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|| Prof. Augusm Luiz Du-.1r[c Lopes Saunpaio
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Prof. Sergio Bruni
De'c'an0s
Prof. Paulo Fernando Carnciro dc A.ndradc (C'i'CH}
Prof. Luiz Roberto A. Cunha {CC5)
Prof. Luiz Alcncar Rcis da Silva Mello ICTC)
Prof. Hilton Augusto Koch (CCBSII
apicuri
Copyright © {la traclugio brasileira, 2015
Copyright @ Sage Publications l.td., 2013' SUMHIU
TlIfLl.lO original: Rqresenrariarz — Edized by Smart Hall, jesim Evan: and Sear: Nixrm
Todos us direitos reservados. Nenl-iurna parte desm cdigio pods ser 1.5 A linguagem dos semsiforos 49
rcprocluzicla — em qualqucr rncio ou Formula, scja mecinico ou eletronico. por fiorocépia, 1.6 Resumo 53
por gravaeéo etc. —, apropriada ou esrocada em siircerna de bancos de daclos sem a
expressa aurorizaeio das editoras.
Eire Zivmfiai rwmzdo scgunda 0 Amrdo Orrognfiiro afa Lingmz Portuguesa dc 1990, 2. O legado dc Saussure 57
qua mrrrm em vigor no Bmsil em 2009.
_ 2.1 A pane social da linguagem 61
Hall, Stuart 2.2 Critica ao modclo do Saussure 63
Culrura e represemaeio I Sruarr Hall: Organizaeao e Reviséo Técnica: Arthur ltuassu;
Tradugfio: Daniel Miranda e Wilfiam Olivcira — Rio dc Ianciro : Ed. PUC-Rio : Apicuri, 2016. 2.3 Resume 65
ZGU p. : ll. : Z1 cm
CDD: 306
4. Discurso, poder e 0 sujeito CAPlTU LO ll — O ESPETRCULO DO "OUTRO"
4.1 Da linguagem ao discurso
4.2 Historicizando 0 discurso: praticas cliscursivas I. lntroducio
4.3 Do discurso ao poclerlconhecimento 1.1 Heréis ou viloes?
4.4 Resumo: Foucault e representacao 1.2 Qua] a importanciacla “diferenca”?
4.5 Charcot e a performance da histeria
2. Racializando 0 “Outro”
5. Onde esté 0 “sujeito”? 2.1 O racismo como bem comercialz
5.1 Como captar 0 sentido de La: meninas, de Velazquez o Império e 0 mundo doméstico
5.2 O sujeito da/na representacéo 2.2 Enquanto isso, la nas grandes plantacées
2.3 Significando a “diFeren<;a” racial
6. Conclusio: representagio, sentido e
linguagem reconsiderados
3. A encenagio cla “diferenga” racial:
“e a melodia demorou-se...”
APRESENTAQKU
6. Concluséo 223
REFERENCIAS 228
Naquele momento, Stuart Hall obtinha destaqufi académlm S‘? cnvolvem essas duas ultimas cortentes. Como um construtivista,
pgrguntanclo como as imagcns que vemos constantcmente a [105- Smart Hall viu 0 “real” COIIIO uma “construcio social”, amplamente
53 vgllja nos ajudam a entender corno Funciona o mundo €lTl que marcada pela rnidia e suas imagens nas sociedades contemporimeas.
vivemos, como essas imagcns apresentam realidades, valorcs, iden- Como um teorico mais critico, procurou, por rneio de Foucault,
tidades, e o que podem acarrctar, isto é, qutffl gmhfl 9 qufim Pad‘? cntender como o poder se inserc, sc coloca ou que papel exerce nes-
com @135, quem ascende, qucm descende, quem é inclufdo c quern e se processo. lnsericlo em uma longa linha dc estudos que passa por
cxcluido, corno fica a situacio particular dos nfigros H5556 P1'°Cc?5°' Durkheim, Saussure, Barthes, Foucault e Derrida, Hall aprescnta
Com tal arcabougo dc questoes, Hall tomou seu lugar nfl tf=1d1§51° uma nocao de representagao como um ato criativo, que se refers ao
dos estudos que analisam os cfeitos da midia nas sociedadcs e COIISEEIUI que as pessoas pensam sobrc 0 mundo, sobre 0 que “sic” nesse mun-
o que chamou de politics oftbe image, uma “politifil dfl imagcm ' 05 do e que mundo é esse, sobre a qual as pessoas estao se teferindo,
qucstionamentos e as disputafi 505"? 0 clue 3 imz‘-‘gem rel?rc5.mm' rtansforrnando essas “tepresentaqées” em objeto dc anélise crftica e
Afinal, um dos efeitos claros dos aparatos midiéticos é constltulr um cientifica do “real”.
espago autonomo (em boa parte imagético) dc v1s1b1l1dade_ publ1Ca Assim, e com base na “critica imanente” adorniana, Stuart Hall
(Gomes, 2004), ondc politicos, atores, jogadores, celebrldadfi B sugere 0 “interrogatério da imagem”, um exame, um qucstionamento
até mcsmo instituigoes ascendem e descendem, nascfim 6 lT101T¢m- da c a imagem, sobrc os valores conticlos na imagcm e afém dela.
muitas vezes de maneira bastante veloz. A perspectiva parte do pressuposto de quc vivemos hoje imersos
Nessa contcxto, Stuart Hall procurou entendet o papel da roidia no mundo das imagens, asfis/1 in the water — tomando emprestada
nas sociedadcs, posicionando os estudos culturais corrno uma eplsfe; a ftase de Marshall McLuhan (1971). Kantianamente, os estudos
mologia nao positivista para os media qfecrs e tendo a ret:’r65¢flta§a° culturais dc Stuart Hall procuravarn sair da zigua e olhar 0 mundo
como seu conceito central. Uma nogio de “represeftaoio L Hf ¢"f3I1' do alto, para examinar o contcudo da aigua.
to, quc se afasta da visio comum (metaFfsiCfll d5 reflex“ = virdade Por esse viés, somos seres entreimagem e cada vez mais mtrezl
pot correspondéncia”, que inforrna a ciéncia nloderoa COIHO C0111" magem, do pos-gucrra industrial as Forrnas diucerenciadas das midias
P1-ovagio positiva da verdade” ou “positivismo (.Ol1jwa, 2011), e se sociais co nternporfincas. Absorvemos corriq ueiramen tc uma séric de
aproxima de uma perspcctiva rnais ativa e constitutlva aobre 0 ato imagens a nossa volta, “como peixcs na égua”, imagens estas quc sao
representativo, nos processos dc construgio social da reahdade, - objetos dc disputa do mundo representado - a politica da irnagem, a
Nessa senrjdo, Hall estai ligado as epistemologias I150 P°51?“T15ta5 disputa do sentido. Para Stuart Hall, a mfdia produz amplos efcitos
informadas pela hcm1enéutica(Gadamer, 1998), pelo construt1vism0 na socicdade, relacionados a um dcterminado tipo dc poder que se
social (Berger e Luckmann, 2010) e pela teoria ctitica (l"lal16rII13S, cxerce no processo de administragao da visibilidade publica midiati-
1991; Kcllnet, 1995; 2009), especialmemc "05 °‘"““‘“"‘°S ‘1“° co-irnagética. Com isso, sua critica o leva £1 busca pela emancipagao,
por meio do questionarnento da irnagem.
* Algumas rcfizréncias new: tema sin: Lippmann, 2015; D9“"¢Y» 1934* Bafllgfis‘ 1199;?‘ Em relacéo a esse posicionamento, no cntanto, vale lembrar que,
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l 1011; Md.u.'nan. l‘J?l; cm». 1939; l-Iabctmas. 1991. Kellner. 10°‘, ~
se somos seres entreimagem, somos também sores enhwextos, diaria-
Mccombs. Z004.
12 _ CULTURQEREPRESENTAQQO ] STUART HALL APRESENTAQRO __ ‘I3
rnente bornbardeados pot iettas e palavras das mais diferenciadas, da Cultura, a partir dc urna nocao especifica dc represcntacio. Na
objetos valiosos para as rnetodologias dc anélisc dc discurso e de Introducao, que acornpanha os dois textos principals posteriores,
conteudo, hoje apoiadas por urna série dc sofiwares para amostras Hall Fa: ulna contextualizacao rnais arnpla do seu pensamento, em
contabilizadas ern milhoes de tweets (Vargo ct 21., 2014). relacéo as discussoes sobre o sentido da cultura. No prirneiro capi-
Alérn disso, é preciso atentar para quc a rejeicao ao positivisrno, tulo, “O papel da representacao”, Hall sistematiza sua teoria a partir
como posicionarncnto episremologico, nao signifique urna posicao dos trabalhos de Saussure, Barthes e Foucault, aprcsenta excrnplos
nao metodologica, que Stuart Hall provavelmcnte nao aprovaria. e dialoga corn o leitor sobre irnagcns do nosso arquivo social. No
Afinal, ha hoje uma enorme gama de rnetodologias disponiveis no segundo texto, “O espetaculo do ‘Outrom, esta sua pesquisa sobre
rnundo epistetnolégico nao positivista, como as anzilises de conteudo irnagens do negro produzidas na cultura britanica, desde aquelas que
e de discurso, ja mencionadas, analises dc sentimento, etnografias e acompanhavam os produtos do capitalismo colonizador na Africa as
observacoes de todos os tipos, bem como entrevistas, grupos focais, representacoes académicas e da inrelectualidade britanica, nos seus
para cnumerar apenas alguns dos mérodos qualitativos classicos. A primeiros contatos com o negro. O autor também discute, nesse
opcao cpistemologica nao deve, ou nao dcveria, ser vista como um texto, o negro na publicidade e no cinema moderno, bem como as
descarte do método, que especifica a linguagem cientifica. possibilidades de uma “politica da imagem”, fazendo referéncia a
Finalmente, com relacéo ao cornentario de jarnes Carey, que nornes como o dc Spike Lee.
inicia esta apresentacao, trata-se do ponto que basicamente difcren- Nao ha dtividas, a virada epistcmolégica e 0 rornpimento com
cia os estudos culturais americanos dos europcus, especialmcnte os a nocao rnetarisica de “reprcsentacao” possibilitaram outras percep-
britanicos. Stuart Hall Foi um académico negro, vindo da Jamaica, coes da pratica representativa, que ganha assim um carater forte-
que analisou criticarncnte a representacao do negro nas imagens do rnente “constitutive”, como sugere Hall. Nesse mornento, a repre-
capitalismo e do irnpcrialisrno britanico. Nesse contexto, nao ha du- senracao surge como “representacao politica” que, em seu ato dc
vidas de que a qucstao da “emancipacao”, bastante cara a perspectiva rcpresentar, constitui nao somente a identidadc, mas a propria qua-
critica, ganha a dcvida irnportancia. lidade existencial, ou “realidade” [ontologia), da comunidade poli-
Para james Carey, no entanto, e para os pragmaricos em geral, tica, scndo reprcsentada em seus valores, intercsses, posicionan1en-
nem toda cornunicacio deve ser vista como forma de opressao ou ros, prioridadcs, com seus rnernbros (c nao membros), suas regras e
dominacao, que deve scr desvclada para que os oprimidos e domina- instituigoes. Nesse contexto, da “reprcsentacao como poiitica”, nao
dos possam ver a luz, emancipados pela razao. Ha comunicagao para ter voz on nao se ver representado pode significar nada menos que
todos os gostos e, por isso rnesmo, a cmpiria se torna tao irnportante opressao existencial.
para os pragrnaticos, dc Inodo quc a partir deia se possa relletir sobre
o contexto no qual cada objcto dc analise especifico se insere. Entrc
o construtivismo e a teoria critica, por que nao ficar corn os dois?
Assirn, o leitor tcm ern rnaos neste livro rres textos fi.lnCiEllT1{:n—
tais dc Stuart Hail, nos quais o autor desenvolve sua analise politica
4-uv
I l O CIRCUITO DA CULTURA “Culrura” é um dos conceitos rnais cornplexos das ciéncias hu-
manas e sociais, e ha varias rnaneiras cle precisa-lo. Nas definicoes
tradicionais do termo, “culrura” é vista como algo que engloba
\-\
/' \. “o que dc rnelhor foi pensado c dito” nurna socicdadc. B o soma-
/ \\ torio das grandes ideias, como representadas em obras classicas da
2-----~"~e-L-
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corn um sentido rnais moderno, é o uso do termo “cultura” para se
II
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l ,-I rcferir as Formas arnplamenre disrribuidas de musica popular, publi-
Ill _/
If \__
\\ cacoes, arte, design e literatura, ou atividades de iazer e er1treteni-
-_7¢___ \\
mento, que cornpoeru o cotidiano da maioria das “pessoas comuns”.
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uso de signos e sirnbolos - sejam eles sonoros, escritos, imagens ele- veio a ser conhecido como a definigao “antropologica”. Por outro
tronicas, notas musicais e are objetos — para significar ou represen- lado, a palavra também passou a ser utilizada para descrever os “va-
tar para outros individuos nossos conceitos, ideias e sentirnentos. lores cornpartilhados” de um grupo ou de uma-sociedade — o que de
A iinguagem é um dos “meios” através do qual pensarnentos, ideias certo modo se assernelha a definicao antropolégica, mas com uma
e sentimentos sao representados numa culn1ra.A representacao pela énfase sociologica maior. No decorrer deste livro, o leitor encontraré
linguagcrn é, portanto, essencial aos processos pelos quais os signifi- evidéncias de todos esses significados. Entretanto, como o proprio
cados sao produzidos — e é esta a ideia primordial e subjacente que titulo do iivro sugere, o terrno “cultura” sera geralmente utilizado
sustenta este livro. Cada urn dos capitulos subsequentes exarnina aqui de uma forrna diferente, rnais especifica.
p uca e circ
a“rod'o acao e sent:‘do pot meio
'ul‘d- a inguagern” , ern
'd1' A importiincia do rmrido para a definicao de cultura recebeu
relacao a diversos exemplos e diversas areas dc pratica social. juntos, énfase pot aquilo que passou a ser charnado dc “virada cultural”
esses textos avancam e desenvolvem nossa compreensao de como a nas ciéncias hurnanas e sociais, sobretudo nos estudos culturais
representacao realrnente fimciona. e na sociologia da cultura. Argumcnta—se que cultura nao é tanto
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INTRDDUCEO _ 21
M\ 20 _ CULTURA EREPRESENTEQQO I STUKRT HALL
um cu nj1.u"u:0 de coisas — romances e pinturas ou programas dc Tv e certo contexts dc uso e do que as filésofos chamaln de cliferentes
histérias em quadrinhos -, mas sirn um conjunto de préticas. Basi- “jogos de Linguagem” (a saber, a Linguagem das fronteiras, a lingua-
camente, 2. cultura diz respeito in produgio e ao intercfunbio de sen- gern das esculturas, e assim por diante).
ticlos — 0 “compartilhamento dc significados” — entre os membros Em parte, nés clzunos significados a objetos, pessoas c eventos
de um grupo ou sociedade. Afirmar que elois indivfduos pertencern por meio de paradigrnas de interpretagio que Ievamos a eles. Em
£1 mesma cultura equivale a dizer que eles hlterpretarn 0 mundo cle parre, damos sentido is coisas pelo modo como as utilizamos ou as
maneira sernelhante e podem expressar seus pensamentos e senti- integrarnos em nossas prénicas coridianas. E 0 uso que fazemos cle
mentos de forma que urn compreenda 0 outro. Assim, a culrura uma pjlha de tijolos com argamassa que faz disso uma “casa”; e 0
depende de que seus participames interpretem 0 que acontece ao que semimos, pensamos ou dizemos a respeito dela é 0 que faz dessa
seu redor e “deem sentido” is coisas de forma semelhante. “casa” um “lat”. Em outra parte aincla, nés concedemos sentido is
Este Foco em “significados compaxtilhados” pode, algumas ve- coisas pela maneira como as representamos - as palavras que usamos
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zes, fazer a culrura soar demasiaclo unitéria e cogniniva. Porém, em para nos referir a elas, as histérias que nzuramos a seu respeito, as
tocla cultura hi sempre uma grande diversidade de significados a Imagens que delas criamos, as emogées que associamos a elas, as
respeito dc qualquer tema e mais de uma maneira de representé-lo maneiras como as classificamos e conceituamos, enfim, os valores
ou intcrpretzi-lo. Alérn disso, a cultura se relaciona a sentimentos, a que nelas embutimos.
