, a saber, 0 facto ilicito, a culpa, o nexo de causalidade e os danos, o que implica, "segundo as circunstancias, a alegacéo da matéria de facto relacionada com o evento, a ilicitude, a conduta culposa, ou uma situagao coberta pela responsabilidade objectiva, os prejuizos e 0 nexo de causalidade adequado entre o evento e os danos". [Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. I, 3.° Reimpressdo, pag. 205]. A obrigagdo de reparagdo decorre de um uso indevido de um direito pessoalissimo, no sendo de exigir - ao menos na componente de dano néo patrimonial - a prova da alegacéo da existéncia de prejuizo ou dano, porquanto 0 dano é a propria utilizagdo nao autorizada e indevida da imagem Se em regra o dano é uma consequéncia meramente eventual do ilicito, - 0 dano é requisito indispensével para a configuragao da obrigacao ressarcitéria, mas ndo para a constituigao do ilicito." (Luiz Guilherme MARINONI e Sérgio Cruz ARENHART. p. 454 do seu Manual do processo de conhecimento. Sao Paulo: RT, 2001), no caso, na sua dimenséo pessoalissima, reside nessa utilizag&o abusiva de imagem. O dano moral tem como causa a injusta violacdo de uma situagao Juridica subjetiva existencial protegida pelo ordenamento juridico por ‘meio da cldusula geral de tutela da pessoa humana e para a configuragao do dano moral ndo é necessério provar que a vitima sofreu algo negativo, como vexame ou humithacéo, fobia ou sofrimento psicolégico pela sua exposigao.... Ora, 0 dano ocorre globalmente, assim também no lugar do domicilio do autor sito em Portugal. Nesta medida, concorda-se com o autor quando refere: 0 proprio dano/facto danoso resultante dessa exploracao indevida mostra-se, também, consumado em Portugal. E tal esta efectivamente alegado no 16.° da petigao inicial onde é expressamente referido que os jogos da Ré se tornaram mundialmente conhecidos, pelo que “...a repercussdo da imagem do Autor nao se insere apenas ao dmbito nacional, mas é utilizada pela Ré a nivel global.”. (sublinhado e negrito nossos); ...na verdade, “os jogos propriedade da Ré so comercializados, distribuidos, jogados e a sua imagem, nome e demais carateristicas sao utilizadas, mundialmente, pelo que, logicamente, também em Portugal... Por todo 0 exposto, julgo este tribunal portugués internacionalmente competente e, [em] consequéncia, determino o prosseguimento dos ulteriores tramites processuais.». [negrito nosso] Inconformada, interpés a R. recurso para o Tribunal da Relagio de Coimbra, pedindo a revogago da decisio recorrida. Por acérdiio de 26 de Outubro de 2021, foi o recurso julgado procedente, revogando-se a decisio recorrida, e substituindo-a por outra que, julgando os tribunais portugueses internacionalmente incompetentes para o conhecimento da acgo, absolveu a R. da instancia. 2. Vem o A. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiga, formulando as seguintes conclusdes: «a) Vem o presente recurso interposto do acérdao proferido nos autos que julgou o recurso interposto, pela ré/recorrente Electronic Arts Inc, procedente e, em consequéncia, revogou a decisdo recorrida, substituindo-a por outra que julga os tribunais portugueses internacionalmente incompetentes para o conhecimento da acgdo e, em consequéncia, absolve a ré da instancia (art’s 576 n°s 1 e 2, 577 a) do CPC). b) Assim, salvo diferente entendimento, 0 Acérdao do Venerando Tribunal da Relacdo de Coimbra, objecto do presente recurso, padece dos vicios previstos nas alineas a) e c) do artigo 674.° do Cédigo de Processo Civil. Ivo 0 devido respeito, que alids & muito, ssupostos errados. ©) A decisao recorrida é, s injusta e precipitada, tendo partido de pre ) Entende o ora Recorrente que as suas legitimas pretensées saem manifestamente prejudicadas pela manutencao da decisito recorrida. e) O Autor, aqui Recorrente, considera, desde logo, que o Tribunal a quo, com 0 acérdao recorrido incorre em erro de julgamento (por alegada subsungéo errada dos factos ao direito) porque os fundamentos invocados apontam num certo caminho e a decisao final toma um sentido completamente contrario, padecendo de nulidade, nos termos do artigo 615.°, n.° 1, alinea c), do Cédigo de Processo Civil f) Aeste respeito, o Tribunal a quo no acérdao recorrido, considera, como matéria relevante, que: (i) a ré tem como actividade o " desenvolvimento e fornecimento de jogos, contetidos e servigos online para consolas com ligacao a internet, dispositivos méveis e computadores pessoais..."; (ii) que a ré “...€ uma empresa lider global em entretenimento digital interativo;”"; (iii) que “Os jogos electrénicos , €... So langados anualmente, permitindo actualizagdes semanais, via internet.”; e que (iii) “Estes jogos sao ainda utilizados para a realizacao de torneios a nivel nacional e internacional, incluindo o “..., organizado e patrocinado pela R.”. (negrito sublinhados nossos) g) Mas, considerados esses fundamentos, e em manifesta contradigdo com os mesmos, o Tribunal acaba por concluir, que a"... divulgagao destes jogos utilizando a imagem e 0 nome do A., sem sua autorizagaio (...)” se localiza exclusivamente “...em solo norte-americano...”. h) Isto porque, no que respeita ao caso concreto € ao uso indevido da imagem do Autor, os jogos da ré, com o contetido lesivo, sao difundidos por esta, para serem utilizados e guardados em varios instrumentos tecnolégicos, de diversas pessoas, a qualquer momento, em qualquer lugar. i) Eo que sucede, por exemplo, com a colocagao dos jogos em linha/ambiente digital, altamente potenciada com a expanséo do uso da Internet eda qual a ré beneficia largamente para aumentar a divulgacéo e exploragdo comercial dos seus jogos e, bem assim, os avultados lucros dai advenientes. {j) Salvo devido respeito ndo pode o Tribunal a quo considerar que os jogos da ré sto colocados em linha e em ambiente digital, para depois concluir 0 seu contrério, i.e., que a sua divulgagdo apenas ocorre em solo norte-americano. B) Acresce que, conforme demonstrado nos autos, inclusive, através de diversa documentagdo junta com a petigao inicial, os jogos da ré sao comercializados em suporte fisico em Portugal, nas mais variadas lojas, como por exemplo, nas lojas da especialidade, nas grandes superficies, na Worten, na Fnac, na Mediamarket, entre tantas outras. )) E imagine-se que, alguém escrevia um livro em sua casa denegrindo ou simplesmente fazendo uso ndo autorizado da imagem da personalidade “A” ou até que esse alguém pintava um quadro com uma imagem menos abonatéria dessa mesma personalidade “A”. m) Apenas nao poderia ser invocado qualquer dano pela personalidade “A” pela utilizacéo ilicita da sua imagem, se tal livro e tal quadro néo saissem nunca da casa do seu autor. n) O mesmo ja nao se pode afirmar se tal livro e/ou tal quadro fossem promovidos, divulgados e comercializados por todo 0 mundo, inclusive, no local de residéncia daquela personalidade “A”, nomeadamente, em estabelecimentos de toda a espécie. 0) E assim, manifesto que os danos ocorreriam em todos os locais onde essa comercializacéo e divulgagdo tivesse lugar. p) Esta légica é, pois, plenamente aplicavel aos jogos da ré, pelo que estando os jogos disponiveis a nivel mundial, o dano néio é provocado 6 nos Estados Unidos. y Poris sentido, salvo o devido respeito, se os jogos, com a imagem do Autor, apenas fossem produzidos em solo norte-americano e nao transpusessem as suas fronteiras, para ser comercializados pela ré por todo 0 mundo sob todas as formas disponiveis, ou seja, online e em suporte fisico. 0, a tese sufragada no acérdao recorrido, apenas faria 1) E, é evidente que o tribunal do lugar onde a “vitima” (in casu, 0 Autor) tem o centro dos seus interesses, pode apreciar melhor 0 impacto de um contetido ilicito colocado em jogos de video fisicos online sobre os direitos de personalidade, pelo que lhe deverd ser atribuida competéncia segundo o principio da boa administragao da justiga, 8) Para além disso, ndo pode ser descurado o principio da previsibilidade das regras de competéncia, sendo que a ré, enquanto autora da difuséo do contetido danoso, encontra-se manifestamente, aquando da colocacéo da imagem, nome e demais caracteristicas das “vitimas” da sua accao, nos jogos de que é proprietéria com vista & sua divulgagdo mundial, em condigdes de conhecer os centros de interesses das pessoas afetadas por este. 1) Neste sentido, e no que respeita a situagées andlogas jé analisadas pelo TIUE quanto a esta matéria salientam-se os acérdaos Shevill e eDate Advertising GmbH, cujos textos, para efeitos de argumentacao, aqui se do por reproduzidos e ainda a doutrina ja fixada no douto acérdao desse Supremo Tribunal de Justica de 25-10-2005. u) E este 0 contexto que nos encontramos, mas que o Tribunal a quo desconsidera totalmente, desvalorizando, de igual modo a protecgdo que a pessoa humana e a sua imagem merecem no ciberespaco. v) O Julgador ndo pode deixar de estar atento @ evolucdo tecnolégica e 4 expansdo dos fenémenos dela resultantes, de forma a evitar decises totalmente desfasadas da realidade em que vivemos actualmente. Ww) O facto constitutivo essencial desta causa reporta-se & producéo e divulgacao dos jogos utilizando a imagem e o nome do Autor, sem sua autorizag&o, mas — ao contréirio do referido no acérdao recorrido - a sua divulgagao néo se localiza, exclusivamente, em solo norte- americano. x) Conforme demonstrado, essa divulgagao ocorre em todo 0 mundo e, também, em Portugal, pelo que ha, obviamente, uma repercussiio do facto danoso, também, em todo 0 territério nacional. y) O centro de interesses do Autor é em Portugal, pelo que estiio os Tribunais portugueses melhor posicionados para conhecer do mérito da acgéo. 2) E, estando em causa a violacdo, pela ré, de direitos de personalidade do Autor, com tratamento e proteccao constitucional e infraconstitucional, cfr. artigo 26.” n.° | da Constituig&o da Reptblica Portuguesa e artigos 70.° e 72.° do Cédigo Civil e sendo arguida pelo Autor, aqui Recorrente, a inconstitucionalidade do artigo 38.°n.° 4 do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre o Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional, por se considerar que o mesmo é ofensivo do conteitdo de um direito fundamental (o ja invocado artigo 26.° n.° 1 da Constituig&éo da Reptiblica Portuguesa) ndo se concebe como o poderia o julgamento da causa nestes autos ser atribuido a uma jurisdigdo estrangeira de um outro pais. aa) Mais se diga ainda que, eventuais, dificuldades de aplicagao do critério da materializag&o do dano néo podem por em causa a gravidade da leso que possa vir a sofrer o titular de um direito de personalidade que constata que um contetido ilicito esta disponivel em qualquer ponto do globo, como sucede in casu. bb) Nao podia, pois, 0 Tribunal a quo deixar de concluir, in casu, pela verificagao do factor de conexiio previsto na alinea b) do artigo do artigo 62.° do Cédigo de Processo Civil: ter sido pratica do em territério portugués o facto que serve de causa de pedir na ac&o ou algum dos factos que a integram (a causa de pedir) cc) Teria, assim, de improceder a deduzida excepgio de incompeténcia internacional do Tribunal a quo, aduzida pela ré, por verificagao do elemento de conexizo constante da alinea b) do artigo 62.” do Cédigo de Processo Civil dd) A obrigacdo de reparacéio, in casu, decorre de um uso indevido de um direito pessoalissimo, nao sendo de exigir - ao menos na componente de dano néo patrimonial — a prova da alegagéo da existéncia de prejuizo ou dano, porquanto 0 dano é a propria utilizacdo néo autorizada e indevida da imagem. ee) Tal como a Primeira Instancia decidiu. E bem! ff) Face ao que antecede, 0 acérdao em crise padece de nulidade, a qual se invoca ao abrigo do disposto no artigo 615.°, n.° 1, alinea c), do Cédigo de Processo Civil, tendo ainda violado o disposto nos artigos 62.°, alinea b) e 71.°,n.° 2, ambos do Cédigo de Processo Civil, 0 artigo 26.’n.° 1 da Constituigéo da Reptiblica Portuguesa e ainda os artigos 70.°, 72.’ 79.° do Cédigo Civil.». Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente, revogando-se 0 acordao recorrido e repristinando-se a decisao da 1.* instancia. A Recorrida contra-alegou, concluindo nos termos seguintes: «a) O presente recurso de revista, interposto pelo autor, visa a revogacéo do acérdao de 26.10.2021, pelo qual se declarou procedente a excecao de incompeténcia internacional porque esta agdo nao reine as necessérios elementos de conexéo com a ordem juridica Portuguesa. b) O recurso interposto pelo autor deverd ser rejeitado, improcedendo as dois tinicos fundamentos invocados: (i) erro de julgamento na apreciagéo do fator de conexéio da alinea b) do art.° 62.° do CPC e (ii) nulidade por contradigao entre os factos e a fundamentacéo juridica o) In casu, a excegdo de incompeténcia internacional submetida a apreciagéo deve ser dirimida, exclusivamente, d luz do regime interno, por inexistir qualquer instrumento internacional de regulacéo do foro aplicavel, incluindo de fonte europeia. d) Neste recurso esté apenas em causa a apreciagao do fator de conexéio consagrado na alinea b) do art.” 62.° do CPC, relativo ao principio da causalidade. &) Nao sé 0 acérdéo conheceu em detalhe os fundamentos que 0 autor vem reiterando nos autos para sustentar a competéncia internacional da ordem juridica portuguesa, como explicitou detalhadamente as de facto e de direito que justificam a decisdo proferida. razo fi Tendo-se estabelecido, na decisao revidenda, a seguinte factualidade relevante: Quanto ao autor: (i) O autor refere ser jogador de futebol (artigo n.° 3 da peticao inicial); (ii) O autor refere encontrar-se estabelecido na... desde 2017/2018 (artigos n.° 4.° ¢ 9.°da petigao inicial) Quanto a ré iii) A ré é uma sociedade norte-americana, com sede no Estado da California, nos Estados Unidos da América; (iv) A ré dedica-se @ exploragio, distribuicéo e venda de jogos, sendo que o autor nao alega que a ré 0 faz em Portugal (artigo 1." e 2.° da petigao inicial); (v) O autor refere que “...a ré conta com varias subsididrias, entre as quais se destaca, na Europa, a E... SARL..." (artigo 2.° da petig&io jal), 0 que evidencia que a ré nao atua em Portugal ou, sequer, na Europa; ini Quanto ao facto ilicito imputado a ré: (vi) Em parte alguma da petigao inicial, 0 autor afirma que a ré vende, em Portugal, os jogos ... € ..., chegando mesmo a reconhecer, quanto a versées antigas dos jogos que os mesmos sao comercializados por terceiros (artigos n.° 26." e 37.° da peti¢éo inicial). (vii) Nenhum dano é alegado ou concretizado, pelo autor, na peti¢ao inicial, como ocorrendo em Portugal. g) Contra este quadro factual e com vista ao preenchimento do fator de conexdo, previsto na alinea b) do art.’ 62.° do CPC, 0 autor sustenta que o facto ilicito ocorre também em Portugal. h) Sucede que, no basta, neste contexto, sustentar que foram alegados ‘factos praticados em territério nacional com base na afirmagéo que os jogos ... sito vendidos em todo 0 mundo, incluindo Portugal. i) Eo préprio autor quem declara, no ja identificado art.” 2.° da peticdo inicial, que a ré apenas comercializa os jogos nos ..., .. € ndo tendo qualquer atividade no resto do mundo, incluindo em Portugal. i) O que significa que a ré nao pratica qualquer ato integrador da causa de pedir no nosso pais (nem os factos alegados na peti¢ao inicial ou os documentos juntos sao, em tese, aptos a tal). K) Nao foi também concretizado qualquer dano sofrido pelo autor, tampouco em territério nacional. )) Sendo igualmente de afastar quaisquer referéncias a “factos danosos”, mencionadas de forma puramente conclusiva e abstraida de qualquer suporte factual, confundindo dois requisitos auténomos da responsabilidade civil: a ac&o/omissdo e o dano. ‘m) O autor, érfio de factos para sustentar a conexio com Portugal, procura compensar esse vazio, retratando, como um tinico facto, realidades auténomas e com diferentes esferas de imputagao, a saber: (i) alegagao de vendas, por terceiros, em Portugal; e (ii) alegacao de atos praticados pela ré no estrangeiro. n) Partindo dessa conjugacao artificial, num tinico facto, 0 autor imputa a ré a producdo de danos, de forma conclusiva e sem os localizar territorialmente. 0) Sucede que tais factos tém de ser apreciados como realidades individuais e nao forjando- se uma sintese entre ambos. Ou seja, tais factos no se podem confundir porque (i) os atos praticados pela ré ocorrem no estrangeiro e (ii) os atos de comercializacao em Portugal ndoo sao atribuiveis a ré. p) Nenhum destes factos permitindo, autonomamente, assacar @ ré a pratica de qualquer ato em Portugal gerador de responsabilidade civil. @) Trata-se de factos ou conclusées sem conexdo com 0 territério nacional e muito menos em termos relevantes, para permitir que os nossos tribunais avoquem a competéncia internacional para este pleito. 