emogées, a um sense de pertencimento, bem como a conceitos e a A cultura, podemos dizer, estzi envolvida em todas essas praiticas
ideias. A expresszio no meu rosto pode até “revelar alga” sabre qucm que nio sin geneticamente programadas em nés (diferentemente
eu sou (identidade), 0 que estou sentindo (emogées) e de que grupo do movimento involunnirio do joelho ao ser eseimulado por um
sinto fazer parts [pertencimento). Ela pode ser “lida” e compreen- martelo), mas que caxregam sentido e valores para nés, que precisam
dida pot outros individuos rncsmo que cu nfio tenha a intenqéo de- ser :z;gn{firativamente interpretadas por outros, ou que dependem do
Liberada de oomunicar algo formal como “uma rnensagem”, e ainda Imtida para seu efetivo fimcionamento. A cultura, desse modo, per-
que 0 outro sujeito néo consiga perccber dc maneira muito légica meia toda a sociedade. Ela é 0 que diferencia 0 elements “hurnano”
como chegou a entender 0 que eu estava “din-ndo”. Aci ma de tudo, I12 vida social claquilo que é biologicamente direcionado. NESSE sen-
0s significados culturais n:T10 cstéo somentc na nossa cabega -— eies tido, 0 estudo da cultura ressalta 0 papel Fundamental do domfnio
org:-mizam e regulam préticas sociais, infiuenciam nossa conduta e simbdlira no centre da vida em sociedade.
consequenterneme gerarn efeiros reais e préticos. Mas onde 0 sentido é produzidn? Nosso “circuito da cultura"
A énfase nas préticas culturais é imporrante. S510 0s participantcs indica que sentidos sin. de fiito, elaborados em diferentes éreas e
de uma cultura que clio sentido a indivfcluos, objetos e ac0n[eci- perpassados por vzirios processos ou prziticas (0 circuito cultural).
memos. As coisas “cm si” raramente —talvez nunca — térn um sig- O senrido é 0 que nos permite cultivar a nogjo dc nossa prépria
nificado (mice, fixo e inalterzivel. Mesmo alga 1:50 ébvio como uma identidade, de quem somos e :1 quem “pertencemos” — e, assim, ele
pedra pode ser somente uma rocha, um delimizador de fronteira cu Se relaciona a questées sobre como a culcura é usacla para resrringir
uma esculrura. depenclendo do que ela significa — isto é, dCI‘1[l'0 cle 0u mzmter :1 identiclade dentro do grupo e sabre a cliferenga entre
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grupos (o foco principal de Woodward, 2012). O sentido é cons- linguagern e da representacéo. Membros da mcsma culmra compar-
tantemenre elaboraclo e compartilhado em cada interacéo pessoal e cilham conjuntos de conceitos, imagens e ideias que lhes permirern
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|
social cla qual fazemos parte. De certa Forrna, este é o campo rnais
sentir, reflerir e, portanro, interpretar o mundo cle forrna sernelhan-
privilegiado — embora corn frequéncia o mais negligenciado — cla re. Eles devern cornparrilhar, em um sentido mais geral, os mesmos
J.
cultura e do significado. . “codjgos culrurais”. Deste modo, pensar e sentir sio ern si Inesmos
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O senrido é tarnbém procluzido em uma variedade de mfdias; “sistemas de representa<;:1o”, nos quais nossos conceitos, irnagens e
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|| especialmente, nos dias de hoje, na moderna rnfdia cle massa, nos emogoes “dao sentido a” ou representam - em nossa vida mental —
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I sistemas de cornunicagzio global, cle recnologia complexa, que fa- objetos que esrfio, ou poclem estar, “Ia fora” no mundo.
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.|. , zem sentidos circularem entre diferentes culruras numa velocidade De modo semelhante, a firn dc comunicar esses significados para
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e escala aré entéo desconhecidas na histéria (como aborda Du Gay, outras pessoas, em qualquer n-oca significativa, os participames cam-
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I I 1997). O sentido tambérn é criaclo sempre que nos expressamos bém devem ser capazes de urilizar 0 mesmo cédjgo linguiscico - eles
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por rneio de “objetos culrurais”, os consumimos, deles Fazemos devem, em um sentido rnuiro arnplo, “falar a mesrna lingua”. Isso
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uso ou nos apropriamos; isto é, quando nos os integramos de di- nio quer dizer que eles precisem literalmente falar alemio, Frances
Ferentes maneiras nas praticas e rituais coticlianos e, assim, investi- ou chinés. Tarnpouco significa que eles consigarn compreender per-
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mos tais objeros cle valor e significado. Ou, ainda, quanclo recemos feitamente o que qualquer falanre da mesrna lingua esté dizendo. E
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narrarivas, enredos — e fantasias — em rorno deles (este é o foco de Nos estamos nos referindo a um sentido muito maior de linguagem.
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nente para representar ou dar sentido aquilo que queremos dizer Klmlidade mat’-“-‘rial? (A rntisica é tida corno a transmissao ma'.1rirn;1
e para expressar ou transmitir urn pensamento, um conceito. uma de ruido com o rninirno de informagao.)
ideia, um sentirnento. A lingua falada Fax uso de sons, a escrita, de Se nos deslocarmos para os jogos dc Futebol repletos dc cartazes,
palavras, a mtisica arranja notas em escala, a “linguagem corporal” bandelras e slogans, rostos e corpos pintados dc certas cores ou ins-
I
emprega gestos Fisicos, a indtistria da moda utiliza itens de vestuério, critos corn certos sfmbolos, podemos também considera-los “como
a expressao facial se aprovcita de tracos individuais, a Tv, por sua 111113 Iinguagcm” — na medida em que isso é uma pratica simbolica
I
vez, apropria-se de pontos produzidos digital e elctronicamente que concede sentido on expressao ii ideia dc pertencimento a uma
c o sinal de transito usa as cores vermelha, verde e amarela para culrura nacional ou de identificacio com uma comunidade local,
“clizer algo”. Isso é parte da linguagem de identidade nacional, urn discurso de
Esses elementos — sons, palavras, gestos, expressoes, roupas - sao Pt-'1TBl1Cimcnt0 nacional. Representaqéo, aqui, esté intimamente Ii-
parte da nossa realidade natural e material; sua importancia para a gada a identidade e conhecimento. Pois, na realidadc, é d.ifi'cil saber
linguagem, porém, nao se reduz ao que szia, mas sim ao quefazem, 0 qllfi “Set inglés” - ou mesmo Frances, alernao, sul—africano, japo-
a suas Fungoes. Eles constroem significados e os transmitem. Eles I153 — Iigvflifica fora do escopo em que nossos conceiros e imagens de
significam, nio possuern um sentido claro em 52' mesmas — ao contra- rdentidade e cultura nacionais foram representados. Sem esses siste-
rio, eles séo veiculos ou rneios que mrregam sentido, pois Funcionarn mas de “significagzio”. serfamos incapazes de adotar tais identidades -+I
como rimbolos que representarn ou conferem sentido (isto é, sirnbo- (011 mesmo dc rejeita-Ias) e consequentemente incapazes de acumen-
lizam) as ideias que desejamos transmitir. Para usar outta metafora, tat on manter essa realidade existencial que Cl'ia[113_m95 51¢ wlm I-a_
eles operarn como signer, que sao representagoes de nossos concei- Portanto, é por rneio da cultura e da linguagem, Pgngadas Hm»?
tos, ideias e sentimentos que pcrrnitem aos outros “ler”, decodificar ffmffxto, que a elaboracéo e a circuiagio dc significados ocorrern.
on interpretar sens sentidos de maneira proxima £1 que Fazernos. A visio convencional era a de que “objetos” exisrem na realidade
Deste modo, a Iinguagem é uma pratica significante. Qualqucr lliitural e material; dc que sens tragos palpaveis e naturals os deter-
sistema representacional que trabalhe nesses termos pode ser visto, mmam 0'1 °5 C°F15Fi1'I-Wm; e que eles possuem um sentido absoluta-
de Forrna geral. como algo que fiinciona de acordo com os principios mfillrfi Clarofirra do escopo em que szio representados. A representacao,
da representacfio pela iinguagem. Assim. a fotografia é também um 595 esre ponto de vista, revclava-se um proccsso de importancia se-
sistema representacional, que utili-za imagens sobre um papel Poros- oundaria, que entrava em campo apenas quando as coisas ja haviam
sensivel para transrnitir urn sentido Fotogréfico a respeito dc deter- Srdo totalmcnte estabelecidas e seus sentidos consrituidos.
I
minado individuo, acontecimento ou cena. Exposigoes em rnuseus Desde a “virada cultural" nas ciéncias humanas e sociais, contu-
ou galerias podem igualmente ser vistas “como uma lingnagem”, ja do, 0 sentido é visto como algo a ser produzido — construido — em
que fazem uso "da disposicio de objctos para elaborar certos sentidos “CZ dc simplesmente “encontrado”. Consequentemente, circunscri-
sobre o tema da mostra. A mfisica, por sua vez, é “como uma lin- ta ‘T? que V650 H Scr chamado cle "abordagem social construtivista"
guagcm” na medida em que cmprega notas rnusicais para transmitir °'~l construtivismo social". a representagao é concebida como parte
sensagoes e ideias, mesmo que abstratas e sem reieréncia direta na mflsfimtiva das coisas: logo, a culrura é definida como um proce-550
I
II
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original e igualmente constitutive, téo fundamental qnanto a base _, enqnanto a abordagem dirmrriva se concentra majs nos rfeitor
economica ou material para a configuracao de sujeitos sociais e e comequéncias da representacfio — isto é, sua “politica”. Exarnina
acontecimentos historicos —- e 115.0 uma mera teilexao sobre a reali- nfio apenas como a lingnagern e a representacao prodnzem sentido,
dade depois do acontecirncnto. mas como o conhecimento elaborado por determinado discurso se
A “linguagem” fornece, portanto, um modelo geral do Funcio- relaciona com o poder, regula condntas, inventa on constroi identi-
|
|
| narnento da cultura e da representagiio, especialmente na charnada dades e subjetividades e define o modo pelo qual certos objetos sio
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|I' abordagem remidtica — sendo esta 0 estudo ou a “ciéncia dos signos” representados, concebidos, experimentados e analisados. A énfase
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e sens papéis enqnanto veiculos de sentido numa cultura. Nas lil- da abordagem dircursiva recai invariavelmente sobre a especificidade
timas décadas, essa preocupacéo com o sentido tomou um rumo historica de uma forma particular on de um “regime” de representa-
II |'|'I
Ii:
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If I diferente, ficando mais concentrada nao em pormeno res do fi1ncio- gio, e nio sobre a “linguagern” enquanto tema mais geral. Isto é, sen
namento da “lingnagem”, mas sim no papel mais amplo desempe- foco incide sobre linguagms on significados e de que maneira eles
nhado peio discurso na cultura. sio ntilizados em um dado periodo on local, apontando para uma
Discnrsos sao maneiras de se referir a um determinado topico da grande especificidade historica — a maneira como praticas represen-
pratica on sobre ele consrrnir conhecimento: um conjunto (on cam- tacionais operam em sitnacoes historicas concretas.
tituipio) de ideias, imagens e praticas que snscitam variedades no O nso oorrente da iingnagem e do discurso enquanto mode-
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falar, formas cle conhecimento e condutas relacionadas a tun tema ios de como a cultura, o sentido e a representacio fnncionam, hem
I
particular, atividade social on lugar institucional na sociedade. Essas como a snbseqnente “virada discnrsiva” nas ciéncias hnmanas e so-
II I
I
in fbrmagder discursivas. como assim sao conhecidas, definem o que é ciais oonstituern a rnudanca de direcao mais importante ocorrida,
on nio adequado ern nosso enunciado sobre um determinado tema nos nltimos anos, no estudo da vida em sociedade. A discussao a
on area de ativiclade social, bem como em nossas praticas associadas respeito das dnas versoes do “construtivismo” - as abordagens semi-
a tal area on tema. As Formagoes discursivas definem ainda que tipo gx$3 e discursiva — snrgira alinhavada e desenvolvida nos capitulos
de conhecimento é considerado util, relevante e “verdadeiro” em que virao a segnir, considerando, claro, que a “virada cultural" nao
sen contexto; definern que género de individnos on “snjeitos” perso- tem se desenvolvido de maneira incontestavel.
nificarn essas catacteristicas. Assirn, “discnrsiva” se tornon o termo No capitulo sobre 0 papel cla representacio, procnro abordar
geral utilizado para fazer referéncia a qnalquer alaordagem em que com rnaior profundidade o argnmento teorico a respeito do sentido,
o sentido, a representacao e a cultura sao eiementos considerados Cla linguagem e da representagio, brevemente resnrnido até agora.
constitutivos. O que afinal qneremos dizer qnando alirmamos que 0 “significado
Existem, é claro, algurnas sernelhan<_;as — como tam bém grandes 6 produzido por meio da lingnagem”? Lancando mao dc uma série
diferengas - entre a remiritira e as abordagens dircurrivar, desenvol- dc exemplos, o capitulo nos conduz por meio das implicacoes deste
vidas rnais 51 frente neste livro. Uma diferenca fundamental é que a raciocinio. Sera que as coisas — objetos, individuos, acontecimen-
abordagem semidtica se concentra em como a representacao e a lin- tos — exibem um intrinseco, tinico, inalteravel e verdadeiro senti-
gnagem prodnaem sentido — o que tern sido charnado de “poérica” do, cabendo unicamente a linguagem revela-lo com precisao? On
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28 _ CULTURAE REPRESENTFQEO I STUART HALL
INTRODUQAO _ 29
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Practices. Londresz Sage!'1'he Open University, 1977.
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1| |n de explorar e esciarecer suas compiexiclades. MACKAY, Hugh {Org.). Consumption and Everyday Lg}? Lonclres:
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|i'r|. | Pot fim, no liltirno capitulo, procuto abordat o tema cla “repre- Sage/The Open University, 1997.
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sentagio das diferen<_;as” no contexto das manifestagées contempo- THOMPSON, Kenneth. Media and Cultural Regulation. Londres:
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- ttagoes). Vamos nos atentar para como a diferenga “racial”, cle etnia woonwmw, Kathryn e taut, Stuart. Idmtidade e dxferenya. 13.ecl.
e de sexo tem sido “tepresentada“ numa gama de exemplos visuais Pettépoiisz Vozes, 2012.
originados de vzirios atquivos histoticos. Serio discutidas questées
cruciais sobre a reprcsentaeéo da “diferenqa” como “Outro” e sobre
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1
| de que rnaneira 0 “ciiferente” se configura por meio da estereoti-
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pagem. No entanto, it medida que este raciocfnio se desenvolve, 0
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capitulo abotda 0 ponto mais abtangente de como as préticas dc
significagio de Faro esttuturam nosso "olhar“, como os diversos mo-
dos de olhar estio circunscritos por essas préticas de representagio,
e como a violéncia, a fantasia e o “desejo” atuam nessas rnesmas pra-
ticas, tornando-as mais cornpiexas e rnais ambiguos seus sentidos.
O capituio se encetra com a reflexio sobre algumas “contraestraté-
gias” nas “politicas dc representacgao” - a maneira como urn sentido
pode set disputado, e se um regime especifico de representaeao pode
set desafiaclo, oontestaclo ou transforrnado.
n-._
III ; I‘. I
ll PAPEL DI-\ _
REPRESENTAEAU
CAPITULO I
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para, inteligivelmen te, expressar aigo sobre o munclo on representa-
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-lo a outras pessoas.” Pode-se perguntar com toda a razao: “Mas isso
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é tudo?” Bern, sim e néo. Representaczio é uma parte essenciai do
processo peio qual os significados séo procluzidos e compartilhados
entre os rnembros tie uma cultura. Representar or-waive o uso da
linguagem, de signos e irnagens que significarn ou representam ob-
fetos. Entretanto, esse é urn processo longe de ser simples e clireto,
Como descobrirernos a seguir.
Afina], como 0 conceito tie representagfio conecta sentido e lin-
guagem £1 cultura? Para explorar mais aclequadamcnte essa conexeio,
Oiharemos para ttrna garna cle diferentes teorias sobre como a lingua-
gem é usacla para representar o mundo. Nesse contexto, estabelece-
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pot ele ou ela (irztencional)? Ou o significaclo se constréi na lingua- dc sentidos ou significados sobre a crucificacao clo filho dc Deus — e
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.'lli.'|i gem e por meio clela (corrstrutivista)? Adiante nos aprofitndarernos este é urn conceito que potlemos colocar em palavras e imagens.