1) A comercializagao plurilocalizada dos jogos e, na Europa, por entidades que ndo a ré, nao pode ser tida como um fator distintivo no contexto da causa de pedir e que atribua relevancia suficiente para a afirmagao da competéncia dos nossos tribunais. 8) Como refere 0 acérdéio do TRL, acima identificado, “...para que se estabeleca a competéncia internacional dos tribunais portugueses é necessdrio que os factos materiais localizados em Portugal sejam relevantes e carateristicos do facto juridico e que, de entre a massa de factos que constituem a causa de pedir, tenham sido praticados em Portugal factos suficientes que justificam a conexdo da ago com a ordem juridica portuguesa.” 1) O que manifestamente néo se verifica neste pleito, jé que a comercializagdo dos jogos ..., a nivel mundial, revela ligacao identicamente ténue com todos esses territdrios e, nessa medida, n&io assume particular conexo que justifique a atribuigdo de competéncia internacional a Portugal. u) Na verdade, a consideragdo da venda, por terceiros, como fator de conexdio geraria uma situagdo de conflito positive de competéncia internacional, ja que qualquer tribunal do mundo, considerar-se-i competente para esta lide, hipotese que as normas de competéncia internacional visam evitar. v) A alegagdo do autor, posterior a petigao inicial, acerca da ocorréncia de danos globalmente e, por isso, também no seu domicilio, apelando ao conceito de centro de interesses, nao permite colmatar a falta de invocagao de quaisquer danos em Portugal, por trés motivos: (i) apenas a factualidade constante da petigao inicial é relevante para a averiguacdo da competéncia; (ii) nao sto alegados danos concretos, tampouco verificados em Portugal; ¢ (iii) a alegagao de que 0 dano ocorre em todo 0 mundo e também na residéncia do autor ndo traduz, como vimos, uma conexao suficiente ou relevante com a jurisdigé&o portuguesa w) Ora, além de o conceito de centro de interesses (figura desenvolvida pelo TJUE a propésito de normas europeias) ser inaplicdvel a estes autos, a sua invocagdo nao é suscetivel de preencher os requisitos de competéncia internacional dos tribunais portugueses. x) Dai que se conclua que néo se verifica o fator de conexao previsto na alinea b) do art.’ 62.° do CPC, jé que inexiste alegagio factual sobre a causa de pedir ou qualquer facto que a integre, praticado em Portugal. y) O recurso deve igualmente ser rejeitado na parte em que invoca nulidade pela alegada contradigéo entre os factos estabelecidos pelo TRC e a fundamentagao de direito. z) Nao ha qualquer incongruéncia em se estabelecer que os jogos sd vendidos mundialmente e se concluir que a divulgacao destes jogos, pela ré, se localiza em solo norte-americano. aa) Em Portugal os jogos sto comercializados por terceiros, facto que 0 autor (e bem) assumiu na sua petigao inicial. bb) Com efeito, o TRC, tendo presente que os jogos so vendidos em todo 0 mundo, esclarece, com assaz clarividéncia, néo sé que essa divulgacao ndo é imputével @ ré, mas também que néo é 0 elemento de conexdo relevante na presente lide de responsabilidade civil extracontratual. cc) Devendo, por isso, ser rejeitada a arguig&o de nulidade do acérdéo do TRC. dd) Em suma, 0 recurso de revista interposto deve improceder in totum, dado que também as alineas a) e c) do art.” 62.° do CPC e respetivos fatores de conextio ndo se mostram preenchidos (conforme argumentacao detalhada na motivagdo e na contestacdo). ee) Como jé concluido pelo Tribunal a quibus, os factos alegados pelo autor, nestes autos, ndo revelam a verificagdo de quaisquer fatores de conexdio relevantes que atribuam competéncia internacional @ ordem juridica Portuguesa. ff) Devem por isso improceder todas as conclusdes do recurso do autor». 3. Por acérdao da conferéncia de 18 de Janeiro de 2022, o tribunal a quo pronunciou-se no sentido da nao verificagao da invocada nulidade do acérdao recorrido. 4. Tendo em conta o disposto no n.° 4 do art. 635.° do Cédigo de Processo Civil, 0 objecto do recurso delimita-se pelas respectivas concluses, sem prejuizo da apreciagao das questées de conhecimento oficioso. Assim, 0 presente recurso tem como objecto as seguintes questées: - Nulidade do acérdio recorrido por contradigao entre a fundamentagiio. ea decisio (art. 615.°, n° I, alinea c), do CPC); mpeténcia dos tribunais portugueses para conhecer da presente 5. Com relevo para a apreciagiio das questdes objecto de recurso vem provado o que consta do relatério do presente acérdao. 6. Alega o Recorrente que 0 acérdio recorrido padece de mulidade por contradigao entre a fundamentacio e a deciséo (art. 615.°, n.° 1, alinea ©), do CPC). Vejamos. De acordo com a jurisprudéncia deste Supremo Tribunal, tal vicio da decisio, gerador de nulidade: «{P]ressupée um erro de raciocinio légico consistente em a deciséo emitida ser contrdria @ que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la» (acérdio de 11.01.2018, proc. n.° 779/14.2TBEVR-A.EL.S1, nao publicado). Neste sentido, cf, entre muitos outros, os acérdaos de 12.01.2021 (proc. n.° 1801/19.1T8CSC.L1-B-A.S1), de 21.01.2021 (proc. n° 3384/16.S5T8GMR.G1.S1) e de 04.02.2021 (proc. n.° 22/17.2T8CLB.C1.S1), consultaveis em www.dgsi.pt. Como tem sido repetidamente afirmado por este Supremo Tribunal, a nulidade em anilise nao se confunde com o erro de julgamento: «{A] contradigo entre os fundamentos e a decisio corresponde a um vicio formal, na construgdo légica da deciséio e o erro de julgamento, a um vicio substancial, concretizado, p. ex., na errada subsungao dos factos concretos & correspondente hipstese legal.» (sumério do acérdio de 04.02.2021, proc. n.° 22/17.2T8CLB.CL.SI, disponivel em www.dgsi pt). Neste mesmo sentido, ver, entre outros, os acérdaos de 08.09.2020 (proc. n.° 148/14.4TVLSB.L1.S1), de 07.10.2020 (proc. n.° 705/14.9TBABF.E1.S1), de 08.10.2020 (proc. n.” 361/14.4T8VLG.P1.S1), de 20.10.2020 (proc. n. 6024/17.T8VNG.PI.S1) e de 17.11.2020 (proc. n.° 6471/17. 9T8BRG.G1.S1), disponiveis em www.dgsi.pt. Ora, ndo apenas — lida e apreciada a decisio recorrida — no se detecta qualquer vicio de construgao ldgica da decisio, como a ponderagio dos termos em que a questo da nulidade é suscitada pelo Recorrente («o Tribunal a quo, com 0 acérdéo recorrido incorre em erro de julgamento (por alegada subsuncao errada dos factos ao direito) ‘porque os fundamentos invocados apontam num certo caminho e a decisao final toma um sentido completamente contrario, padecendo de nulidade, nos termos do artigo 615.", n.° 1, alinea c), do Cédigo de Processo Civil») se reporta antes a um alegado erro de subsungao dos factos ao direito, isto é, a um erro de julgamento). Conch se, assim, pela nio verificagio da arguida nulidade. 7. Sobre a questo da competéncia dos tribunais portugueses para conhecer da presente aceo, importa ter presente que, em 24 de Maio de 2022, foi proferido, nesta Sec¢o do Supremo Tribunal de Justiga, acérdio em acco (processo n.