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| sobre essas trés abordagens.
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Ill Ill A maior parte deste capitulo seré cledicacla a exploragao (la abor- ATIVIDADE 1
clagem comzrutivisto, uma vez que esta é a petspectiva cle impacto
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ll mais relevante sobre os estuclos culturais nos anos recentes. Exami-
narcmos aqui duas variarrtes ou modelos principals do construtivis—
Propomos aqui um simples exercicio de representagao. Olhe para
qualquer objeto familiar. Vocé imediatamente reconhecera 0 que ele
mo - a abotdagem semiética, Fortemente influcnciada pelo linguista é. Mas como vocé sabeo que é este objeto? O que é“reconhecer"?
suico Fetclinand de Saussure, e a aborclagem discursioa, associada ao
-1= . 5-= %E; -E5¥ =E filosofo e historiador Frances Michel Foucault. Agora, tente se tornar consciente do que esta fazendo - observe 0
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que acontece a sua volta. Vocé reconhece 0 que é o objeto porque
1.1 PRODUZINDO SIGNIFICADOS, REPRESENTANDO OBJETOS seus processos de pensamento decodificam sua percepgéo visual
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dele conforme um entendimento prévio que vocé tem, na sua
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O que, afinal, o tetmo represenragéo significa nesse contexto? O que mente, deste mesmo objeto. isso ocorre porque, se vocé desviar 0
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0 ptocesso da tepresentagio engloba? Como a representagfio Fun- olhar, vocé ainda pode pensor nele, invocando sua imagem, como
ciona? Resumiclarnente, representagfio diz respeito £1 produgio de dizemos, "no olho da mente”. Continue — tente seguir 0 processo
sentido pela linguagem. N510 por acaso, 0 dicionzirio Oxford sugere como ele acontece: la esta o objeto... e la esta o conceito na sua
dois senticlos fundamentais para o terrno: meme que lhe diz o que ele é, o que a imagem visual que vocé tem
dele significa.
l. — Representar algo é desctevé-lo ou retrata-lo, trazé-lo £1 tona
na mente por meio da desctigiio, rnoclelo ou imaginacao; pro-
Agora, diga em voz alta: "E uma lampada" — ou uma mesa, ou um
duzit uma semelhanga de algo na nossa mente ou em nossos livro, ou um telefone, ou qualquer coisa. 0 conceito do objeto pas-
senticlos. Como, por exemplo, na Frasc: “Este quaclro representa sou da representagéo mental que vote tem dele para mim por meio
o assassinato de Abel por Cairn.” da palavra que vocé acabou de usar. A palavra indica ou representa
ll — Reptesentar tambérn significa simbolizar alguma eoisa, 0 conceito, e pode ser usada para referenciar ou designar tanto um
l
pot-se no seu lugar ou clela ser uma amostra ou um subsrituto. objeto “real” quanto um objeto imaginario, como anjos dangando
Como na frase: “No cristianistno, a cruz representa 0 solcrimento na cabega de um alfinete - o que, evidentemente, ninguém nunca
e a crucificacéo de Crista.” presenciou.
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E assirn, portanto, que vocé (lei sentido as coisas por meio cla Antes cle passarmos ao segundo “sisterna tle reptesentagao”,
linguagem. E assim que vocé “toma sentido” das pessoas, dos objetos devemos obsetvar que a verséo apresentada é a simplificagao dc
e acontecimenros, e é desta maneira que vocé é capaz dc expressar um processo bastante complexo. E simples o suficiente para cons-
um pensamento COn'1plfiXO sobre coisas para outras pessoas, ou de se ratarmos como nos Forrnamos conceitos para coisas que podemos
comunicar a respeito deias pela linguagem de modo que outros seres perceber ~ sujeitos ou objetos matetiais, como cadeiras, mesas e
humanos sao capazes de entender. earteiras. Entretanto, também elabotarnos conceitos para coisag
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n'| Mas pot que temos de passar por este ptocesso complexo para mais obscuras e abstraras, que nao poden-ros, de nenhuma maneira
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reptesentar nossos pensamentos? Se vocé bota em cima da mesa un1 simples, vet, sentir ou tocar. Pense, por exemplo, 1105 Conccitgg dg
ll copo que esrava seguranclo e sai do tecinto, vocé ainda pode pmsrzr guerra, morte, amizacle ou amor. Além do mais, como ja salienta-
l"{ . no copo, muito embora ele nao esteja mais fisicamente presente. mos, também elaboramos conceitos a respeito de coisas que nunca
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Na verdade, vocé nao pode pensar corn o copo; vocé so pode pen- vimos, e possivelmente jamais veremos, e sobre pessoas e lugares
sat com 0 corrceiro do copo. Como os linguistas cosrumam clizer, totalrnente originados da nossa imaginacao. Nos podemos ter um
“caclaorros latem, mas o conceito de ‘cachorro’ nao pode latir ou claro conceito, digamos, de anjos, seteias, Deus, cliabo, do paraisg
mordet”. Logo, vocé tampouco pocle falar com 0 copo real. Vocé en do inferno, ou dc Middlematch {a cidade ficticia do romance do
so pode falar com a polar/ro que dcsigna copo - COPO —, que é George Eliot) e de Elizabeth (a heroina da obra Orgulbo e precon-
0 signo linguistico utilizado em portugués para nos releritmos a ceito, de jane Austen).
obj etos nos quais bebemos agua. E aqui é onde a reprerentagoio apa- Aqui, totularnos isso como um “sirremo dc tepresenta<;ao”. A ra-
tece: ela é a producao do significado dos conceitos da nossa mente zio é simples: ele consiste nfio em conceitos individuals, mas em
por meio da linguagem. E a conexio entte conceitos e linguagem dlferentes rnaneiras dc organizar, agrupar e cl355ifi(;§.[Q5, bem Como
que permite nos rej‘§=rz'rmos ao mundo “real” dos objetos, sujeitos @111 Formas de estabelecer relacoes complexas entre eles. Pot exem-
=-z:E=_a e:§_T=.-1I_,;:
ou acontecimentos, ou ao mundo imaginario de objetos, sujeitos e Pi0, nos usamos os principios da similaridade e da diferenca para
aconrecimentos ficticios. fitabelecer relacoes entre conceitos ou para distingui-los uns dos ou-
Assim, temos dois processos — dois sisremas do rqoresenragdo — tros. Nesse sentido, eu tenho a irnpressao de que, em alguns asp‘-;C_
envolviclos. Primeiro, ha o “sistema” pelo qual toda ordem de ob- T05, pzissa ros séo como avioes no céu. baseaclo no Faro de que eles sao
jetos, sujeitos e acontecimentos é correlacionada a um conjunto dc ffifllclhantes porque ambos poclem vom. Contudo, tambérn tenho a
conceitos ou represenragoes mmrais que nos carregamos. Sem eles mipressaio de que, em outros aspectos, eles sao diferentes, fa que as
jarnais conseguiriamos interpretar o mundo de maneira inteligivel. W6 stio parte da narurera enquanto as aeronaves szio Feitas pelo ho-
Em primeiro lugat, portanto, o significado depende do sistema de mfim. Essa mistura e a combinacao de relaqoes entrc conceitos para
conceitos e imagens formados em nossos pensarnentos, que podem format ideias e pensamentos complexes sfao possiveis pO1‘q1_|¢ nos-
“representar” ou “se colocar como” 0 mundo. Este sistema possibi- $08 conceitos sao organizados cm difercnres sistemas classificatorios.
lita que fagamos rel}-zréncias a coisas tanto dentro, quanto Fora dc hlfifise exernplo. o primeiro deles é baseado na distincaio entre voaf
HOSS3 IT! C11 EC. I110 voa e o segundo, entre naturallfeito pelo homem. Ha outros
.
36 _ CULTURA EREPRESENTAQEO | STUART HALL
OF-‘APEL DA REPRESENTACQO _ 3?
principios de organizacao como estes operando em todos os siste- linguagem cornum, para que assim correlacionernos nossos conceitos
mas conceituais: por exemplo, classilicar de acordo com a sequéncia g ideias com certas palavras escritas, sons pronunciados on imagens
(que conceito segue qual) ou causalidade {o que causa cada coisa) viguais. O termo geral que usarnos para palavras, sons on imagens
e assim por diante. O ponto aqui nzio é uma colegao aleatoria de qug (;3_|_'1‘Cg21‘I‘l sentido é rigno. Os signos indicam ou representam os
conceitos, mas sim organizados, dispostos e classificados em telagoes Qonctitflfi e as relacoes entre eles que carregamos em nossa mente e
complexas com os outros. E assim que o nosso sisterna conceitual se que, juntos, constroern os sistemas de significaclo da nossa cultura.
aptesenta. Isso nao enfiaquece, entretanto, o ponto basico. O senti- Signos sao organizados em ljnguagens. A existéncia de linguagens
do depende da relacao entre as coisas no rnundo — pessoas, objetos eomuns nos possibilita tracluzit nossos pensamentos (conceitos) em
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at e eventos, reais ou ficcionais — e do sistema conceitual, que pode palavras, sons ou imagens, e depois usa-los, enquanro linguagem,
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fitncionat como representagdo mental delas.
Poderia ocorrer ainda que o rnapa conceitual que cattego na
para expressar sentidos e comunicar pensamentos a outras pessoas.
Devemos nos lembtar, evidentemente, que o termo “linguagem” é
ll minha cabeca fosse totalmente diferente do seu, o que nos levaria usado aqui de forma bem ampla e inclusiva. O sisterna escrito on o
— eu e vocé — a interpretar ou dat sentido ao mundo dc manei- sistema Falado de uma lingua ern particular szio am bos, obviarnente,
tas totalmente divetsas. Seriamos incapazes de compartilhar nos- considerados “linguagens”. Mas igualmente 0 sao as imagens visuais.
sos pensamentos ou de trocar ideias sobre o mundo. Na verdade, elas produzidas pela via manual, mecanica, eletronica, digital
provavelmente entendetiamos e intetpretatiamos o mundo de uma on pot outros meios, quando usadas para exptessat sentido. E assim
mancita onica e individual. Sornos, entretanto, capazes de nos co- também ocorre com outras coisas nfio “linguisticas” em nenhum
municar porque compartilbamos praticamente os mesmos mapas sentido usual: as expressoes Faciais ou dos gestos, por exempio, ou
conccituais e, assin1, damos sentido ou intetpretarnos o mundo dc 8 “linguagem” da moda, do vestuario. on das luzes do trafego. Até
Forrnas mais ou nlenos semelhantes. Isso é, de fato, 0 que significa mesmo a musica se apresenta como uma “linguagem”, com relacoes
pertencer “a rncsma cultura“. Uma vez que nos julgamos o rnunclo oomplexas entre diferentes sons e acotdes; trara-se. contudo, de um
dc mancira relativarnente similar, podemos construir uma cultura C880 muito especial, jé que ela nao pode ser facilmente utilizada
-'_r= 3_$-az.5E’- ;_":~=E;i2_=$ a
'1 " de sentidos compartilhada e, entiio, criar um mundo social que P3-Pa fazer referéncia a coisas ou objetos reais no mundo {este tema
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habitamos juntos. Nao é por acaso que “cultura” é, por vezes, defi- 5 mais aprofunclado em Du Gay, I997, e Mackay, 1997). Enfirn,
l
I nida em termos de “sentidos compartilhados ou mapas conceituais qllillquer som, palavra, imagem ou objeto que Funcionem como sig-
compartilhados” (vet Du Gay et al., I997). ilos, que sejam capazes de cartegar e expressar sentido e que estejam
Contudo, urn rnapa conceitual compartilhado nao é o bastante. Ufglrlizados com outros em urn sistema, sao, sob esta otica, “uma
Devemos tan-rbém ser capazes cle representar e dc trocar sentidos e linguagem". E neste aspecto que aquele modelo de sentido que vem
conceitos — o que so podemos fazer quando também temos acesso a Sfilldo analisado aq_ui é Frequentemente descrito como “linguistico”,
uma linguagem comum. A linguagem se apresenta, portanto, como bfim como todas as teorias de sentido que seguem esse modelo basi-
0 segundo sisterna dc representacao envolvido no processo global de CO passam a ser descritas como parte de uma “viracla linguistica” nas
construcao de sentido. Nosso mapa prccisa ser traduziclo em uma Ciéncias sociais c nos estudos cultutais.
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|'.r'r.|'_f,
No cerne do processo de significacao na cultura surgem, en- Imagens e signos visuals, mesmo quanclo carregam uma seme-
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lhg_n_(;3 proxima as coisas a que Fazem rcferéncia, continuain sendo
tao, dols slstemas de reptesentacao telaclonados. O prlmerro nos
4 - if I - ,1 - | I
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‘.'l.:' ; * permite clar sentido ao munclo por meio da construgao de um 5igl10SI eles carregam sentido e, entao, térn que ser interprerados. Para
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.1-' Ii
conjnnto de cotrespondéncias, ou de uma cadeia dc equivaléncias. fazer isso, nos devemos tet acesso aos dois sistemas de representacao
entre as coisas — pessoas, objetos, acontecimenros, ideias abstratas discutidos anteriormente: an rnapa conccitual que corrclaciona o ani-
til mal no campo com o conceito clc “ovelha” e a um sistema de lingua-
l .-l etc. — e o nosso sisterna de conceitos, os nossos mapas conceituais.
ll O segundo depende da construgao dc urn coniunto de correspon- gem, no qual a linguagem visual catrega alguma semelhanca a coisa
teal on “parece com ela“ de alguma Forma. Essc argumcnto fica mais
t.[;§:I'l déncias entre esse nosso mapa conceitual e um conjunto de signos,
claro se nos pensarmos em urn desenho caricato ou na pintura abs-
dispostos ou organizados em divetsas linguagens, que indicam ou
ttata de uma “ovelha”, para os quais nos precisarnos de um sofisticaclo
representam aqueles conceitos. A telagao entre “coisas”, conceitos
sistema conccitual e de linguistic-a compartilhada a Firn dc tet certeza
e signos se sirua, assim, no cetne da ptoducéo do sentido na lin-
dc que estamos todos “lendo” 0 signo da mesma forma. Ainda assim.
iii ua em, Fazenclo do
rocesso (1 uc li a esses trés elementos o ue
é possivel nos flagrarmos imaginando se é realmente a imagem dc
-Y-."'
|- -_l chamamos dc “representacao”.
uma ovelha, no H nal das contas. A rnedida que a relaqfio entre 0 signo
Ii} e o seu relcrcntc se totna tnenos clara, o sentido comcca a deslizar e
".-14, 1.2 LINGUAGEM E REPRESENTAQAO
a escapar de nos. caminhando para a incertcza. O sentido ja nao esta
passando ttansparentemente dc uma pessoa Z1 outta...
Assim como as pessoas que pertencem it mesma cultura compar-
I ! tilham um mapa conceitual relativamcnte parccido. elas também
fl
._._|
devern compattilhar uma maneira semelhante dc inrerpretar os sig-
nos de uma linguagem, pois so assim os sentidos setao cletivatnente
I, Ir intetcambiados entre os sujeitos. Mas como, allnzd, sabemos que
conceito indica tal coisa? Ou que palavta efetivamente tepresenta
.1
-' l cleterminado conceito? Como saber que sons ou irnagens trarao, por
meio da linguagem. o sentido de meus conceitos e do que que-to
ii exptessar com eles? lsso pode ser relativamente simples no caso dos
signos visuals. ja que o desenho. a pintura ou a imagem de uma
- 1-;L:r—:_
ovelha na camera c na TV. por exemplo. traz a semelhanca do animal
peludo pastando cm tun campo ao qual eu quero me relerir. Ainda
assim, precisamos ter em mente que uma versfio desenhada. pint-ada
ou digitalizada cle uma ovelha nao e exatamente igual ao ser "real".
FIGURA1
Em prirueiro lugar, a maioria das imagem possui duas dimensoes. William Holman Hunt, '
enquanto o animal “real” cxiste em trés dilnensoes. Nessa cosro inglesa ("Ovelhas perd.-'dg§"}, 1352 l
5...
MI‘ I
II
-'| 40 _ CULTURJIIE REPRESENTAQKO I STURRT HALL
O PAPEL DA REPRESENTAQRO _ 41
|I
|- IIIEII
II .;_mm0 érvorfis “reais” (sc é que 619.5 fazcm algum soml). Ncsses sis rc-
dc reprcscntagao, a rclagéo entre 0 signo, 0 conceito c 0 obj em
fazem referéncia é complctamcntc aréitniria. Usando esse
gt-1110, nés qucremos djzcr que, cm principio, qualquer coicgio dc
f. @as ou quaisqucr sons em qualquei orcicm poderiam dcsempe-
0 papcl igualmcnte bcm. As érvores nao se irnportariam se
.|7 usassemos a palavra SEROVRA — “arvores” escrito dc tras para a
Event: — 2 fim dc reprcsentar 0 conceito dclas. Isso fica ciaro quan-
II da, comparando 0 Francés com 0 inglés, por cxempIo, Ictras bcm
difercntcs c um som bcm disrinto sio usados para sc rcferir ao que,
em todos os aspcctos, é a mesrna coisa — uma arvorc “real” — e, até
onde sabemos, an mesmo conceito — uma planta grands que crescc
. I :
na natureza. O Francés c 0 inglés pareccm estar usancio 0 mesmo
|||
.1, I
l- _
...
FIGURA 2 conceito, mas em inglés ele é rcprcscntacio pela palavra TREE e, cm
|..».| | |
P: Quando uma ovelha néo é uma ovelha? ftancés, pela palavra ARBRE.
R: Quando é uma obra de arte. (Da mien Hirst, Longs do rebanho, 1994) I
-I.—-'2:=‘.:_2.:_-: I;
Entéo, mesmo no caso cla linguagem visual, cm que a rclagéo A questao, entéo, é: como as pcssoas que pcrtenccm s mesma cul-
entre 0 conceito c 0 signo parcce bem ciireta, a qucstao csui longs dc "111-1, que compartilham 0 mesmo mapa conccitual e que Falarn ou
ser simples. E ainda mais dificil corn as Iinguagens cscrita ou Falacla, -9-K-Irevcm a iiiesma Iingua sabam que a combinagio arbitraria dc le-
nas quais as palavras nzio parccem nada com as coisas as quais sc ttas e sons que constituj a palavra KRVORE indica ou representa 0
I
rcfi-zrcm, nem soam como elas. Em parte, isso ocorrc porque existcm Efinccito dc “planta grands que crcsce na natureza”? Uma possibili-
..
. I
."
_. difercntes tipos dc signos. Signos visuais séo 0 que chamarnos signos dflde seria a dc que as obictos no mundo. por eles mcsrnos, incor-
.
I
icfinicos. Ou seja, eles carrcgam, em suas formas, uma certa seme- Pflfam e fixam, cle algum jcito, scu sentido “vcrdadciro”. Mas nan
.- |
. Ihanga corn 0 objcto, pcssoa 01.1 evento a0 qual Fazcm referéncia. -5 G€rt0 que in/ores dc verdade Jaibam que sic zirvores, tampuuco
. Uma fotografia dc uma aware rcprocluz alga das rcais condigécs da qllfir saibam que a palavra cm portugués que rcprescn ta scu conceito
nossa pcrccpgiio visual. Signos cscritos ou ditos, por outro Iado, sao é escrira I-£Rv0|u=., enquanro em inglés é cscrira TREEI Aré onde clas
chamaclos dc indexicais. sibtnl, elas podcriam, da rncsma Forma, ser rcprescntadas por VACA
Eles niio carregam nenhuma relagio ébvia corn as coisas as quais 911 VACHE uu até XYZ. O sentido mfa esta no objero, na pcssoa nu
sc rcferem. As letras A, R, v, 0, R, E néo se parcccm em nada corn Ila coisa, c muito menus rm palavra. Somos nés qucm fixamos 0
as arvores na naturcza, ncrn a palavra “érvoren cm portugués soa sfiiltido tic firmcrncntc que, depois dc urn tempo, ele parecc natural
42 _ CULTURA E REPRESENTAQQO | STUART HALL O PAPEL DA REPREENTACQO _ 43
e inevitavel. O sentido é coastruzkio pelo sistema dc rqvmsmtapio. Ele géil',O$. Isso é 0 que as criangas aprendern e faz com que sejam nao
é consrruiclo e fixado pelo cddxga, que estabeiece a correlagao enere apgnas individuos simplestnente biologicos, mas sujeitos culturais.
nosso sistema conceitual e nossa linguagem, de modo que, a cada Elgs aprenclem 0 sistema de convengoes e representagzio, os cocligos
vez que pensamos em uma arvore, o cocligo nos diz para usar a -dggua lingua c cultura, 0 que as equipa com uma habiliclade cultural
paiavra em portugués ARVORE, ou a palavra inglesa TREE. Ele nos in- g permite que elas atuem como sujeitos culturalmente competen-
||
|
a .4
|| Forma que, na nossa cuItura— isto é, nos nossos cédigos conceituais res. N510 porque esse conhecimento esteja impresso em seus genes,
.u
-|
HI e cIe linguagem — 0 conceito “arvore” é representado pelas Ietras A, porque eias aprenciern suas convengoes e, entao, graclualrnente
..".'
1’JII R, v, 0, R, E, dispostas em certa sequéncia. De maneira semelhante, "se tornam “pessoas culras” — on seja, membros cie sua cultura. As
1'41"
13;:
no Cédigo Morse 0 signo para V (que, na Segttnda Guerra Mun- crian<;as, inconscientemente, internalizam os cédigos que as permi-
dial, Churchill fez indicar on represcntar “Vitoria”) é ponto, ponto, tem expressat certos conceitos e ideias por meio de seus sisremas de
ponto, trago; enquanto na “linguagem dos semziforos”, Verde = siga! representagao — escrita, fala, gestos, visualizagao e assim por cliante
e vermelho = pare! -, bem como interpretar ideias que sao comunicadas a elas usando
Um jeito, entao, de pensar a “cultura” é nos termos desses mapas Os mesmos sistemas.
conccituais compartilhados, sistemas cle linguagem compartilhada Agora vocé deve entender mais facilmente por que sentido, Iin-
e cddzgas que grwermzm as relagfies de tradugzio entre eles. Os codi- guagem e representagéo sao elementos tao funclamentais no estu-
gos fixam as relagoes entre conceitos e signos. Estabiiizam 0 sentido do da cultura. Pertcncer a uma cultura é pertencer, grams modo, ao
dentro dc diferentes Iinguagens e cuituras. Eles nos clizem qual lin- mesmo universe conceituai e Iinguistico, saber como conceitos e
guagem devemos usar para exprimir determinada ideia. O inverso ideias se traduzem em difercnres Iinguagens e como a linguagem
também é verdacleiro: os cédigos nos clizem quais conceitos estao pode ser interpretada para se referir ao mundo ou para servir dc
=E£i?1 E E £€-:E%a;
em jogo quando ouvimos ou lemos certos signos. referéncia a ele. Compartilhar esses aspectos é enxergar 0 mundo
Assim, ao fixar arbitrariamente as relaqées entre nosso sistema P610 mesmo mapa conceitual e extrair sentido dele pelos mesmos
conceituai e nossos sistemas lingufsticos (note-se, “linguistico” em "Sistemas de Iinguagem. Os primeiros antropoiogos da linguagem,
um sentido ampio), os codigos nos possibilitam falar e ouvir inteIi- "<J'0m0 Sapir e Whorfi Ievararn essa ideia it sua Iégica extrema quando
givelmente, c estabeiecer uma “tradutibiiidacle” entre nossos concei- afgulnentaram que todos nos estamos, por assim dizer, presos em
tos e nossas Iinguas. Isso petmite que 0 sentido passe do enunciador nfifisas perspectivas culrurais ou estruturas rnentais, e que a Iingua-
ao ouvinte c seja efetivamente comunicado dentro de uma cultura. 55111 é a meihor pista de que ciispornos para entender esse universo
Essa “tradutibiIidade“ nao é dada pela natureza ou fixada por deuses, Cflnceitual. Esta observagao, quando aplicada a todas as culturas hu-
mas é criada socialmente e na cultura, como o resultado de um con- miflas, repousa nas raizes do que hoje pensamos como re&zt1'w'.rm0
junto cle co nvcnqoes sociais. Ingleses, franceses ou hindus, através do cultural ou linguistico.
tempo, sem decisao ou escolha consciente, chegaram a um acorcio
velacio, a uma espécie cie pacto nio escrito cIe que, em suas divcrsas
Iinguas, certos signos indicam on representam cleterminados con-
1...
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I
4-6 _ CULTURA E REPRESENTAQQO | STUART HALL O PAPEL DA REPREENTA§)\O _ 47
deriamos entender uns aos outros. Nao podemos acordar urn clia e, Na abflrdagem reflexiva, o sentido é pensado como repousando
subitarnente, deciclir tepresentar o conceito de arvore com as letras no objcto, pessoa, ideia ou evento no mundo real, e a linguagem
ou a palavra VYXZ, e esperar que as pessoas acompanhem o que esta- fimfiiflflfl B01110 um espelho, para rtfietir 0 sentido vetdacleiro como
mos dizendo. For outro lado, nfio ha urn sentido final ou absoluto. ele ji CXISIC I10 mundo. Como a poeta Gertrude Stein uma vez ob-
Convencoes sociais e Iinguisticas mudam, sim, através do tempo. servou, “Uma rosa é uma rosa é uma rosa”. No quarto século a.C., os
Na linguagem da administracéo rnoderna, o que nos costumavarnos g1'€g0S l1$1f1111 =1 nocfio dc mimesis para explicar como a linguagem, e
charnar de alunor, cliemer, pacientes e passageiras viraram toclos con- até 0 d€S€ILl'10 c a pintura, espelhavam on imitavam a natureza. Eles
sumidores. Cédigos linguisrieos variarn significativamenre entre uma pcnsaram no grande poema de Hornero, Ilzluia, como “imitaeio” ele
lingua e outta. Muitas culturas nao tém palavras para conceitos que uma série de eventos heroicos. Entao, a teoria de que a linguagem
sao normais e amplamente aceitziveis para nos. fimciona simplesmenre como reflexao ou irnitacao da verdade que
Palavras constantemenre saem do uso cornum, e novas frases sao jfi €XiStc 6 esta fixacla no mundo é as vezes chamada cle “mirnética".
cunhadas: pense, por exemplo, no uso de dawn-sizing [reducio] para Claro que ha certa verdacle ébvia nas teorias miméticas de repI-¢-
representar o processo em que empresas demitem as pessoas, deixan- Sentaeio e linguagem. Como nos pontuamos, signos visuais realrnen-
do-as sem trabalho. Mesmo quando as palavras reais continuam es- T-° wrfigam alguma relacao com o Formato e a textura dos objetos
tziveis, suas conotaeées mudarn ou elas aclquirem uma nova nuance. que eles representam. Mas, assim como também ja mencionamos,
O problema é especialmente agudo nas traducoes. Por exemplo, seta uma imagem visual bidimensional de uma rosa é um signo — ele
que a cliferenea em portugués entre saber e entender corresponde e 1150 deve ser confimdido com a planta real com espinhos e flores
captura exatamente a mesma distincao conceitual que os franceses que cresce no jardim. Lcmbre-se também de que ha varias palavras,
tém entre savoir e cannairre? Talvez; mas podemos ter cerreza? Sons e irnagens que nos entendemos bem, mas que sao inteiramente
O principal ponto é que 0 sentido nao é inerente zit coisas, ao ficttcios ou Fantasiosos e se referem a mundos cornpletamente ima-
mundo. Ele é construido, produzido. E 0 resultado dc uma przitica ginérios — incluindo, como muita genre agora pensa, a maior parte
significante — uma pratica que produz sentido, que fizz as oéjetor da Hiadal E ¢I€lf0I podemos usar a palavra rosa parafirzer rrjerénria it
sigvrificarem. Pklflta real e verdadeira crescendo no jardim, como dissemos antes.
M35 1550 fi11'1Ci0I1:1 porque eu conheco o cédigo que liga o conceito
-3 11013 Palawa on imagem particular. Eu nfio posso pemar, firhzr ou
1.4 TEOFIIAS DA REPRESENTAEQO
.1¢:'§,::j.I: com uma rosa verclacleira. E se alguérn me diz que nfin
I
Ha, em terrnos gerais, trés enfoques para explicar como a represen- uma palavra como rosa para certo vegetal em sua cultura,
tagao do sentido pela linguagem fimciona. Nos podemos chama-Ios 3 Plflnta verdadeira no jardim nao pode resolver a lalha dc comu-
A scguncla abordagcm para o sentido na representacao argu- sisggma cle linguagem, ou qualquer outro que uscmos para repre-
menta 0 caso oposto. Dcfende que e o interlocutor, 0 autor, quem senrar nossos conceitos. Sao os atores sociais que usam os sistemas
irnpoe seu unico sentido no mundo, pela linguagem. As palavras -mnoeituais, o Iingulstico e outros sistemas rep resentacionais dc sua
significam o que o autor pretende que signifiquem. Essa 6 a abor- -69};-ura para construir sentido, para fazer com que o mundo seja
dagem intencional. Mais uma vcz, ha alguma validade nesre ar- @1)1'I1PI'8B]‘1SiV€l e para comunicar sobre esse mundo, inteligiveI-
gumento, uma vez que todos nos, como individuos, realmente meme, para outros.
usamos a linguagem para convencer ou comunicar coisas que sao Certamente, signos tambérn devem ter uma climensao material.
I‘
especiais ou tinicas para nos, para 0 nosso modo de ver o mundo. Os sistemas tepresentacionais consistem nos sons reais que emitimos
Contudo, como uma teoria geral da representacao pela linguagem, com nossas cordas vocals, nas imagem que fazemos com cameras
a abordagem intencional rambém é falha. Cada um de nos nao em papéis forossensiveis, nas mamas que imprimimos com tinta em
pode ser a unica Fonre de significados na linguagem, tuna vez que relas, nos impulror digitais que transmitimos eletronicamente. A re-
isso significaria que poderiamos nos expressar em linguagens in- presentacao é tuna przitica, um tipo de “trabalho”, que usa objeros
teirarnente particulates. A esséncia da linguagem, entretanto, é a mareriais e efciros. O sentido depende néo cla qualidacle material
m _,aa
li-I comunicacio, e essa, por sua vez, depende de convencoes linguis- do signo, mas de suafimgdo rimbélica. Porque um som ou palavra
=1-l
I|I
ticas e cocligos compartilhados. A linguagem nunca pode ser um em particular indica, simboliza ou representa um conceito, ele pode
I'll jogo inteiramente privado. Nossos sentidos particularmente inten- fimcionar, na linguagem, como um signo e transportar sentido — ou,
IirI"Ii
|I
Ir , cionados, ainda que pessoais, rém que mtrar nas regras, cédigas e como os construtivistas dizem, significar.
ill
ITI I corrvengées da [ingrragem para serem compartilhados e entendidos.
A linguagem é um sistema social por completo. Isso significa que 1.5 A LINGUAGEM DOS SEMAFOROS
1.-T-?I-. :.I‘=?
'I nossos pensamentos privaclos precisam negociar com todos os sen-
II
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l'|
I riclos das palavras ou imagens guardadas na linguagem que 0 uso do Cxernpioi mais simples desse tépico, que é critico para o entendi-
I'\"I |
'l
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,I.-
nosso sistema in evitavelmente desencadearzi. mento sobre como as linguagens fimcionarn como sistemas repre-
I.