° 3853/20.2TSBRG.GI SI), disponivel em www.dgsi pt, idéntica A presente acgdo, cuja fundamentagao — dada a sua relevancia para a apreciagao e resolugdo do caso dos autos — se transcreve na integra: «1. A questiio Estd em discusso neste recurso a competéncia internacional dos tribunais portugueses para apreciar o mérito da presente ago. Com a sua propositura, 0 Autor pretende que a Ré seja condenada a pagar-lhe uma indemnizagao, por violagdo dos seus direitos de personalidade ao nome e a imagem. Para tanto, invoca que a Ré, que tem sede no Estado da California, dos Estados Unidos da América, utiliza, sem a sua autorizagdo, o seu nome ea sua imagem, que inclui as suas caracteristicas pessoais ¢ profissionais, nos videojogos ... ¢ ..., 2011, 2012, 2013 e 2014, os quais sdo produzidos pela Ré nos Estados Unidos e comercializados em todo 0 mundo por empresas “subsididrias” da Ré (destacando-se na Europa a E... SARL que assume a responsabilidade pela venda dos produtos perante todos os consumidores nio residentes nos ...,... €...), resultando dessa atuagio a ofensa do direito ao nome e a imagem do Autor. Os danos invocados pelo Autor sio a exposigdio do seu nome e da sua imagem sem o recebimento de qualquer contrapartida, a influncia negativa que a invengdo de atributos fisicos e técnicos aquele, nos referidos videojogos, poderd ter na sua vida profissional e pessoal, ¢ os estados psicoldgicos de perturbagdo, desgosto, tristeza e revolta que 0 Autor sentiu ao constatar a utilizagao nado consentida do seu nome e da sua imagem. ‘A causa de pedir invocada pelo Autor é plurilocalizada, uma vez que tem contactos com diferentes ordenamentos juridicos. O Autor tem nacionalidade portuguesa e reside em Portugal, a Ré tem a sua sede nos Estados Unidos da América (no Estado da Califérnia), a produgio dos jogos ocorreu precisamente nesse local, a difusio comercializada do nome e da imagem do Autor, sem consentimento deste, verificou-se por todo o mundo, ¢ os sentimentos negativos experienciados pelo Autor sueederam nos locais onde ele se encontrava durante todo este periodo. O acérdao recorrido, em consonancia com anteriores acérdaos das Relagées proferidos em acées idénticas, interpostas por outros jogadores de futebol profissional[.1], decidiu que os tribunais portugueses nao sdo internacionalmente competentes para julgar a presente a¢ao, com o principal argumento de que nao se verificaram em territério nacional os danos causados pela invocada atuagao ilicita da Ré, uma vez que nao € 0 local onde 0 jogo é vendido ao consumidor final que constitui o elemento relevante para atribuigdo da competéncia internacional, mas antes o local onde o referido jogo foi criado ¢ posto em circulagdo, por ser nesse local que ocorreram os factos constitutivos do direito invocado pelo Autor, incluindo os danos diretos invocados. 2. A competéncia internacional dos tribunais portugueses O artigo 37.°, n.° 2, da Lei Organica do Sistema Judiciario, incumbe a lei de processo de fixar os fatores de que depende a competéncia internacional dos tribunais judiciais, dispondo 0 artigo 59.° do Cédigo de Processo Civil que, sem prejuizo do que se encontre estabelecido em regulamentos curopcus ¢ cm outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses sdo internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexio referidos nos artigos 62.° & 63. do mesmo diploma. © Regulamento Europeu que rege a competéncia judicidria em matéria civel e comercial ¢ 0 denominado Regulamento Bruxelas I bis n° 1215/2012 do Parlamento Europeu e do (Regulamento (UE Consetho, de 12 de dezembro de 2012). Com excegio das previstas nos artigos 18.°, n.° 1, 21.°, n.° 2, 24. e 25.° deste Regulamento, onde nio se inclui a presente ago, é condigao de aplicabilidade das regras nele contidas que o demandado tenha domicilio num Estado Membro. Se este requisito ndo se verificar, como sucede na presente ago, dado que a Ré tem a sua sede nos Estados Unidos da América, 0 referido Regulamento determina que a competéncia dos tribunais dos Estados Membros seja a definida pelas leis internas destes (artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento Bruxelas I bis). Nes Como nao existe nenhum instrumento internacional que vincule o Estado Portugués em matéria de competéncia judicidria aplicavel & presente ago, &, portanto, & luz do disposto nos artigos 62.° e 63.° do Cédigo de Processo Civil, por remissio do artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento Bruxelas I, bis, que deve ser determinada a competéncia dos tribunais portugueses para decidir a presente ago. No artigo 62.° do Cédigo de Processo Civil so enunciados os trés critérios auténomos de atribuigdo da competéncia intemacional, com origem legal, aos tribunais portugueses ~ 0 da coineidéneia (alinea a), © da causalidade (alinea b) ¢ o da necessidade (alinea c). A escolha destes critérios visou corresponder exigéncia de uma tutela efetiva dos direitos ¢ interesses legalmente protegidos, conferindo competéncia aos tribunais portugueses quando, pela sua proximidade com as partes ¢ com as provas, se encontrem em condigdes de melhor dirimirem os litigios que necessitam de uma intervengao jurisdicional Segundo o critério da coincidéncia, que recorre a uma técnica legislativa de remissao intrasistematica[2], os tribunais portugueses so competentes sempre que a a¢do possa ser proposta em Portugal, segundo as regras especificas da competéncia territorial, estabelecidas na lei portuguesa (artigo 70.” e seguintes do Cédigo de Processo Civil), atribuindo-se, assim, a estas regras a funcionalidade suplementar de determinarem a competéncia internacional dos tribunais portugueses, para além de definirem a competéncia territorial interna. A ideia que inspira a adogao deste critério € a de que os elementos de conexao utilizados para estabelecer a competéneia territorial interna traduzem um elo suficientemente forte entre a causa e o Estado portugués para fundamentar a competéncia internacional dos seus tribunais. No presente caso, estamos perante uma acdo em que se pretende efetivar a responsabilidade civil extracontratual, pela violago, por ato ilicito, de direitos de personalidade, dispondo 0 artigo 71.°, n.° 2, do Cédigo de Processo Civil, que se a agdo se destinar a efetivar a responsabilidade civil baseada em facto ilicito ou fundada no risco, 0 tribunal competente é o correspondente ao lugar onde 0 facto ocorreu. ALBERTO DOS REIS{3] justificou a opgdo por este critério instrumental, no Cédigo de Processo Civil de 1939, por ser no lugar onde o facto foi praticado que devem encontrar-se as melhores provas da ocorréncia e dos danos por ele produzidos. Ea proximidade do tribunal com as provas dos factos que integram os diferentes elementos da causa de pedir de uma agdo de responsabilidade extracontratual que é determinante da escolha do forum delicti comissi. No entanto, a aplicaco deste critério para aferir a competéncia territorial interna revela algumas dificuldades e divergéncias quando a ago ofensiva decorre em local diferente onde se produzem os danos, uma vez que, nesse caso, as provas dos factos que integram a causa de pedir se encontrarao espacialmente dispersas, registando-se opinides no sentido de que, em caso de dissociagao entre o lugar do facto causal e 0 lugar onde o dano se produziu, o lesado pode propor a ago respetiva em qualquer um destes lugares[4], & semelhanga do que ocorre quando a ago se desenvolve plurilocalizadamente, em contraponto com posigdes menos flexiveis que sustentam que, nessas situagées, releva apenas 0 local onde ocorreu 0 comportamento do agente violador de direitos do lesado{s]. Cremos, no entanto, que essas dificuldades no se colocam quando 0 artigo 71.°, n.° 2, do Cédigo de Processo Civil, funciona como norma ad quam, das regras definidoras da competéncia internacional, uma vez que, segundo 0 critério da causalidade (artigo 62.°, b), do Cédigo de Processo Civil), os tribunais portugueses tém competéncia para decidir 05 litigios em que algum dos factos que integram a sua causa de pedir ocorra em territério portugués[6]. Sendo o dano um dos elementos essenciais da causa de pedir nas agdes de responsabilidade extracontratual, nao se pode deixar de admitir que o local onde este se verificou possa conferir competéncia aos tribunais portugueses para decidirem as agdes em que o dano aconteceu em Portugal, uma vez que as provas desse importante elemento da causa de pedir se localizarao em territério portugués, sem prejuizo dessa competéncia também poder ser determinada pela localizacao de outros elementos relevantes da causa de pedir(Z]. No entanto, nestas situagdes, deve exigir-se, de modo a evitar que a competéncia determinada por este critério possa ser considerada exorbitante, que esses elementos da causa de pedir traduzam uma conexo suficientemente forte entre 0 caso ¢ o Estado Portugués, justificativa da intervengdo dos seus tribunais, designadamente que um significativo acervo das provas a produzir presumivelmente se situe em Portugal, numa aplicagdo da teoria do forum non conveniens|8}. E essa, alias, a leitura que também tem sido feita pelo Tribunal de Justiga da Unido Europeia das normas gémeas do artigo 7.°, 2), do Regulamento Bruxelas I bis, e dos artigos 5.°, n.