II_
I
-I A terceira abordagem reconhece esse caratet plibiico c social da iflli-tacionais, é o Famoso caso dos semziforos. Um semiforo é uma
linguagem. Ela atesta que nem as coisas nelas mesmas, nem os usua- ffliquina que emite diferentes Iuzes coloridas em sequéncia. O efeito
rios individuais podem fixar os significados na linguagem. As coisas P1'°‘\/Ocado nos oihos por diferentes comprimentos cle ondas lumi-
niio rignrflcam: nos consrrufmos sentido, usando sistemas represen- '1°$?15 — um fenomeno material e natural — produz a sensacio de
tacionais — conceiros e signos. Assirn, esta abordagem é chamada de difefflntes cores. Bom, essas coisas certamente existem de verdade
construtivista. De acordo com ela, nos nao devernos confundjr o :30 mundo material, mas é a nossa cultura que quebra o espectro de
mundo material, onde as coisas e pessoas cxistern, cum as praticas “Z ¢H1 diferentes cores, clistinguindo—as umas das outras e anexanclo
e processos rimbrilrcos pelos quajs represenracao, sentido e lingua- 5911165 — vermelho, verde, arnare-lo. azul — a elas. Nos usamos um
gem opetam. Construtivistas rrao negam a existéncia do mundo mm-$10 tie r‘la.rrificar o espectro colorido para criar cores que sao di-
material. No entanto, nao é ele que transrnitc sentido, mas sim o &l‘flntes umas das outras. Nos representamos ou simbolizarnos as
50 _ CULTURA EREPRESENTAQAO | STUART HALL O PAPEL DA REPRESENTAQAO _ 51
cliversas cores e as classificamos dc acordo corn diferentes conceitos sgmgiforos” funcionam como um sistema rcpresentacional ou signi-
de cor. Esse é 0 sistema conceitual cle cores cia nossa cultura. Nos figgnte. Recordem os dais sistemas representaciunais de que falamos
clizemos “nossa cultura” porque, claramente, outras culturas devem Primeiro, exisre o mapa conceitual de cores na nossa cultura
diviclir os especrros coloridos diferenremente. E, mais, eles cerra- .--.9 modo com que as cores sao diferenciadas umas das outras, clas-
|. mente usam dimcerenres pahzwar ou letras reais para idenrificar (life- gificadas e arranjaclas no nosso universe mental. Segundo, existem
|_¢'
11.
an
11'.’ rentes cores: 0 que nés chamamos “vermelho”, os franceses chamam 35 maneiras com que palavras on irnagens sfio correlacionadas com
5|‘
.'l".-: “rouge” e assim por diante. Esse é 0 cédigo linguisrico - aquele que gores na nossa linguagem - nossos cédigos lingufsticos de cores. Na
{I
I correlaciona certas paiavras (signos) com certas cores (conoeiros), e verdade, uma linguagem de cores consisre em mais que apenas pa-
Z. entio nos permite comunicar sobre cores com outras pessoas, usan- lavras individuais para diferenres pontos no espectro de cores. Ela
do a “linguagem das cores”. tambérn depende de como elas funcionam na relagio cle umas com
Mas como nos usamos esse sistema represenracional ou simbolico as outras — aqueles aspectos que sao governados pela gramatica e
para regular 0 transits? As cores nao rérn nenhum significado fixo ou pela sintaxe nas linguagens escrira ou falada e que nos permirem
“vcrdadeiro”. Vermclho nao significa “pare” na natureza, nem vcrde expressar ideias mais complexas. Na linguagem dos seméforos, a se-
quer dizer “siga”. Em outras configuragoes, 0 verrnelho pode inclicar, quéncia e posigéo das cores, assim como elas mesmas, permitem que
k-14.“‘"=E'i-1*-£Z_
simbolizar ou represenrar “sangue”, “perigo” ou “comunismo”; c ver- as cores carregucm sentido e, entao, funcioncm como signos.
cle pode representar “Irlanda", “o campo” ou “arnbientalismo”. Até Imporra quais cores nés usamos? N210, argumenram os constru-
I esses sentidos podem rnuclar. Na “linguagem dos plugues elétricos”, Isso porque 0 que significa nae sac as cores por elas mesrnas,
-:-:_
’||'|' vermelho cosrumava significar “a conexfio com a carga posiriva“, mas mas: a) o Faro dc serem diferenres e possiveis dc serem distinguidas
Ew‘ i
|l|¢
isso, arbirrariamenre e sem expiicagéo, mudou para marrom! Entao, I-lmas das outras, e b) 0 faro dc estarem organizadas em uma sequen-
'9? por muiros anos as produrores de plugues riveram que anexar um pe- cia em particular — vermelho seguido de verde corn, algumas vezes,
‘In
I dago de papel conrando as pessoas que aquele codigo ou convengzio um aviso amarelo entre eies que diz, na realidade, “Pique alerta! As
I
:(l_
.‘r
HI havia mudado, pols como eles saberiarn dc outra Forma? lllzes estfio para mud:-1r”. Consrrurivistas colocam esse ponto da se-
K
'1'. Vermelho e verde funcionarn na linguagem dos semaiforos guinre forma: o que significa, 0 que carrega sentido, eles argumen-
1* '
Ill.r
l. porque “pare” e “siga” siio os senridos que foram arribuidos a eles Y9-II1-,’nz'|o é cada cor por si mesrna nem 0 conceito ou palavra para
.|I
||
|
I na nossa cultura pelos cédigos ou convengoes que governam essa @111. E a dgferenpa entre vermelbo e verde que significa. Este é um prin-
I
n linguagem. Esse codigo é amplamenre conheciclo e quase univer- °IPi0 muito imporranre, em geral, sobre representagio e sentido, e
salrncnre obedeciclo em nossa cultura e em outras semelhantes £1 1165 deveremos retornar a ele em mais de uma ocasiio fa frente. Pense
nossa — embora possamos bem imaginar algumas que néo possuem 0 5°51’?! isso nesses termos: se vocé nio pudesse diferenciar entre ver-
cécligo, nas quais essa linguagem seria urn completo rnisrério. mdhfl e Verde, nzio poderia usar um para significar “pare” e 0 outro
Permitam-nos conrinuar com o exemplo por um memento, P911 Significar “siga”. Da mesrna Forrna, é apenas :1 diferenga entre as
para explorar urn pouco mais além: como, de acordo com a aborda- Iemls P e T que permirem que a palavra SHEEP [ovelha] seja ligada,
gem construrivisra para a represenragao, as cores e a “linguagem dos 9° ¢6€ligo da lingua inglesa, ao conceito de “animal com quarro per-
L.
'l 52 _ CULTUFM EREPRESENTAQRO ] STUART HALL
representacionais que. por conveniéncia. nos ciiamamos dc "lingua- forma de representagéo reflexive ou mimética — uma pintura refletin-
gens“. O sentido é produznlo pela prética, pelo rralualho, cla repre- do 0 "sentido verdadeiro" do que ja existia na cozinha de Cotan? Ou
sentacéo. Ele é construido pela pratica significanre, isto é. aquela nos podemos encontrar a operagéo de certos codigos, a linguagem
que produz scnticlos. da pintura usada para procluzir certos sentidos? Comece com a per-
Como isso acontccc? Na verdade, depende de dois distinros — gunta: o que a pintura significa para vocé? O que ela esté ”dizendo"?
porém rclacionados — sistemas de representaczio. Primeiro, os con- Entéo continue e questione como ela esta dizendo isso - como a
ceitos que sao formados na mentc fiincionam como um sistema dc representacéo funciona nessa pintura?
representaczio que classifica e organim o mundo em categorias inte-
ligiveis. Se nos temos um conceito para alguma coisa. nos podcmos Escreva quaisquer pensamentos que surjam enquanto olha para a
dizer que sabemos scu “sentido”. pintura. 0 que esses objetos dizem para vocé? Que sentidos eles
Nao poclemos, contudo. com unicar esse sentido sern um scgundo desencadeiam?
sistema cle representaciw - a linguagem. que consiste em signos orga-
nizaclos cm varias relacoes. Os signos, por sua vez, so podcm transpor-
rar sentidos st: possuirmos codigos que nos permitam traduzir nossos
conceitos cm linguagem — e vice-versa. Esses cédigos. que sao cru-
ciais para o sentido e a representacéo, nao cxistem na narureaa. mas
5:10 o resultado de con vengoes sociais. Eles formam uma parte crucial
da nossa cultura — nossos “map-as de sentido” compartilhados — que
aprendcmos e, inconscientemente, intcrnalizamos quando dela nos
tornamos membros. Essa abordagem construtivista para a linguagem
i en rsio introduz o dotninio simbolico da vida, em que palavras e coisas
funcionam como signos, no coragao da prépria vida social.
ATIVIDADE 4
Tudo isso pode parecer um tanto abstrato. Mas nos podemos rapi-
damente demonstrar sua relevancia com o exemplo de uma pintura.
noun»;
Olhe para a natureza-morta do pintor espanhol Juan Sanchez Cotém Juan Cotén, Mormeio, repoiho, meido e pepino, c. 1602 l
(1521-1627), intitulacla Marmeio, repoiho, meicio epepino (Figura 3].
E como se o pintor tivesse feito todos 05 esforcos para usar a "lin-
guagem da pintura” para refletir esses quatro objetos precisamente,
para capturar ou “imitar a natureza“. E este, entéo, 0 exemplo de uma
h-_
U ,--. . , a
‘ 1| * r 56 curruaae -
sssum ao sruanr L . _
i| 1 1 - REP“ c I HM . OPAPEL on aeansssmagao _ 5?
‘.
2. O Iegado de Saussure
LEITURA A
Se necessério, releia 0 texto, trabalhe com ele novamente, 5e!eci0- P0? Exemplo), ele seré correlacionacio com 0 rzgnéflcazio (o conceito
nando esses pontos especificos. dfi Um telefone portzitil na sua cabega). Os dois siio necessaries para
Pffiduzir serzriclo. mas é a relacio entre eles, fix-ada pelo n osso cédigo
NI" ~
fiiltural e lingufsrico, que susrenta a representacao. Enrfio,
53 _ CULTURAE REPRESENTAQEO | STUART HALL o PAPEL on REPRESENTAQAO 59
> .
o signo é a uniao de uma Forma que significa (signzficanre) e uma icleia clevem esrar organizados ern um “sistema de diferenca5" E 3
significacla {_tigr2rficad0). Ernbora nos possarnos Falar como sc eles entre os signifieantes que Significa,
fossem entidacles separaclas, eles existem apenas corno cornponentes Além
I djsso , a rcla,c;a’o entre o srgmficante
' ‘ - -
e o srgmficaclo. que e.
do signo (...) [que é] o Faro central da linguagem (Culler, 1976: 19). pelos nossos oochgos culrurais, nao é, argumentou Saussure
5-fislnanentemente fixa. Palavras mudam seus sentidos. ()5 (joncgitos,
=§=-:'_- 5., Saussure tarnbém insistiu no que charnamos, na Segao 1, de na- " . ificados) aos (1 uais elas se referem tambern
I se mocllficam,
. his-
9’
..i=p'ncamente, e toda transformagao altera o mapa conceirual da cul—
tureza arbitraria do signo: “Nio ha nenhuma ligagao natural ou ine»
6!4 vitavel entre o significante e o significado.” Signos néo possuem um l"?;and° dlfcrentes Cultllffifi, Em distintos mornentos historicos,
sentido fixo ou essencial. O que significa, de acordo corn Saussure, 3' 955‘ car '6 P9115111‘ Spbre o mundo de maneira diversa. Por rnuitos
-rl 85611108. 80Cledades ocrdentais associaram a palavra PRETO com md o
1 I-
nao é VERMELHO ou a esséncia da “vermelhidao”, mas a dzferenga
entre VERMELI-IO e vanmz. Os signos, argurnentou ele, “sao membros oaque
_ era escuro , mau , [J roibicl 0, dtabollco,
' ' ' -
pengoso .
e pccam1noso_
dc um sistema e clel-lnidos em relagao a outros membros daquele Contudo, pense em como a percepeéo das pessoas negras nos Esta-
sistema”. Por exemplo, é dificil definir 0 sentido rle PAI, a nao set que dos Unidos na década de I960 mudou de ois u f .. .
_ n I _ P qearaseBlack1s
esteja em relagao a outros parentescos, como 1vtA1=., FILHA, FILHO, e beautlfitl [Preto e boruto] tornou-se um slogan famoso — na qual
=_i;E= 'fi1.E= 5:i-1:=i 5:1;-5
|<|
nos terrnos cle sua diferenca para com estes, e assim por diante. 9flsignifitante‘ ., 1=1u=.'ro3 f’ - -
01 levado a slgnrficar . exammemfi
0 senndo
. Hr
ul
III‘?
A demarcacao da difercnca dentro da linguagem é Fundamental P-'1”-t° (*'%"{fi¢‘¢d’0) as suas associacées prévias. De acordo Com 35
{qr - itieias dc Saussure,
{n-||-1 para a produgao do sentido, dc acordo corn Saussure. Mesmo em
um nivel simples (para repetir um exernplo anterior), nos devemos
Al‘- 1-"'5=.? estar aptos a distinguir, clentro da linguagem, entre SHEEP e SHEET, 3 linguagem
’ _ confi 5ura uma rE I a§=10
' arbrtrana
' ’ - - -
entre Slgnlfifiantgg 3.
antes de poderrnos ligar uma dessas palavras ao conceito de animal sua Pl:0P!'13 escolha dc um lado, e significados at sua prépria escolh
~ dc outro . N’ao somente cada lin - -- A
que produz la, e a outra ao conceito de urn tecido que cobrc uma _ _fi I Eu?‘ Pmduz um £0I‘l]LlI1l’0 dlrerente de
carna. O jeito mais simples de demarcar diferencas é, ciaramente. 315111 canres, articu ando e dividindo '
0 som C°"T1f11-10 (flu a escrita o
desenho, afozo rafia) dc uma m ' - - . !
por sentidos de oposicao binaria — como em noirefdia. on _ _ 5 H11 elra drsnnta. cada lrngua produz um
Iljunto d1Feren re de significadov ela rem um modo disri I3‘
Crfticos posteriores de Saussure observaram que binaries (isto <3. . " . nto e at ma-
prero/émnm) sao apenas uma maneira, bastante simplista, de estabe- HD df O!‘5I].I'liZ3_l' 0 mundo em conceltos
- e catcgonas (Culler, 1976; 33)_
lecer difi-zrenca. Assirn como ha uma disrincao gritante entre pram e
A-Um lica oes - -
bnmca, ha tanras outras, mais sutis, entre prero e cinza-escura, cinza
f591‘i.a da Eepregemijji ‘-‘iglillzlelrz sao de antplo alcance para uma
ercum e rinza-rlaro, rinza e creme e gums bramra, quase bmnco e bran-
.&|a.rg13;fi0 entre 0 qi rnifican [E sso Cl:!tE![_1Cllfl}Cl"1li0 sobre CLiltu1'3_
co brilhanre, bem como entre moire, madrugada, aurora, meio-dia e
“B11 Sifitema de conveniées
, Sod ais
‘e especrfico
seu slfgnrficado e o resultado
para cada sociecladedce
creprisrulo, e assim por diante. Contudo, a atencao as oposigoes
deter mlnaclos
' momenro h'- ' ' .
binarias ievou Saussure 21 revoiucionziria proposicao do que a lingua-
Produzid d S Broncos ‘ 1°80» F0405 H5 senndos
gem eonsiste em significantes. rnas para produzir sentido, os signifi- os entro cla hzstoraa e da cultura. Eles nunca pfldem
I|| l
'-:55 ‘1
-'|‘:-
jig:
n I
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Ill de linguagem dc estruturalistas. A segunda parte da linguagem, 0 _3;g-lingaxagem — niio na natureza ou no sujeito individual.
ato individual da fala ou do pronunciarnento Qparole}, ele conside- 1.1-" -vim“, 11501‘-‘=1, passar para a Secao 3 e oonsiderar corno a abor-
rou como a “superficie” da linguagem. Ha um numero infinito de construtivista para a representacao e, particularmentc, o mo-
pronunciamentos possiveis. Assim, a parole inevitavelmente faltarn dale Iinguistico de Saussure foram aplicados a um conjunto mais
essas ptopriedades estruturais, que formariam urn conjunto fechado -ample de objetos e praticas e evoluiram para o método remidtico
e limitado e nos permitiriam estuda-la “cientificamente”. que tanto influenciou o campo. Mas, primeiro, temos que levar em
O que Fez o modelo de Saussure atraente a vzirios pesquisadores oonta algumas das criticas Feitas ao seu posicionamento.
posteriores Fol a combinacao do caraiter fechado, estrururado, da lin-
guagem no nivel de suas regras e leis (que, de acordo corn 0 autor, <ZlJZ.CRlTICA A0 MODELO DE SAUSSUHE
habilitou seu estudo cientifico) com a capacidade de sermos livres
=4»:
'-;."=E“£5iE"—_§E-'.€ET3“:5?E§ E§5:=-
e imprevisivelmente criativos em nossos atos de fala. Os estudiosos Q -grands feito de Saussure foi nos Forcar a prcstar especial atencao
ll'-:l que vieram depois entenderam que Saussure ofcrecera a eles, afinal, ml linguagem em si, como um fato social, no processo de represen-
ll uma abordagem cientifica para este objeto dc pcsquisa pouco cien- B€=-'19 em si, em como a linguagem realmente Funciona e no papel
5'1
tifico — a cultura. desempenha na producao do sentido. Ao Fazer isso, Saussure
Ao separar a parte social da linguagem (lzmgue) do ato individual a linguagem do status dc rnero meio transparente entre coisas
de comunicacao (parole), Saussure rompeu com a nossa nocao de Ele mostrou, em vez disso, que a representacao é uma
senso comum de como a linguagem fiinciona. O en tendimento vul- No entanto, em seu proprio trahalho, Saussure tendeu a
gar acredita que a linguagem vent de dentro dc nos — do interlocutor quase exclusivamente, nos dois aspectos do signo — rz'gmfi'car:re
ou escritor individual; que o sujeito que fala ou cscrcvc seria 0 autor l*"\”'37lI;fi‘tad0. Deu pouca on nen huma atencao a como essa telacao
ou criador do sentido. lsso 6 o que nos chamamos, anteriormente. -Fign{ficanrefs£g1::fi'crzd0 poderia scrvir ao proposito do que nos
dc modelo z'nrencz'0na[ da rcpresentacao. Entreranto, de acordo corn ‘P5-milmente cllamamos dc rcjeréncia — ou seja, nos referindo ao
o modelo de Saussure, cada afirniagao auroral so sc torna possivel {E3140 das coisas, pessoas e eventos que esrao fora da linguagem,
porque o “autor” compartilha com outros usuarios da linguagem as mundo “real”. Linguistas posteriores fizeram uma distingzao en-
regras e codigos comuns do sistema — a langue —, que perrnite que -Qfdigamos, o significado da palavra uvno e o uso da palavra para
eles st: cornuniquem um com o outro significantemente. O autor :1 >1‘Efer1r a um livro especfflco repousando na mesa atras de nos. O
decide o que ela quer clizer. Mas ela néo pode “decidir” usar ou nao as SIB. Charles Sanders Pierce. ao adotar uma abordagern similar
regras da linguagem, sc ela quer ser cornpreendida. Nos nascemos em --; ' Saussure, prestou mais atengao a relacao entre significantesf
64 _ CULTURA E REPRESENTAQAD l STUART HALL O PAPEL DA REPRESENTACAO _ 65
significados e que ele chamou de seus rqferentes. O que Saussure cha- déldfl fflflmfinto, como se isso Posse estatico, e corno se pudesse
“‘i-“-S-: l mou de significacio realrnente envolve améos, sentido e referéncia, -Gunter 0 fluxo de transirormacao da linguagem- Todavia, o caso é que
mas ele Focou principalrnente na forma. daqueles que haviam sido muito influenciados pela ruptura
l
i‘ 1
Outro probletna é que Saussure tendeu a se concentrar nos as-
pectos fivrmair da linguagem — em como a linguagem realmente
funciona. Isso tem a grande vantagem de nos fazer exarninar a rc-
de Saussure com o modelo reflexive e o intencional da repre-
§§*'aflg‘-’J1o apoiaram-se em seu trabalho, nzio imitando seu enfoque
_i§gn1£ifico e “estruturalista”, mas aplicando seu modelo dc uma ma-
ii presentacao corno uma pratica digna de estudo detalhado em seu bem mais solta, em aberto — isto é, “pos-est1"uturalista”.
..--I:-1, -1i proprio rnérito. Somos forcados a olhar para a prépria linguagem, c
|_-'.',l
ll
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_I-nIi nao como se Posse apenas uma “janela no mundo” vazia e transpa- RESUMO
l||.'i
rente. No entanto, o foco dc Saussure na linguagem pode ter sido
exclusivo demais. A atencéo aos seus aspectos formais realrnentc longs, entao, nos caminharnos em nossa discussao sobre as
|
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-|.'|
tirou a atencao das caracteristicas mais interativas e dialogicas da da rqorerentagioi Comecamos contrastando trés diferentes
ii.
nil
'l'!
.--‘i
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linguagem - como é realmente usada, como funciona em situacoes gufoques. A abordagem reflexiva ou mimézica, que Pfopfig uma 1-3-
-ll
reais, no dialogo entre diferentes tipos de interlocutores. Entao, nao direta e transparente dc imitaeao ou reltlexao entre as palavt-as
;- '.-;~
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é surpreendente que, em Saussure, a questao do poder na linguagem (lsignos) e as coisas. A teoria intencional, que reduziu a representacao
..r — por exernplo, entre interlocutores de diferentes status e posicoes - isintengtoes do autor ou sujeito. A teoria conmutivxkra, que propoe
“ii
nao tenha grandt: cxpressao. relagao complexa e mediada entre as coisas no mundo, os con-
-;'|'-
| if
Como por vezes acontece, o sonho “cientifico” que residia por em nosso pcnsamento e a linguagem.
:i-ii5}.: rras do impuiso estruturalista do seu trabalho (embota influente em Nos nos concentramos demoradamcnte no ultimo enfoque. As
H-‘In
nos alertar para certos aspectos de como a linguagem funciona) entre esses niveis — o material, o conceitual e o signifi-
provou ser ilusorio. A linguagem mic é um objeto que possa ser es- - siogovernadas pelos nossos codigos culturais e linguisticos,
tudado com a precisao dc uma ciéncia. Teoricos culturais posteriores Conjunto _de interconexoes que produz sentido. Mostrarnos,
.,_
aprenderam com o “estruturalisrno” de Saussure, mas abandonaratn 0 quanto esse modelo geral de como os sistemas de repre-
sua premissa cientifica. ° filflcionam na producio do sentido se deve ao trabalho
A linguagem perrnanece govetnada por regras, mas nao é um de Saussure. Aqui, o ponto-chave era a ligacao pro-
sistema “Fechado” que pode ser reduzido aos seus clementos Formais. pelos cédigos entre as Formas de expressao usadas pela
Uma vez que esta constantemente mudando, ela é, por definicao. hug-'33“
" . Em (seja fala, escrita, desenho ou outros tipos dc representa-
um conceito aberro. O sentido continua sendo ptoduzido pela lin- §'J " que Saussure chamou de rzlgnfflcarzrer — e os conceitos rnentais
guagem em formas que nunca podern ser previstas dc anternao e o at
it-Y5fifld0sa eles - os szlgmffirados. A conexao entre esses dois sistemas
seu deslizaniento, como nos descrevemos acima, nao pode ser conti- TB": ' produz srgnos,
P esfifltaeao - . e estes, organizados
- .
em ltnguagens,
do. Saussure deve ter sido atraido pela forrna porque, como UI11 boni F_'_“B-"dulfim sentido e podem ser usados para referenciar objetos, pes-
estruturalista, tendia a estudar o estado do sistema de linguagem en: - 3 Bventos no mundo “real”.
it
_i’;| 66 _ CULTURAEREPRESENTACPD I STUART HALL O PAPEL DA REPRESENTAQAO _ 6?
3. Da linguagem £1 cultura: da linguistica 3 semiotica O argurncnro iimdamental por rras da abordagern semiética é
que, uma ve"/_ que todos os objetos cuimrais expressam sentido. e ru-
A principal contribuigao de Saussure foi a0 estudo da linguistica em das as prziricas culturais depende-m do sentido. eies devern Fazcr uso
sentido restrito. No enranto, desde sua morte. suas teorias tém sido dos signos; e na medida cm que Fazem. devem funcionar como a
amplarnente urilizadas como base para uma abordagem mais geral linguagem fiinciona e ser suscetiveis :1 uma analise que, basicamcnre,
da linguagem e do sentido. fornecendo um modelo de representa- faz uso dos conceitos linguisricos de Saussure (ou seja, a distingfiu
gio aplicado a uma ampla série de objetos e prziricas culturais. O entre significante/signiricado e [mzgue/para/e, sua ideia de cédigos c
proprio Saussure previu essa possibilidade em suas famosas notas dc estruturas subjacentes e a narureza arbirraria do signo).
’{I1--i ieirura, postumamenre coletadas pelos seus estudanres como Curso Entzio, quando em sua coiegzio de ensaiiis Mirolagiar (2011) o
1'1", de [inguz'stica gem! (2012), em que ele buscava “(...) uma ciéncia que cririco firancés Roland Barthes esrudou “O mundo da luta livre“.
ilvl
ll I
III ‘
estude a vida dos signos denrro da sociedade. (...) Eu devo chamzi-la “Sabine cm pé e derergentes", “A face de Greta Garbo” ou “Os gmiar
-1->,
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semiologia, do grego remeion, ‘signosm (Saussure, Z012). Esse en- azuis para a Europa”, ele rrouxe a abordagcm semiorica para dar
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Foque geral no estudo dos signos na cultura, e da cultura como um suporte $1 sua “leirura” da cultura popular, tratando essas arividades
Iiin
1|‘
‘Ir tipo de “linguagem”, que Saussure projetou. agora é generalizada- e objetos como signos. como uma linguagem pela qual 0 sentido é
,|
~.I”,;.;. comunicado. Pot exemplo, a maioria de nos pensaria em iuta iivre
-4
men re conhccido pelo termo semiética.
..
1.
.; v como um jogo ou esporte competirivo elaborado para um lurador
'1
.- 'c
conquistar a vitéria sobre seu oponente. Barthes, no enranto. per-
gunta nao “Quem venceu?“. mas "Qual 0 sentido desse evento?“ Ele
1 trata isso como um texm a ser [Ida e “lé" os gestos exagerados dos
'.~'-' '
.,\ i lutadores como uma linguagem grandiloquente do que ele chama
,. ' I
.1; de puro espctaiculo do exccsso.
1
r1
|
LEITURA B
1.
1; I
Vocé deve agora Ier 0 breve resumo da “|eitura" de Barthes de
"0 mundo da luta livre’1 disponibilizada como Leitura B no final deste
i
|
H\.
I
Ii
FIGURA4
A Iuta livre como uma linguagem do "e-xcesso’
1
.H_
DH mcsma forma. 0 antropoiogo Frances Claude Lévi-Strauss
can-1d0Ll 0s costumes. riruais. objetos totémicos. designs, mitos c
efintos folcloricos dos chamados povos “primitives” do Brasil. Hie
I
|,
F" -
nao analisou como essas voisas cram produzidas e usadas no con- “dizendo". Como vocé decodificaria a mensagem? Em particular,
texto da vida diaria entre os povos amazonicos_ mas em rermos do quais elementos operam como significanres e quais conceitos -
que elas esravam tentando “dizer”, quais mensagens sobre cultura significados - vocé esta aplicando a eles? Néo pegue apenas uma
cornunicavam. Levi-Strauss analisou o sentido, nao interpretando impressao geral - analise detalhadamente. Como a "linguagem da
seu conreudo, mas olhando para as regras e codigos Fundamentals m0da"funciona nesse exemplo?
pelos quais tais objetos ou praticas produziam sentido e, ao fazer
isso, estava também fazcndo um classico “m0vimento" saussuriano
ou estrururalista, das paroles da cultura Z1 estrutura firndamental. sua
ilrmgue. Para ernprcendcr esse tipo de rrabalho. estudando 0 sentido
de um programa dc releviszlo. por exemplo, nos teriarnos que rratar
as irnagens na tela como significanres. e o uso do codigo da novela
televisiva como genera, para descobrir como cada imagem na rela laz
uso dcssas regras para "dizer algo“ (significados) que 0 cspcctador
pudesse “let” ou interpretar denrro do quadro dc: um tipo particular
dc narrariva relevisiva.
Na abordagern semiorica. nao apenas palavras c imagens, mas
os préprios objetos podem funcionar como significantes na produ-
gao do sentido. Roupas. por exemplo. podem ter uma l‘L1f1\,‘;'1() lisiea
simples — cobrir e proteger o corpo do clima. Conrudo, também se
apresenrarn como signos. Elas consrroem significados e carregam
uma mensagem. Um vestido de noite deve significar "elegancia“:
gravata-borboleta e jaqueta longa, Tornwalidade“: jeans e Camisee
ta. “roupa casual": cerro tipo de casaco na combinagao cert-a, “um
HGURA 5
passcio longo e romantico na Horesra durantc o outono“ (BJ1I'[l1CS~ Propaganda da Gucci na Vogue, setembro de 1995 .
2012). Esses signos permirem que as roupas carreguem significado c
Funcionem como uma linguagem — “a linguagem da mod-a“. Como A5 roupas, por elas mesmas. sao ox sigriilicaiites. O codigo da
elas Fazem isso? m0da nas culturas eonsumidoras ocidcntais. como a nossa. corre-
lacionam tipos ou conlbinagoes parriculares de roupas com cerros
ATIVIDADE 5 conceitos (“clcg£1ncia", “Torliialidrade”, “casu-alidade“, "rornance"l.
E-Sses sao os .\"r'gr11if11om/0;. Esses codigos convertem as roupas em sig-
Olhe para o exemplo das roupas em uma revista de moda (Figura 5). "95, que podem ser lidos como uma linguagem. Na linguagem da
Aplique o modelo de Saussure para analisar 0 que as roupas estéo moda, os signilicanrcs sao arranjados em ccrra sequéncia, em de-
llj TO _ CULTURA EREPRESENTAQKO | STUART HALL O PAPEL DA REPHESENTAQKO _ Tl
terrnjnadas relagées uns com os outros. As relacfies podern ser de é 0 nivel simples, basico, descfitivo, em que 0 con-
|I similar-idade — cerros itens “combinam” (isto é, sapatos casuais com é diftmdido e a rnaioria das pessoas concordaria no significado
l|
jeans). Diferengas também sao marcadas — nao usar cintos de couro , “jeans”). No segundo nivel — crmoragdo —, esses significan-
corn vestidos de noite. Alguns signos rcalmente criam sentido explo- fomos capazes dc “decodificar” em tun piano simples (usan-
rando a “diferenga”: botas de couro com uma longa saia florida, por classificacoes conoeituais convencionais de vestido para
exemplo. Essas pegas de roupa “dizem alguma coisa” — elas contém significado) entram em um segundo tipo de codigo, mais
significado. Obviamente, nem todo mundo lé a moda da mcsma - “a linguagem da moda”. Por sua vez, ela os conecta a senti-
forma. Existem diferentes géneros, idades, classes, “ra<;as". Mas to- Semas mais abrangentes, ligando-os ao que nos charnaremos de
dos aqueles que cornpartilham 0 mesmo cédigo de moda interpre- semdntiros mais vastos dc nossa cultura: ideias dc “elegz“mcia",
”, “casualidade” e “romance”.
tario os signos de formas mais ou menos semelhanres. “Oh, jeans
segundo e mais amplo significado ja nao se encontra em
néo é adequado para aquele evento. E uma ocasiao formal, demanda
patama: descritivo dc interpretagao obvia Aqui, comegamos a
algo mais elegance.”
os signos completos, nos termos do reino mais vasto da
Vocé deve ter notado que, nesse exemplo, nos mudamos do
social - as crencas gerais, quadros conoeituais e sistemas
nivel linguistica mais restrito, do qual nos retiramos exemplos na
iilores da sociedade. Esse segundo nivel de significacao, sugere
primeira secio, para um nivel mais amplo, cultural. Perceba, tam-
é mais “geral, global e difuso”. Lida com “fiagrnentos cle
bém, que duas operaeécs interligadas sao necessarias para completar
ideologia. (...) Esses significados tém uma comunicacfio muito
1 0 processo dc representaeio pelo qual 0 sentido é produzido. Primei-
com a cultura. com o conhecimento, com a historia, e é
ro, nos prccisamos de um cridzgo bésico que ligue uma pega material
I Ilil
meio deles, por assim dizer, que 0 mundo [da cultura] invade 0
em particular que é cortada e costurada em um modo especifico
[da representagao]” (Barthes, 2012: 91-92).