° 3, dos anteriores instrumentos legais europeus que tiveram por objeto o estabelecimento de regras comuns de competéncia judicidria em matéria civel e comercial, a Convengao de Bruxelas, de 27.09.1968, a Convengdo de Lugano de 16.09.1988, a Convengdo de Lugano II, de 30.10.2007, ¢ 0 Regulamento n.° 44/2001, do Conselho, de 22.12.2000, tendo, nesses casos, o Tribunal aplicado, com temperanga, a regra da ubiquidade [9] U0]. 3. A jurisprudéncia do TJUE Mas, o Tribunal de Justiga da Unitio Europeia tem também uma importante jurisprudéncia precisamente em matéria de competéncia internacional, relativa a agdes de responsabilidade civil extracontratual por violagdes de direitos de personalidade, como os direitos ao nome, & imagem e & honra, através de meios de exposigo globais, aplicando 0 artigo 7.° do Regulamento Bruxelas I bis e as normas que lhe antecederem contidas nos artigos 5.°, n.° 3, da Convengo de Bruxelas, de 27.09.1968, da Convengao de Lugano de 16.09.1988, da Convengio de Lugano II, de 30.10.2007, e do Regulamento n.° 44/2001, do Conselho, de 22.12.2000[11]. O artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento Bruxelas | bis, nas situagdes em que © demandado no tenha domicilio num Estado-Membro, como ocorre no presente caso, ao determinar uma remissio para as regras do direito processual civil do Estado Membro cujo tribunal é chamado a pronunciar-se, em matéria de competéncia internacional, sendo estas as normas aplicdveis nessas situagdes, denuncia que essas regras internas também fazem parte de um mesmo sistema de regras de conflito de competéncias instituido pelo Regulamento, que se pretende global e coerente|12]. Nao deixamos, pois, de estar também aqui perante uma remissio intrasistematica, apesar da sua aparéncia extrasistematica[13]. Este convivio, por efeito desta remiss%o, no nosso ordenamento juridico das regras de direito curopeu sobre a competéncia internacional dos tribunais dos Estados Membros da Unido Europeia, incluindo os tribunais portugueses (neste caso, o Regulamento Bruxelas I bis), ¢ as regras do direito processual civil portugués sobre a mesma matéria, embora com um Ambito de aplicagdo distinto, exige a preservagdo da coeréncia sistémica do nosso ordenamento juridico. Nao s6 0 contetido das normas internas sobre competéncia internacional nio deve conduzir a solugdes dispares com os principios que regem o direito europeu nessa matéria, o que tem sido objeto de preocupacao do legislador nacional, como a sua interpretagao deve ter em consideragao a leitura que o Tribunal de Justiga da Unido Europeia tem efetuado das normas europeias que estabelegam critérios idénticos as normas de direito interno. A harmonia do ordenamento juridico pede que critérios idénticos na definigdo da competéncia internacional dos tribunais, apesar de provirem de fontes distintas, tenham uma aplicagao coincidente, sendo certo que a jurisprudéncia do TJUE tem um papel fundamental na interpretago do direito europeu, © TIUE, no Acérdao de 7.03.1995, Fiona Shevill, Ixora Trading Inc, Chequepoint SARL ¢ Chequepoint Internacional Ltd contra Presse Alliance, S.A.[14], relativamente a propositura de uma ago em que se pedia o pagamento de uma indemnizago por difamacao cometida através de um artigo publicado no jornal France Soir, a venda em varios paises europeus, incluindo Inglaterra, onde a vitima residia, comegou por sustentar que a expresso “lugar onde ocorreu o facto danoso”, utilizada no artigo 5.°, n.° 3, da Convengao de Bruxelas de 27.09.1968, deveria ser interpretada no sentido de que a vitima pode intentar uma agdo de indemnizagao contra o editor da publicago difamatéria quer nos érgiios jurisdicionais do Estado onde se situa o estabelecimento da editora, quer nos érgios jurisdicionais de cada Estado em que a publicago foi divulgada e onde a vitima alega ter sofrido um atentado a sua reputacdio, os quais seriam competentes para conhecer apenas dos danos causados no Estado do tribunal onde a aco foi proposta. Neste aresto, o Tribunal considerou: (2 21. (...) que o lugar do evento causal, do ponto de vista da competéncia jurisdicional, pode constituir um critério de vinculagdo ndo menos significativo do que o critério do lugar onde o dano se materializou, podendo cada um deles, segundo as circunstancias, revelar-se especialmente util do ponto de vista da prova e da organizagiio do processo. C) 23. Estas consideragées, feitas a propésito de danos materiais, devem ser validas também, pelas mesmas razées, no caso de prejuizos néo patrimoniais, nomeadamente os causados 4 reputagdo e @ consideracdo de uma pessoa singular ou coletiva por uma publicacao difamatoria. GO) 28. O lugar de materializagdo do prejuizo é 0 local em que o facto gerador, implicando a responsabilidade extracontratual do seu autor, produziu efeitos danosos em relagdo a vitima. 29. No caso de uma difamacéo internacional através da imprensa, 0 atentado feito por uma publicagao difamatéria & honra, & reputacao e 4 consideragao de uma pessoa singular ou coletiva manifesta-se nos lugares onde a publicagao é divulgada, quando a vitima é ai conhecida. 30. Daqui resulta que os érgdos jurisdicionais de cada Estado contratante onde a publicacao difamatéria foi divulgada e onde a vitima invoca ter sofrido um atentado a sua reputacao sao competentes para conhecer dos danos causados nesse Estado a reputacéo da vitima. 31. Com efeito, de acordo com o imperativo de uma boa administragéo da justica, fundamento da regra de competéncia especial do artigo 5., n. 3, 0 tribunal de cada Estado contratante em que a publicagdo difamatéria foi divulgada e onde a vitima invoca ter sofrido um atentado a sua reputagéo é territorialmente o mais qualificado para apreciar a difamacéo cometida nesse Estado e determinar o alcance do prejuizo correspondente. GO) No entanto, uns anos volvidos, no importante Acérdio de 25.10.2011, e-Date Advertising GmbH contra X e Olivier Martinez contra MGN Limited [5], relativamente & propositura de aces de responsabilidade civil pela publicagdo em portais noticiosos na Internet de referéncias & condenagdo de X pelo homicidio de um conhecido ator e aos encontros amorosos de Kyllie Minogue e Oliver Martinez, ja se entendeu que 0 artigo 5.°, ponto 3, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Consetho, de 22 de Dezembro de 2000, deveria ser interpretado no sentido de que, em caso de alegada violagdo dos direitos de personalidade através de contetidos colocados em linha num sitio na Internet, a pessoa que se considerar lesada tem a faculdade de intentar uma ago fundada em responsabilidade extracontratual pela totalidade dos danos causados quer nos érgaos jurisdicionais do Estado-Membro do lugar onde se situa o estabelecimento da pessoa que emitiu esses contetidos, quer nos érgios jurisdicionais do Estado-Membro onde se encontra o centro dos interesses do lesado. Neste aresto, apés se transcreverem miltiplas passagens do anterior acérdio Fiona Shevill, Ixora Trading Inc, Chequepoint SARL c Chequepoint Internacional Ltd contra Presse Alliance, S.A., acima mencionado, discorre-se nos seguintes termos: (. 45. Todavia, como alegaram tanto os érgios jurisdicionais de reenvio como a maioria das partes e dos interessados que apresentaram observacées ao Tribunal de Justica, a colocagdo em linha de contetidos num sitio na Internet distingue-se da difusdo, circunscrita a um territério, de um meio de comunicagao impresso, na medida em que visa, em principio, a ubiquidade dos referidos contetidos. Estes podem ser consultados instantaneamente por um mimero indefinido de internautas em todo 0 mundo, independentemente de qualquer intengi&io da pessoa que os emitiu, relativa d sua consulta para além do seu Estado-Membro de estabelecimento e fora do seu controlo. 46. Afigura-se, portanto, que a Internet reduz a utilidade do critério relativo a difusdo, na medida em que o ambito da difusdo de contetidos colocados em linha é, em principio, universal. Além disso, nem sempre é possivel, no plano técnico, quantificar essa difusdio com certeza fiabilidade relativamente a um Estado-Membro em particular, nem, por conseguinte, avaliar 0 dano exclusivamente causado nesse Estado- Membro. 47. As dificuldades de aplicagao, no contexto da Internet, do referido critério da materializagao do dano decorrente do acérdao Shevill, jé referido, contrastam, como o advogado-geral salientou no n.