_| (rignzficante) ao nosso conceito mental dela (sigmficado) - digamos,
l lvl |l um determinado corte de material ao nosso conceito dc “vestido" MITO HOJE
on “jeans”. (Lernbre que apenas algumas culturas “leriam” 0 sentido
dessa forma, ou mesmo possuiriarn 0 conceito (ou seja, classificar “O mito hoje”, em Mimlogias, Barthes dé outro exemplo
roupas dessa forma) de “vestido” como diferente de“jeans”.) A com- ajuda a enxergar exatamente como a representacao fimciona
binacao do significante e do significado é 0 que Saussure chamou nfvel, cultural, mais amplo. Em uma ocasiao, visitando
de rigno. Entao, tendo reconhecido 0 material como um vestido, ou eles mostraram a Barthes uma cépia da revista Francesa
um jeans, e produzido um signo, nos podemos progredir a urn sc- em cuja capa havia a imagem de “um jovem negro vesti-
gundo nivel, mais ample, que liga esses signos a temas, conceitos ou um uniforme Frances, prestando continéncia, corn os olhos
sentidos mais abrangenres e culturais — por exemplo, um vestido de provavelmente fixos em uma prega da bandeira tricolor
noire it “formalidade” ou “elegancia”, jeans it “casualidade". Barthes (l972b:116).
ehamou 0 prirneiro nivel, descritivo, de dcnotaeio, e 0 segundo, de No primeiro nivel, para caprar qualquer sentido, nos temos que
oouotaeio. Arnbos, obviamente, requerern 0 uso de codigos. cada urn dos significantes da imagem em seus conceitos
lllll 72 _ CULTURAEREPRESENTAQKO I STUART HALL O PM-‘EL DA REPRESENTAC-#0 _ 73
apropriados: isto é, um soldado, urn uniforme, um braeo erguido, fist: SCgUIld0 conceito ou tema um name: ele 0 dmlnfl dfi “"1111
l
ll
l
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l
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olhos erguidos, uma bandeira da Franea. Isso produz um conjunto
de signos com uma mensagem ou significado simples e literal: um
solalrzdo negro estd saudando a brmdeirafirmcesa (denotacao).
a propésito do ‘imperialismo francés' e do ‘militaIi$H10m-
ele, adiciona uma mensagern sobre o colonialismo Frances
fiéis soldados filhos negros. Barthes chama esse segundo nivel
No entanto, Barthes argumenta que essa imagem tarnbém tern de mito. Nessa leitura, 0 autor adiciona:
um significado mais amplo e cultural. Se nos perguntarmos “O que
a Paris Match esta nos dizcndo ao usar essa imagem de urn soldado impcrialismo Frances é o motor por tras do mito. O conceito
negro saudando uma bandeira Framcesa?”, Barthes sugerc que pode- uma cadeia dc causas e efeitos, m0fiV0$ B il1F¢"§5¢5- (---)
mos pensar: meio do conceito (...) toda uma nova hisroria (...) é implanrada
mo mito (...), o conceito do imperialismo 51111055 (---) 6585-, dB HOV!)-
(...) que a Franca é um grande império, e que todos os seus filhos, sern flhculado A totalidade do mundo: a imam geral <13 Fran§3> is Sm
;.~:¢>~
nenhuma discriminacao de cor, fielmente servem sob sua bandeira, e coloniais, as suas dificuldades aruais (1972b: 119).
l
que néo ha nenhuma resposta melhor aos desertorcs de um alegado
colonialismo do que 0 fervor mosrrado por esse negro ao servir os seus
assim chamados opressorcs [conotacio] (l972b: 116).
FIGURA 6
“ltalianidade”e o andncio da Panzani
l Ȥ
76 _ CULTURA E REPRESENTACAO I STUART HALL
O PAPEL DA REPFIESENTAQAO _ U
prétieas sociajs e as questoes de poder. Na abordagem semiotica, hurnanas e sociais — o que ele chamou “as ciéncias so-
1 ll lll o sujeito foi retirado do centro da linguagem. Teéricos posteriores as”. Essas adquiriram um papel cada vez mais pro-
l I ,
ll | retornaram it questio do sujeito ou, ao menos, ao espaco vazio que e mfluente na cultura moderna e sao, em varias instfincias,
l | . I: l|. a teoria de Saussure havia dcixado; sem, obviarnente, coloca-lo(a) como os discursos que, como a religiao em tempos
il' l : ll de volta ao centro, como autor ou fonte do sentido. Mesmo que a nos dario a “verdade” sobre 0 conheeimento.
' |
I I
linguagem, de algum jeito, “fale sobre nos” (como Saussure tendia a intencio aqui é introduzir Foucault e a abordagern dis-
l ; I
" ll ll|' argumentar), também é importance notar que em certos momentos para a representacio, sublinhando trés de suas principais
ii‘ |.!l. historicos algumas pessoas tém mais poder para falar sobre determi- seu conceito de discurso, 0 problema do poder e can/aecimew
. Ill nados assuntos do que outras (médicos homens sobre as pacientes fqucstio do sujeito. Pode ser fttil, no entanto, comccar dando
loucas no fim do século xrx, por exemplo, para pegar um dos exem- visio geral, nos tertnos foucaultianos (um pouco cxagerados),
plos-chave desenvolvidos na obra dc Michel Foucault). Modelos dc o autor enxergava as diferencas entre seu projeto e aquele
reprcsentacio, argurnentaram esses criticos, devem focar nesscs as- semiética para a representacio. Ele se distanciou de
pectos mais amplos dc conhecimento c poder. como a de Saussure e a de Barthes, com base no “do-
,.l';|'l
|l|l'
Foucault usou a palavra “representacio” em um sentido mais res- da estrutura significant:-:”, em direcio a um modelo calcado
|'V . |' trito do que nos estamos usando aqui, mas considera-se que ele te- ele chamou de “relaqoes de forca, taticas e desenvolvimentos
nha contribuido para uma nova e significativa abordagem para os
problernas da representacio. O que 0 preocupava era a producao
de conhecimento (em vez dc apenas sentido) pelo que ele chamou "E-Rio que aquilo que se deve ter como referéncia néo é o grande mo-
dc discurso (em vez dc apenas linguagem). Seu projeto, disse ele, da lingua e dos signos, mas sim da guerra e da batalha. A histo-
era analisar “como seres humanos se cntendem em nossa cultura” -'-firzidadc que nos domina e nos dcrerrnina é belieosa e nio linguistica.
lllll ii lll
e como nosso conhecimeuto sobre "0 social, 0 individuo a ele in- dc poder, nio relacio de sentido (Foucault. 1984: 6).
.4 |}'-I
"|l'l. l corporado e os sentidos compartilhados” vcm a ser produzido em
djferentes periodos. Rajcitando tanto 0 Marxismo Hegeliano (que ele chamou de “a
Com sua énfase na compreenséo cultural e nos sentidos com- ”) uanto a setniotica, Foucault a1'8“ mentou ‘I ue:
l
P
partilhados, vocé pode ver que 0 projeto dc Foucault era ainda, em
|_]|
I ll |
algum grau, devido a Saussure e a Barthes (veja Dreyfus e Rabinow, Nam a dialética (como logica de con tradiqio), nem a serniotica (como
l'l
lllll
| I l||l
|l|| 1982: 17), cnquanto em outros pontos Foucault se separava radi- da cornunicacio) poderiam dar coma do que é a inteligi-
calrncnte deles. A obra deste é bem mais historicamente fundamen- -Hilidade intrinseca dos conlrontos. A “dialétiea” é uma maneira de
*|l||
l
,
nlll tada, mais atenta a especificidades historicas, do que a abordagem a realidade aleatéria e aberta desta inteligibilidade reduzindo-a
. I
ll semiotica. Como ele mesmo disse, “relacoes de poder, 11:10 relacoes flb esqueleto hegeliano; e a “semiologia“ é uma maneira de evitar seu
||
I ll
de sentido“ cram sua preocupacio principal. Os objetos particulates fiiriiter violento, sangrento e mortal, rcduzindo-a £1 forma apaziguada
da atencio de Foucault cram as varias disciplinas do conhecimento platonica da linguagem e do diz-ilogo (1984: 6).
|fl pl
l "T 80 _ CULTURA EREPHESENTAQAO | STUART HALL
all!
O PAPEL DA REPRESENTACRO _ B3
82 _ CULTURAEREPRESENTAQRO I STUART HALL
A Mi ll
sobre esses temas dcvcria incluir os scguintes elemcntos:
WM B4 _ CULTURAEREPRESENTRQAO I STUART HALL O PRPEL DA REPRESENTAQAO __ 35
dadciras”, clc argumcntou, apenas em um contaxto /rrlrtdrico mpeafico. Da mcsma Forrna, nio faz scnticlo fitlar sobrc a “rnulhcr histé~
Foucault nio acrcdirou quc os mesmos fcnomcnos scriam obscrvados fora da visao do século xrx dc histcria oomo doenca femini-
em rnomcntos historicos difcrcntes. A0 rcvés, clc dcfendcu que, cm difimdida. Em O nascimento da clinica (2011), Foucault
cada perfodo, 0 discurso produz formas dc conhccimento, objetos, su- como “cm mcnos dc um século, o cnrcndimcnto médico
jeitos e préticas dc conhccimcnto quc_ sio radicalmcntc difcrcntes dc foi rransforrnado” da nocio claissica cm que a doenca
uma época para a outra, som urna ncccssaria continuidadc entre elas. scparada do corpo para a idcia modcrna dc que a docnca
Entao, para Foucault, a docnga mental, por cxemplo, nio é um dcnrro dele c podcria ser dirctamcntc mapcada pelo seu ca-
Faro objetivo, quc sc mantém igual cm todos os pcriodos historicos e lm Orgmismo (MCNQY, 1994). Essa troca discursiva mudou
guarda 0 mesmo sentido em toclas as culturas, mas algo dmtra dc uma médica, que passou a dar mais irnportfincia 3,9 “glhar” do
formaczio discursiva definida, por meio da qual o objeto, a “loucura”, que agora podcria “Ier” o curso da docnca sirnplcsmenre
olhar podcroso para 0 qua Foucault chamou dc “o corpo
podcria aparccer como uma construcio corn sentido ou inteligivcl.
do pacientc — scguindo os “rotciros (...) prcvistos cm confor-
[Ela era] constituida por tudo 0 que foi dito em todas as cnunciacocs com uma gcometria agora familiar (...) 0 atlas anatomjco”
que a mcncionaram, dividiram, dcscreverarn, explicamm, tracaram 2011). Essc conhccimento maior aumcntou o poder dc
seu dcsenvolvimento, indicaram suas vsirias corrclacocs, julga.ram- do méclico vi:-a‘-vi: ao pacientc.
—na, e possivelmcntc cleram a ela uma fala ao articular, em seu nome. oonhccimcnto sobre todos esses sujeitos e as préticas ao redor
discursos que cram para ser tomados como proprios clela (2012). afirmou Foucault, sao historica e culturalmcnte cspccificos.
nio tinham, nem poderiam ter, uma existéncia com sentido
E foi apenas depois dc ccrta dcfinicio dc “loucura” ter sido posta
dos discursos cspccificos, isto é, fora das formas com que
cm przitica que o proprio sujeito — “o louco”, como 0 conhecimcnto
represcntados em discurso, produzidos como conhccin1cn-
médico e psiquizitrico da época “o” definiu — pode aparecer.
iegulados pclas prziticas discursivas c técnicas clisciplinéveis dc
Tomcmos alguns outros exemplos dc praticas discursivas cla
c tempo particularcs. Longs dc accitar as continui-
obra dc Foucault. Sempre houvc rclacocs sexuais, mas “sexualidade"
ttans-historicas das quais os historiadorcs sao téo orgulhosos,
como um modo especifico dc abordar, estudar ou regular o descjo
acrcditava que mais significativas sao as qucbras, rupturas
sexual, seus scgrcdos c suas fantasias, argurnentou o filosofo, somcn-
radicals dc um pcriodo para outro. entre uma
tc aparcccu nas socicdadcs ocidentais ern um momento particular da
discursiva c outta.
historia (Foucault, 1978). Semprc deve ter havido o que nos agora
chamamos dc formas hornossexuais dc comportarncnto. Entretan-
DISCURSO AO PODER/CONHECIMENTO
to, “o homosscxual” como urn tipo dc sujcito social espccifico foi
produzida, e so pode surgir, dcntro dos discursos, préticas c apara-
Obra posterior, Foucault tomou-so ainda mais prcocupado
tos institucionais morals, legais, médicos c psiquiatricos do firn do
Q mancira como 0 conhccimcnto operava nas praticas discur-
século XIX, com as suas tcorias particulates da pcrversidadc sexual
Bfn configuracoes insritucionais cspccificas para regular a con-
(Weeks. 1981, 1935).
86 _ CULTURA EREPRESENTAQAO I STUART HALL
O PAPEL DA REPRESENTACEO _ 37
duta dos outros. Ele se concentrou na relacao entre conhecimento e com as questoes da ideologla e do mlto, como virnos
poder, e em como este funcionava dentro do que o filosofo chamou
de apamto institucional e suas tecnologiar (técnicas). A concepcao de conrudo, tmha razoes bem especificas e convincentes
Foucault do aparato da punicio, por exemplo, incluia uma varieda- rcjertava a classrca problematlca marxlsta dc ldeologra
de dc elementos diversos, lingulsticos e nao linguisticos: argumentado que, em todas as cpocas, as rdelas reflettam
da socredade e, entao, as !(lCl3.S em vigor cram
dlscursos, instituicoes, disposicoes arquiteturais, regulacoes, leis, me- da classe dommante, que governa a cconomra capltallsta,
didas adrninistrativas, enunciados cientificos, proposiooes filosoficas, is pensamento correspondra aos mteresses dos dornmaclores.
moralidade, filantropia etc. (...) O aparato é, entio, sempre inscrito argumento de Foucault contra a teona marxista classlca
em urn jogo dc poder, mas é rambém sempre ligado a certas coordena- era que ela tendra a reduzrr toda a rclacao entre conhe-
das do conhecimento. (...) E nisso que 0 aparato oonsiste: estratégias poder at questao do poder cle class: e seus mteresses
cle relacoes de forca apoiando e sendo apoiadas por tipos dc conheci- filosofo Frances nao negava a exrstencra das classes, mas se
memo (Foucault, 1980: 194, 196). fortemente a esse poderoso elemento dc reducmmsmo eco-
ou de classes, na teona marxrsta da rdeologla. Em segundo
Esse enfoque tomou como um de seus temas-chave dc investi- argumentou que o marxlsmo tendla a contrastar as dlStOI-
gacio as relacoes entre conhecimento, poder e corpo na sociedade do conhecrmento burgues com suas proprras rervmdicacoes de
moderna. Emtergou o conhecimento como inexoravelmente envol- - a crencra manusta Foucault, por sua vez, nao acredrtava
vido em relacoes dc poder porque este sempre é aplicado 5. regula- forma de pensamenro pudesse reivmdlcar uma absoluta
cio da conduta social na pratica (ou seja, a “corpos” particulares). , fora do jogo do d.lSCllISO Yoda: as formas dc pensamento
Essa linha dc frente da relacao entre discurso, conhecirnento e poder SOCl3lS, ele acredatava, calam, mevltavelmente na intera-
rnarcou um desenvolvimento significativo na abordagern combati- conhecunento e poder. Entao, sua obra 1‘€]ClI3 a trad1c1o-
vista para a representacio que nos temos delineado. Ela recuperou a marxista no mteresse de quars classes a linguagem. a
representacao das garras de uma teoria puramente formal e deu a ela e o poder operam’
um contexto operacional historico, pratico e "global". posteriores a Marx, como o ltallano Antonio Gramscl
Vocé pode qucstionar em que rncdida essa preocupacio com dis- por Marx, mas que reyertou 0 !'CdLiC10I‘l!SITl0 da pers-
curso, conhecimento e poder trouxe os inreresses dc Foucault para de classes), desenvolveram uma defimcao de ldcologla que
mais perto daqueles das teorias clzissicas e sociologicas da ideologia, mats proxlma a posrcao dc Foucault, ernbora
especialrnente o marxismo e sua preocupacio em identificar as po- preocupada com as questoes cle classe para ser utihzada
sicoes dc classe e os interesses escondldos em formas particulares A nocao dc Gramscn é a dc que grupos socnzus particulates
dc oonhecimenro. Foucault, dc fato, chega mais perto de abordar Qm conflrto dc dlvcrsas formas, mclumdo ideologtcamente
algumas dessas questocs sobre ideologia do que, talvez, a semlotica o consenso dos outros grupos e alcancar um tipo dc
Formal tculla chegado (embora Roland Barthes também tenha se sobre eles, na pranca e no pcnsarnento Essa forma dc
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l as _ CULTURA E nEPn|:$EN1’A<;Ao | STUART HALL 0 PAPEL on REPRESENTACAO _ as
poder G1-amsci chamou de hegemonia: ela nunca é perrnanente e De acordo corn Foucault, o que nos pensamos que “sabemos”
nao é redutivel a interesses econémicos ou a um simples modelo um periodo particular sobre, digamos, o crime, i11flu¢m;i_=1 qomo
cléssico dc sociedade. Isso tem ccrtas similaridades com 0 posicio- controlamos e punimos os criminosos. O conhecirnento
namcnto de Foucault, embora se difcrencie radimlmcnte em alguns no vacuo. Ele é posto ao trabalho, por certas tccnologias
pontos-chave. _ de aplrcacio, em situacoes espccificas, Contflxtgg his-
O que djstinguia o posicionamento de Foucault sobre discurso, c rcglmes mstltucionais. Para estudar a punigio, vogé dgvg
conhecirnento e poder da teoria marxista dos intercsscs de classe e como a combmacao de Cl1SCl.ll'SO e poder — oonhecimentoz’
. da “distorcio” ideolégica? Foucault desenvolveu, pelo menos, duas - produzlu dcterminada concepcio de crime e do criminoso,
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Ih proposicées, radicalmente originais. efeitos reais tanto paro o criminoso quanto para quem
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wl c coruo csaes cfeitos tém sido colocados em przitica em rcglmes
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. |:|\ 4.3.1 CONHECIMENTO, PODER EVERDADE hrstoncamen te espccificados.