° 56 das suas concludes, com a gravidade da les&o que possa vir a sofrer 0 titular de um direito de personalidade que constata que um contetdo que viola o referido direito esta disponivel em qualquer ponto do globo. 48. Hé, portanto, que adaptar os critérios de conexao recordados non. ° 42 do presente acérdao no sentido de que a vitima de uma violagé&io de um direito de personalidade através da Internet pode intentar, em funcdo do lugar da materializagao do dano causado na Unido Juropeia pela referida violacdo, uma ado num foro a respeito da integralidade desse dano. Tendo em conta que o impacto de um contetido colocado em linha sobre os direitos de personalidade de uma pessoa pode ser mais bem apreciado pelo érgao jurisdicional do lugar onde a pretensa vitima tem o centro dos seus interesses, a atribuigao de competéncia a esse drgao jurisdicional corresponde ao objetivo de boa administragdo da justica recordado no n.° 40 do presente acérdao. 49. O lugar onde uma pessoa tem 0 centro dos seus interesses corresponde em geral a sua residéncia habitual. Todavia, uma pessoa pode ter o centro dos seus interesses igualmente num Estado-Membro onde néio reside habitualmente, na medida em que outros indicios, como o exercicio de uma actividade profissional, podem estabelecer a existéncia de um nexo particularmente estreito com esse Estado. 50. A competéncia do érgdo jurisdicional do lugar onde a pretensa vitima tem o centro dos seus interesses 6 conforme ao objetivo de previsibilidade das regras de competéncia (v. acérdéo de 12 de Maio de 2011, BVG, C-144/10, ainda nao publicado na Coletanea, n.° 33), igualmente a respeito do demandado, dado que a pessoa que emite o contetido danoso esta, no momento da colocagao em linha desse contetido, em condicées de conhecer os centros de interesses das pessoas que sto objeto deste. Deve, portanto, considerar-se que 0 critério do centro de interesses permite simultaneamente ao demandante identificar facilmente o érgao jurisdicional a que se pode dirigir e ao demandado prever razoavelmente o drgao jurisdicional no qual pode ser demandado (v. acérdéo de 23 de Abril de 2009, Falco Privatstiftung e Rabitsch, C-533/07, Colect., p. I-3327, n.° 22 jurisprudéncia referida). 51. Por outro lado, em vez de uma agdo fundada em responsabilidade pela totalidade do dano, 0 critério da materializacao do dano decorrente do acérdao Shevill, jé referido, confere competéncia aos érgdos jurisdicionais de cada Estado-Membro em cujo territério um contetido colocado em linha esteja ou tenha estado acessivel. Este: competentes para conhecer apenas do dano causado no territério do Estado-Membro do érgéo jurisdicional em que a acéo foi intentada. O) Mais tarde, no Acérdao de 17.10.2017, Bolagsupplysningen OU e Ingrid IIsjan contra Svensk Handel AB[6], relativamente a propositura de uma ago de responsabilidade civil pela publicagéio numa pagina da Internet de dados incorretos ¢ comentarios difamatérios sobre uma sociedade comercial esténia, entendeu-se que 0 artigo 7.° ponto 2, do Regulamento (UE) n.° 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Consetho, de 12 de dezembro de 2012, deveria ser interpretado no sentido de que uma pessoa coletiva que alega que os seus direitos de personalidade foram violados pela publicagao de dados incorretos a seu respeito na Internet e pela nao supressio de comentarios a ela relativos pode intentar uma ago destinada a obter a retificaco desses dados, a supresso desses comentarios ¢ a reparago da totalidade do dano softido nos tribunais do Estado-Membro no qual se situa 0 seu centro de interesses. Neste aresto, apés se transcreverem miltiplas passagens do acérdio antes mencionado, acrescenta-se: (2) 32. No contexto especifico da Internet, 0 Tribunal de Justica declarou, contudo, num processo relativo a uma pessoa singular, que, em caso de alegada violagdo dos direitos de personalidade através de contetdos colocados em linha num sitio Internet, a pessoa que se considerar lesada tem a faculdade de intentar uma agao fundada em responsabilidade pela totalidade dos danos causados nos drgaos jurisdicionais do Estado-Membro onde se encontra o centro dos seus interesses (acdrdao de 25 de outubro de 2011, eDate Advertising, C- 509/09 e C-161/10, EU:C:2011:685, n.° 52). 33. Quanto a esses contetidos, a alegada violacao é, com efeito, geralmente sentida mais intensamente no centro de interesses da pessoa visada, tendo em conta a reputacao de que goza nesse local. Assim, 0 critério do «centro de interesses da vitima» traduz o local onde, em principio, o dano causado por um contetido em linha se materializa, na aceeao do artigo 7.°, ponto 2, do Regulamento n.° 1215/2012, de modo mais significativo. (a) Finalmente, no recente Acordao de 21-12-2021, Gtflix Tv contra DR[17], relativamente propositura de uma ago de responsabilidade civil pela publicagdo em sitios e foruns Internet de afirmagdes depreciativas da sociedade Gtflix Tv que se dedica a produgao e difusdo de contetidos audiovisuais para adultos, voltou a ser reafirmada a jurisprudéncia dos acérdios anteriormente mencionados, com transcrigdo das suas passagens mais relevantes, pronunciando-se no sentido que a ago indemnizatéria poderd sempre ser proposta nos érgios jurisdicionais de cada Estado-membro onde aquelas afirmagdes depreciativas tenham estado acessiveis ao publico, mesmo que esses érgios nao sejam competentes para conhecer dos pedidos de retificagdo ¢ supressio desses conteiidos. 4. A aplicago ao caso concreto Na resolugo da questo que € colocada neste recurso, designadamente na aplicagao do critério da causalidade constante do artigo 62.°, b), do Cédigo de Processo Civil, iremos seguir de perto a linha definida por esta jurisprudéncia, nao sé porque a isso aconselha a preservagao da coeréncia ¢ harmonia do nosso ordenamento juridico, mas também porque reconhecemos nessa linha um equilibrio ponderado da valorizagao dos critérios a adotar na determinag&o do(s) tribunal(ais) que se encontra(m) em melhores condigdes para admin trar a justiga, numa situagdo de violagio de direitos de personalidade através de meios de divulgagao global. Note-se que a valorizagao do local onde se situa 0 centro de interesses do lesado, como um dos elementos de conexdo que poder determinar a competéncia internacional dos tribunais desse pais, nfo significa que se despreze o denominado centro de gravidade do conflito, uma vez que a aplicago daquele critério poderd ser afastada sempre que se verifique que a dimensio dos danos localizados no pais do foro é diminuta, nao sendo ai que previsivelmente se encontra um niimero significativo das provas dos factos que fundamentam a pretendida responsabilizagao. O facto daquela jurisprudéncia se debrugar, na maioria das situagée sobre violagées de direitos de personalidade, através da Internet, nado desaconselha a sua transposigio para o presente caso, em que o instrumento da ofensa a esses direitos so videojogos mundialmente comercializados, em larga escala, uma vez que também a exposigdo dos seus contetidos se carateriza pela ubiquidade, nao tendo uma divulgagao circunscrita a um territério. Eles so visionados e operados por um numero indefinido de jogadores, espalhados por todo o mundo, fora de qualquer controle do seu produtor, pelo que as ponderagdes efetuadas pelo TJUE, tendo em consideragdo a divulgagéo mundial de contetidos ofensivos dos direitos de personalidade pela Internet, sGo aplicaveis a este caso. Relembre-se que, na presente ago, o Autor fundamenta o pedido indemnizatério, por responsabilidade extracontratual, na violagao dos seus direitos de personalidade ao nome e a imagem, no facto de um “seu avatar” ser um dos muitos protagonistas dos videojogos mundialmente comercializados ... ¢ ..., 2011, 2012, 2013 e 2014, produzidos pela Ré, sem que tenha dado autorizacao para que o seu nome e imagem fossem utilizados, invocando como danos a ressarcir a exposigao publica ndo autorizada do seu nome ¢ imagem sem qualquer contrapartida, a influéncia negativa que a invengo dos seus atributos fisicos e técnicos naqueles jogos poder ter na sua vida profissional e pessoal ¢ os estados psicolégicos de perturbagio, desgosto, tristeza revolta que aquela utilizagao no autorizada lhe provocou. Na versio apresentada na petico inicial, esses videojogos foram produzidos nos Estados Unidos da América (no Estado da California) ¢ foram e sao comercializados e difundidos por todo o mundo por empresas “subsididrias” da Ré, (destacando-se na Europa a E... SARL que assume a responsabilidade pela venda dos produtos perante todos os consumidores nao residentes nos . &...), tendo o Autor domicilio em Portugal e jogado profissionalmente desde 2003-2004 até aos dias de hoje em chubes portugueses, com excegiio das épocas de 2013/2014 ¢ 2014/2015, em que jogou no ..., na... Antes de iniciarmos a verificagao da relevancia dos diversos elementos de conexo, convém frisar que, consoante ja afirmava Manuel de Andrade [18], citando o processualista italiano Enrico Redenti, a competéncia internacional afere-se pelo quid disputatum, isto ¢, pelos termos como 0 autor configura a relagdo juridica controvertida, ¢ nao, pelo que, mais tarde, serd o quid decisum. Conforme j4 acima tinhamos concluido, dado estarmos perante uma agdo com uma causa de pedir complexa, do ponto de vista da competéncia jurisdicional, nos termos do artigo 62.°, b), do Cédigo de Processo Civil, podem constituir eritérios de vinculagdo quer o lugar do evento causal, quer o lugar onde o dano se materializou, podendo cada um deles, segundo as circunstancias, revelar-se especialmente ttil, do ponto de vista da prova e da organizagao do proceso, para se determinar qual é o tribunal ou tribunais que se encontram em melhores condigdes para proferir uma decisdo de mérito informada Relativamente ao lugar onde ocorreu a ago causal do dano, hd que ter em consideragdo, que a agdo violadora do direito ao nome e A imagem, através de um contetdo divulgado de forma difusa por todo o mundo, compreende nao s6 a produgo dos videojogos em causa, processo em que se inclui o nome e se representa a imagem num determinado suporte fisico ou digital, mas também a sua exposigao piiblica através da comercializagao mundial generalizada desses suportes [19]. Apesar de na petic&o inicial se dizer que essa comercializagao era efetuada por empresas “subsididrias” da Ré, designadamente por E... SARL, que assumia a responsabilidade pela venda dos produtos perante todos os consumidores nao residentes nos ...,... € .... ndio deixa o Autor de imputar a divulgagao pablica apenas a Ré, responsabilizando-a por todos os danos resultantes desses atos. Nao devendo, neste momento, efetuar-se qualquer juizo sobre a imputabilidade da ago ilicita alegada pelo Autor para dele retirar a competéncia do tribunal, hd que apenas relevar a perspetiva do Autor, apresentada na petig&o inicial, de que a Ré é a responsavel pela produgio, langamento no mercado e divulgagio por todo © mundo dos videojogos ... € .. Assim, a agdo causal imputada a Ré, pelo Autor, nesta agdo, ocorre jalmente nos Estados Unidos da América (a produgao dos videojogos) e desenvolve-se, posteriormente, em todo o mundo (a comercializagao dos videojogos), uma vez que a lesio deste tipo de bens de personalidade ocorre com a divulgagdo publica nao autorizada do nome e da imagem do lesado[20]. ini Coisa diferente da lesio destes direitos de personalidade, sto os danos que dela terZo resultado na versio apresentada pelo Autor. Se a ago lesiva dos direitos do Autor se inicia, mas nao se completa com a produgiio dos videojogos contendo o nome e a imagem do Autor sem 0 seu consentimente, ja, os danos, ou seja, as consequéncias negativas para o lesado que resultaram dessa ago causal poderio ou nao ocorrer no mesmo lugar em que essa agdo teve lugar [21]. E sobretudo neste ponto que nos afastamos da tese do acérdao recorrido e dos demais acérdios da Relaco acima referenciados na nota 1. Os danos na ofensa aos direitos de personalidade ao nome & imagem sio realidades distintas do ato lesivo e claramente diferenciadas quando este ¢ apenas resumido a atividade criadora do suporte que contém 0 contetido lesivo, nao se considerando a atividade de divulgagao pubica generalizada, Quanto ao lugar onde os danos invocados pelo Autor se verificaram, revelando-se uma tarefa impossivel avaliar com certeza ¢ fiabilidade os danos causados em cada um dos paises onde 0 contetido que utilizava 0 seu nome e imagem foi exposto, deve seguit-se o critério apontado pela jurisprudéncia do TIUE, segundo o qual, em principio, o impacto da violagio dos direitos de personalidade que ocorrem nestas circunstancias verifica-se predominantemente no Estado onde a vitima tem o scu centro de interesses, ai se encontrando a maioria das provas dos prejuizos sofridos, pelo que a atribuigdo de competéncia aos tribunais desse pais para apreciar a integralidade dos prejuizos sof atisfaz 0 objetivo da boa administragdo da justiga. idos Nos casos em que os danos se prolongam no tempo ¢ 0 centro de interesses do lesado vai variando ao longo desse tempo, localizando-se em diferentes Estados, a ago em que se reclame o pagamento de uma indemnizago desses danos poder ser intentada em qualquer uma das jurisdigdes desses Estados, desde que se verifique um elo suficientemente forte entre a causa ¢ o foro escolhido para fundamentar a competéncia internacional dos seus tribunais, evitando-se, com esta restrigdo, os inconvenientes do denominado forum shopping. Na presente ago, durante os anos em que o Autor situa a violagdo do direito ao seu nome e imagem (desde finais de 2009, pelo ... e finais de 2018, pelo ...), com excegao das épocas desportivas de 2013/2014 e 2014/2015, que o Autor jogou numa equipa romena, o seu centro de interesses localizava-se em Portugal, uma vez que foi ai que o Autor praticou, profissionalmente, a sua atividade desportiva. Esta lovalizagdo presumida dos danos pelos quais 0 Autor responsabiliza a Ré & confirmada pelo tipo de danos diretos, e ndo meramente reflexos, alegados na petigdo inicial. Foi em Portugal que a utilizagio do seu nome e imagem poder’ ter influido na comercializagao dos referidos videojogos, uma vez que foi, predominantemente, nas competigdes desportivas portuguesas que 0 Autor interveio como jogador profissional; foi em Portugal que se poderd ter refletido a influéncia negativa provocada pela invengiio dos seus atributos fisicos e técnicos naqueles videojogos, prejudicando a sua vida profissional e pessoal, uma vez que foi ai que o Autor, predominantemente, desenvolveu a sua atividade profissional e viveu; ¢ foi em Portugal que o Autor poderd ter experienciado a alegada perturbacdo, desgosto, tristeza ¢ revolta que a utilizagdo do seu nome e imagem nao autorizada Ihe terdo provocado, pois foi ai que o Autor, com excegao das épocas de 2013/2014 e 2014/2015, se encontrava. Estando o centro de interesses do Autor predominantemente localizado em Portugal desde 0 momento em que este situa o inicio da violagao dos scus direitos de personalidade ao nome c & imagem (finais de 2009, relativamente ao ... ¢ finais de 2018, relativamente ao ...), tendo sido ai que terdo ocorrido os danos invocados pelo Autor, no hd razdes para que, a coberto do critério da causalidade admitido pelo artigo 62.°, b), do Cédigo de Processo Civil, ndo se considerem os tribunais portugueses competentes para julgar esta agdio, uma vez que, estando nés, perante uma causa de pedir complexa, os danos alegados terdo ocorrido predominantemente em Portugal, pelo que sera no nosso pais que se encontrar um significative acervo das provas a produzir com vista a realizago da justiga. Esta conclusdo no constitui de forma alguma o reconhecimento de uma competéncia exorbitante, uma vez que releva uma conexdo suficientemente forte entre 0 caso eo Estado Portugués, justificativa da intervengdo dos seus tribunais, assim como nfo fere qualquer interesse legitimo da empresa demandada, uma vez que, atenta a comercializagdo global dos videojogos por si produzidos, expetdvel que possam ocorrer litigios com eles relacionados em qualquer parte do globo, em que sejam chamados a intervir os drgdos jurisdicionais locais, além de que a sua estrutura organizacional, atenta a sua dimensio, sempre Ihe permitird, sem excessivas dificuldades, produzir as provas que entenda necessarias em Portugal. Por estas razdes, deve o recurso interposto ser acolhido, reconhecendo- se competéncia aos tribunais portugueses para julgarem a presente ago, nos termos do artigo 62.°, b), do Cédigo de Processo Civil.». Subscrevemos, sem reservas, a orientagdo fixada neste aresto (que foi também seguida nos acérdios deste Supremo Tribunal de 7 de Junho de 2022, proferidos nos processos n.° 24974/19.9T8LSB.L1.S1 € 4157/20.6T8STB.E1.S1), faltando apenas determinar quais as consequéncias da sua aplicagiio ao caso sub judice. Com efeito, se os factos alegados — integradores da causa de pedir — relativos 4 R. e & sua conduta coincidem essencialmente com a factualidade alegada na acco que culminou no acérdiio de 24 de Maio de 2022, supra transcrito, j4 os factos alegados a respeito da situagio do A. da presente acgdo revestem algumas especificidades. A tal respeito, em sede de petigao inicial, o A. alegou o seguinte: 3.° O Autor é um jogador de futebol Portugués, nascido .../../1 987 no 4.° Actualmente representa 0... 5.2 Autor mantém jé uma longa carreira como jogador de futebol profissional, sobejamente conhecido no meio do futebol, tendo exercido a sua profissio, maioritariamente, em clubes portugueses, dedicando-se inteiramente & pratica desportiva do futebol, com a qual sempre se sustentou a sie a sua familia 6.° Na qualidade de jogador profissional de futebol, como é normal, 0 Autor conta com a exposigo piblica da sua imagem, tanto nos espectaculos desportivos, como fora deles, em participagdes televisivas, de radiodifusio, meios virtuais ete 72 Cabe mencionar que o Autor actuou até ao presente, em mais de 300 partidas oficiais como profissional e sempre sc destacou na posigao de , como é conhecido internacionalmente, tendo actuado no (Portugal), ... (Portugal), ... (Portugal), ... (..)s so Goods so Goods ee (ods entre outros, algo detalhado em pormenor, tal como as competigdes em que participou e o seu palmarés, em paginas de internet da especialidade, demonstrando a notoriedade do Autor, representadas no Documento 1 1. 8.° 0 Autor actuou pela Selecs%io Nacional de Futebol nas categorias sub-16, sub-19 e sub-20 tendo representado Portugal por 7 (sete) vezes, em varios torneios por todo o mundo, alcangando, também dessa forma, bastante notoriedade internacional. (idem cfr. Doc. 1) 9.° Conforme resulta, também, desse Doc.1, 0 Autor esteve vinculado aos seguintes clubes ¢ nas seguintes épocas: 2019/20 2018/19 2017/18 2016/17 2015/16 2014/15 Portugal ..[B] Portugal 2013/14... 2012/13... 2011/12... 2010/11 2009/10 ... Portugal 2008/09 ... Portugal 2007/08 we Portugal 2006/07 ae Portugal 2005/06 we Portugal 11.° 0 Autor teve conhecimento que a sua imagem, o seu nome e as suas caracteristicas pessoais e profissionais foram e continuam a ser utilizados nos jogos denominados ... (também com as designagées ... ou ...), nas edigdes 2009, 2010, 2015 ¢ 2020; ..., nas edigdes 2009, 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014, ... nas edigdes 2010, 2015 2020 e ... na edigo de 2020; todos propriedade da Ré. 103.° Dessa forma, a Ré, agiu (e age) ilegalmente ao explorar a imagem e nome do Autor, atleta famoso, ao comercializar os jogos para consolas (aparetho de jogos de video), ou aplicativos, actualizagées, etc. em todo © mundo, obtendo lucros astronémicos com a venda dos mesmos. 104.° Estamos, pois, perante um dano causado ao Autor, pela violagao do seu dircito & imagem e ao nome. 180.° Por outro lado, © Autor viu a sua imagem corporal ser retratada, 0 seu nome e as suas caracteristicas fisicas e pessoais, serem divulgados sem o seu consentimento, em milhdes de jogos comercializados pela Ré Temos, pois, que, com relevaneia para a questo em apreciagao, para além de indicar ter residéncia em Portugal, 0 A. alegou: - Que a violagdo dos direitos de personalidade do A. se iniciou no ano 2009 e perdura a data da propositura da acgao; - Que entre o ano 2009 e a data da propositura da acgdo 0 A. jogou em clubes de futebol de diferentes paises europeus (por ordem cronolégica: Portugal, .-, Hovamente Portugal, .. ...). Constata-se, assim, que, no caso dos autos, e diversamente do que sucedia no caso subjacente ao acérdao de 24 de Maio de 2022 (como, aliés, nos casos subjacentes aos, supra referidos, acérdios de 7 de Junho de 2022, proferidos nos processos n.° 24974/19.9T8LSB.L1.S1 € n° 4147/20.6T8STB.EI.S1), na interpretagao do art. 62.°, alinea b), do Cédigo de Processo Civil, nao é possivel seguir-se o critério segundo 0 qual, em principio, o impacto da violagdo dos direitos de personalidade em situagdes em que o lesado desenvolveu a sua actividade e viveu em diversos paises se verifica no Estado onde a vitima tem 0 seu centro de interesses predominante, uma vez que, entre os diferentes paises indicados no artigo 9.° da p.i., nao é possivel identificar um que seja entre todos prevalecente e, portanto, ndo é possivel identificar a existéncia de um centro de interesses predominante do A.. Deste modo, afigura-se necessario recorrer ao critério supletivo, assim enunciado pelo acérdio de 24 de Maio de 2022 para situagdes como a dos presentes autos: «Nos casos em que os danos se prolongam no tempo ¢ 0 centro de interesses do lesado vai variando ao longo desse tempo, localizando-se em diferentes Estados, a aco em que se reclame 0 pagamento de uma indemnizacéo desses danos poderd ser intentada em qualquer uma das jurisdicbes desses Estados, desde que se verifique um elo suficientemente forte entre a causa eo foro escothido para fundamentar a competéncia internacional dos seus tribunais, evitando-se, com esta restrigao, os inconvenientes do denominado forum shopping.». Procurando aplicar este critério ao caso dos autos, temos que, ao longo do periodo de tempo a que se reporta a alegada lesio dos seus direitos de personalidade, o A. foi passando por diversos paises, mas nem todos se afiguram elegiveis como elemento de conexo. Na verdade, duas curtas estadas intercaladas na ... e uma na ... ndo constituem um factor de conexdo relevante com qualquer desses Estados; j4 nos restantes paises onde o A. exerceu a sua actividade profissional (Portugal 1 € ..) temos estadas de duraco superior e tendencialmente equivalente (entre um ano e meio e dois anos e meio), o que permite considerar qualquer uma dessas estadas como factor de conexo relevante, podendo o A. eleger a jurisdigao de qualquer desses paises. Assim, ao interpor a presente ac¢ao nos tribunais portugueses, optouo A. por uma das jurisdigdes nas quais os danos terdo ocorrido, a qual, por corresponder a Estado em cujo territério, entre 2009 e a data da propositura da acgdo, o A. desenvolveu a sua actividade em dois periodos de tempo, ¢ no qual indicou ter residéncia, configura, no contexto concreto da factualidade alegada, um elo suficientemente intenso entre a acgo ¢ o foro escolhido, que, por isso mesmo, merece acolhimento. Nas palavras do acérdao de 24 de Maio de 2022, cuja fundamentagao vimos acompanhando, e ndo obstante — repita-se — as especificidades da factualidade alegada no caso ora em apreciagio, «esta conclusdo no constitui de forma alguma o reconhecimento de uma competéncia exorbitante, uma vez que releva uma conexéo suficientemente forte entre o caso e o Estado Portugués, justificativa da intervengdo dos seus tribunais, assim como ndo fere qualquer interesse legitimo da empresa demandada, uma vez que, atenta a comercializagao global dos videojogos por si produzidos, é expetavel que possam ocorrer litigios com eles relacionados em qualquer parte do globo, em que sejam chamados a intervir os 6rgdos jurisdicionais locais, além de que a sua estrutura organizacional, atenta a sua dimensdo, sempre the permitirad, sem excessivas dificuldades, produzir as provas que entenda necessdrias em Portugal». Conclui-se, assim, pela competéncia dos tribunais portugueses para julgarem a presente aco, nos termos do art. 62.”, alinea b), do Cédigo de Processo Civil. 8. Pelo exposto, julga-se 0 recurso procedente, revogando-se 0 acérdio recorrido, e julgando-se improcedente a excepgio da incompeténcia internacional do Juizo Central Civel de Coimbra, determinando-se o prosseguimento do processo. Custas na acgio pelo vencido, a final. Custas nesta revista e na precedente apelagao pela ré Lisboa, 23 de Junho de 2022

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