||l.. lcvou Foucault a falar nao da “verdadc” do conhecimento
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I, A primcira das proposicoes trata do modo como Foucault conce— absoluto — uma verdadc que permancce estatica, inalte-
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beu a ligacio entre conhecirnento e poder. Até esse ponto, embora lmportarem 0 periodo, situacio ou oontexto -, [nas de
.||,
Gramsci ccrtamente tcnha rompido com essa forma dc conceber 0 CllSCLll‘SlV2 que sustenta o regime da verdade. Entzio,
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poder, nossa tendéncia é pensar que ele opera dc maneira direta c nao ser vcrdade que filhos criados apenas pelo pal ou so pela
brutalmente opressiva, dispcnsando coisas polidas como cultura e inevitavelmcnte levados £1 dclinquéncia ou ao crime, mas se
conhecimcnto. Foucault argumentou que, nao apenas 0 conhcci- 1 que realmente é assim c puncm as Famflias de pais
memo é sempre uma forma de poder, mas este esta implicado nos isso tcra conscquéncias reais tanto para os pais quanta para
questionamcntos sobre se 0 conhecimcnto é aplicado ou nao e cm A sltuacio sc tornarai “verdadeira” para seus efeitos reais,
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quais circunstancias. O rema da aplicacio c da q€’tividaa'e do poder! que, em um sentido absoluto, isso nunca tenha sido conclusi-
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|' |, provado. Nas ciéncias sociais e humanas, afirmou Foucault,
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l |\*l conhecimento era mais importante, ele pcnsou, que a questio dc
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sua “vcrdade”.
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nao exlste Fora do poder ou sem poder (...) A vcrdadc é deste
O conhecimento ligado ao poder nao apenas assume a autori—
ela é produzida nclc dcvido a mulriplas cocrcoes e nclc produz
llllllll dade “da verdade”, como tem 0 condao dc sefzzer verdadeiro. Todo
‘ ll l mcntados dc poder. Carla sociedadc tem seu regime dc
I, conhecimento, uma vez aplicado ao mundo real, tem efeiros reais.
l l» sua upolmca
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1 gcral” dc vcrdadc: lsto c,I os tipos
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dc d1scurs0
e nesse sentido, pelo mcnos, “torna-se vcrdadeiro”. Conhecirnento, C13 acolhc e faz Funcionar como verdadeiros; os mecanismos e
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Ill H quando usado para regular a conduta dc outros, leva 5. constricio, 51 ififlincras que permitem distinguir os enunciados verdacleiros dos
li. ' regulacio c ao disciplinamento dc prziticas. Entio, “Nio ha relacao 8 maneira como se sancionam uns e outros; as técnicas c os pro-
dc poder sem a constituicio correlativa dc um campo de conhe- que sao valorizados para a obtcncéo da verdadc; o estatuto
l cimcnto, nem ha qualqucr conhecimento que nao pressuponha 6 que tém o encargo dc dizer 0 que Funciona como verdadeiro.
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QO _ CULTURAE REPRESENTAQKO I STUART HALL
jetiva controlar. Ele tambérn é produtivo. “N50 pesa em nos como de Foucault? A0 corpo. O filosofo 0 coloca no centro
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uma Forca que diz nio, mas attavessa c produz coisas, induz ao entre as diferentes formacoes dc poder/conhecimcnto. As
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prazer, a formas do conhecimento, produz discurso. Ele precisa ser de regulacio sao aplicadas ao corpo, e diversos aparatos e
-l pensado como uma rede produtiva que penetra todo 0 corpo social” discursivas o dividem, classificam e inscrevem diferente-
(Foucault, 1980: 119). O sistema de punicio, por exemplo, produz seus rcspectivos regimes dc poder da “verdade”.
livros, tratados, regulamentos, novas estratégias de controlc e resis- Vigiar epunir, por exemplo, Foucault analisa os modos bem
téncia, debates no Parlamento, conversagoes, confissoes, apelos e pelos quais o corpo do criminoso é “produzido” e discipli-
it brechas legais, regimes dc trcinamento para oficiais da priszio e assim distintos regimes de punicao na Franca. Em outra época,
por diante. Os esforcos para controlar a sexualidade produzern uma cram casuais, prisoes cram lugares aos quais o publico ti-
vetdadeira explosao de discursos — conversas sobre sexo, programas desirnpedido e a punicéo derradeira era aplicada violen-
dc televisao e radio, sermoes e legislacio, romances, esrorias e revis- ao corpo por meio de instrumentos dc tortura, execugzio
tas, avisos e conselhos médicos, cnsaios e artigos, teses aprendidas pratica cuja esséncia era a de ser publica, visfvel a todos.
e prograrnas dc pcsquisa, assim como novas prziticas sexuais (isto é. moderna de poder e regulacoes disciplinadas, em contraste,
sexo “seguro”) e industria (la pornografia. individualizada; os prisioneiros sao escondidos do pliblico
lllll 92 __ CULTURAEREPRESENTACAO I STUART HALL O PAPEL DA REPRESENTACAO _ 93
e frequentemente uns dos outros, embora estejarn sob continua vigi- Foucault é sempre mais historicizante, considerando formas
lancia das autoridades; a punicio é individualizada. Aqui, o corpo se ?ode1-lconhecimento como enraizadas em contextos e histériflfi
tornou o campo de uma nova forrna de regime disciplinante. Acirna dc tudo, para Foucault, a producio do conhe-
Obviamente, esse “corpo” nao é simplesmenre o corpo natu- é sempre atravcssada por questoes dc poder e do corpo;
ral que todos os seres humanos sempre possuiram. Ele é produzido gxpalldfi enormemenre o escopo do que esta envolvido na
dentro do discurso, de acordo com as diferentes formacoes discur-
sivas — o estado de conhecimento sobre o crime e o criminoso, o maior critica Feita a sua obra é a de que ele rende a absorver
que conta como “verdade” a respeito de mudar ou deter o compot- ooisa com o termo “discurso”, e isso tem 0 efeito dc encoraiar
tamento criminoso, o aparato e as tecnologias especificas de puni- seguidores a negligenciarem a infiuéncia dos fatorcs materiais.
céo prevalecendo 0 tempo todo. Isso é uma concepcio radicalmente e estruturais na operacio do poder./conliecimento. Al-
historicizada do corpo — uma espécie de superficie na qual diferentes r“ critioos também acreditarn que sua rejeicio de qualquer critério
U.
regimes de poder/conhecimento escrevem seus sentidos e efeitos. [.,&_f‘fyerdade” nas ciéncias hurnanas em favor da ideia dc um “regime
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Essa nocio encara o corpo como “totalmente impresso pela historia "_;;Lvcrdade” e do desejo pelo poder (0 desejo dc fazer as coisas ver-
2| >
e pelo processo de desconstrucio da histéria do [propriol corpo” * 'ras”) é vulnerzivel a ser considerada um simples relativismo. No
li
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(Foucault, 2015). '
I .
‘QWHO, nao ha duvidas sobre o grande lmpacto que sua obra tcve
l ‘iii toorias contemporaneas da representacao e do sentido.
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4.4 RESUMO: FOUCAULT E REPRESENTAQAO
IQECHARCOT E A PERFORMANCE DA HISTERIA
A abordagem Foucaultiana da representacio nao é fiicil de resumir.
Foucault trata da producao do conhecimento e do sentido pelo dis- seguinte, tcntaremos aplicar o método dc Foucault a
curso e de Faro analisa textos e representacoes particulares, como os exemplo particular. A Figura 8 mostra uma pintura de Andre
semioticos fizeram. Entretanto, ele tem maior inclinacio a analisar que retrata o famoso psiquiatra e neurologista jean-Martin
toda a finmagzio dircursiva 5 qual o texto ou a pratica pertence. Sua (1825-93) lecionando sobre histeria feminina a estudantes
preocupaczio gira em torno do conhecimento provido pelas ciéncias de sua famosa clinica em La Salpétriére, em Paris.
humanas e sociais, que organiza a conduta, o entendimento, a pra-
tica e a crenca, a regulacao dos corpos, assim como as populacoes
inteiras. Embora sua obra seja clatamente produzida na esteira da - J ATIVIDADE 7
“virada da linguagem" e profimdamente influenciada por ela, um
marco da abordagem comtrutivista da representacao, a definicao de . » -' Dlhe para a pintura de Brouillet (Figura 8). O que ela revela como
discurso estabelecida por Foucault é bem mais ampla que a de lin- - » uma representacéo do estudo da histeria?
guagem. Ela inclui varios outros elementos da pratica e da regulacao
institucional que a abordagcm de Saussure, com seu foco linguistico,
l!l .
94 _ CULTURAEREPRESENTAQAO | STUART HALL O PAPEL DA REPRESENTAQAO _ 95
|».
[1
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96 _ CULTURAEREPRESENTACAO I STUART HALL O PAPEL DA REPRESENTACAO _ 9?‘
de “trabalhar” sua dificil relacao com a lingua, “Anna O.” deu o ,f§1_1VlDADE 8
|
primeiro exernplo de uma “cura da Fala” que, obviamente, forneceu
l
toda a base do subsequente desenvolvimento do método psicana- atentamente para a imagem de novo e, tendo em mente
litico de Freud. Entio, nos estamos olhando, nessa imagem, para s sobre o método de Foucault de uma aborclagem
o “nascimento” de duas novas epirremes psiquiatricas: o método de representagéo, responda as seguintes questoes:
hipnose de Charcot e as condicoes que posteriormente produziram domina o centro da pintura?
a psicanzilise. ou o que é o “sujeito" na obra? As respostas (1) e (2) sao as
O exemplo tambérn tem varias conexoes com a quest:-‘io da re-
presmtagia. Na imagem, a paciente esta fazendo uma performance
Vocé Consegue dizer se o conhecimento esta sendo produziclo
ou “representando” com o seu corpo os sintomas histérioos dos quais
ela “sofre”. Esses sintomas, contudo, também estzio sendo “reapre-
percebe sobre as relagoes de poder na imagem? Como
sentados” — na diferente linguagem médica do diagnéstioo e da ana-
estao representadas? Como as formas e relacées espaciais da
lise — para a audiéncia dela (dele?) pelo professor: uma relacio que
representam isso?
envolve poder.
Descreva 0 “olhar” das pessoas na imagem: quem esta olhando
Showalter nota que, em geral, “a representacio da histeria fe-
quem? O que isso nos conta?
minina era um aspecto central na obra de Charoot” (1987: 148).
a idade e o género dos participantes nos dizem?
De fato, a clinica estava cheia de litografias e pinturas. Ele fez com
mensagem o corpo da paciente transmite?
que seus assistentes montassem um album fotografico dc pacientcs
nervosos, uma espécie de inventairio visual dos virios “tipos” de pa- um sentido sexual na imagem? Se sim, qual?
I
I cientes histéricos, depois contratou um fotografo profissional para é a sua relagéo, de espectador, com a imagem?
i
l se encarregar do servico. Sua analise dos sintomas, o que parece es- Vocé percebe alguma coisa a mais sobre a imagem que nos
tar acontecendo de fato na pintura, acompanha a “performance” deixado passar?
l
histérica. Charcot nio se encolhe frente aos aspectos espetaculares e
teatrais associados a sua dernonstraeao de hipnose como um regime
de tratamento. Freud pensou que “cada uma de suas ‘fascinantes
i|,. palestras“ era “uma pequena obra de arte em construcio e compo-
I | "l'| 33
sigio . De fato, notou Freud: o relato sobre Charcot e La Salpétriére, escrito por Elaine
||.-ill, em ‘A performance da histeriafi de A doenca feminine,
| I,l
Ele nunca pareceu maior a seus ouvintes do que depois de ter feito 0 como Leitura F no final deste capitulo na p. 130. Olhe
I‘ U‘ V ‘l w as duas fotografias das pacientes histéricas de Charcot.
esforgo, dando a mais detalhada explicacio de sua linha de pensamen-
to, mostrando sua grande franquera sobre suas dtividas e hesita¢;oe>- Vflcé entende de suas legendas?
all
reduzindo o abismo entre professor e pupilo (Gay, Z012).
98 _ cutrunnsnsrnasamacflo | STUART HALL o PAPEL on nsrnsseumcno _ 99
-i. __:‘
5. Onde esté o“sujeito"? nos cnrendcr Cll1'Cl[0, nos sempre nos entcndcmos porque rm:
a ante desmtzdo, em przmezra lugar
Nos abordamos a mudanca na obra dc Foucault da linguagem para No cntanto, como vlmos, a mudanca para a concepcao cons
0 discurso e o conhecimento, e sua relagio com as qucstoes do po- da lmguagcm c da reprcscntacao Fez mmto para dcslocar
der. Mas onde, cm tudo isso, vocé dvcve sc perguntar, esta 0 sujeito? da poslcao prwllcglada cm rclacao ao conheclmcnto c ao
Saussure tendia a climina-lo da qucstio da representacio. A lingua- O mesmo é vcrdade na abordagcm dxscurswa dc Foucault
gem, ele argumcntava, nos Fala. O sujeito aparece no modelo saussu- nio os Stl]Clt0S que o falam, que produz 0 conhcc:
riano como 0 autor dos atos dc fala individuais (paroles). Entretanto, SLl]ClIOS podcm produztr textos p3.fIlCl1l3.l'6S, mas eles cstao
como vimos, o linguista nao pensava que 0 nivel das paroles era algo dcntro dos lumtes da epzsteme, da rrnagao dzscurszva, do
que a anélise “cientifica” da linguagem poderia exarninar. Em um da z/erdade dc uma cultura c penodo pamcularcs Dc fato,
sentido, Foucault compartilha dessa posicao. Para ele, é o discurso, uma das ro osncoes mzns radrcals dc Foucault: 0 SUjClt0 c
nao 0 sujcito, que produz conhccimcnto. Q discurso é c0mpromc-
tido com o poder, mas nao é necessério achar um “sujcito” — o rei, Essc S\1]Clt0, produto do drscurso, nao pode estar fora dele,
a classe dominantc, a burgucsia, o Estado etc. — para 0 poder/can/uh a ele deve cstar sujeztado Dcve sc submcter as suas rcgras c
cimenta opcrar. as suas chsposrcoes dc podcrlconhecrmento O SLI]€lt0
Por outro lado, Foucault dc fato incluiu 0 sujeito cm sua teoriza— tomar 0 portador do npo dc conheclmento que 0 drscurso
gio, cmbora nao o tcnha rcstaurado it sua posicio central e dc autor pode sc tornar o 0l)]€[0 pelo qual 0 poder c excrcrdo, mas
da reprcscntacio. Na vcrdacle, £1 medida que sua obra sc desenvol- pcrmaneoer fora do poder/conhccrmento como sua Fonte
veu, Foucault tornou-sc mais e mais prcocupado com as qucsrocs Em O su]c1to e 0 poder (1982) Foucault escrcvcu
sobre "0 sujelto”, e cm sua producio bem posterior c derradeira,
fol longc a ponto dc dar ao sujcito uma ccrta consciéncia dc sua idea 0b]CtlV0 ( ) tem srdo cnar a hrstona dos dlfcrentcs modos pelos
conduta, cmbora isso ccssassc no limite dc restaurar ao sujcito sua quans, em nossa cultura, scrcs humanos se tornam sujcrtos ( ) E uma
soberania. fiarma dc poder que Faz su]e1t0s md1v1dua|s Exastem dons scnudos para
Foucault foi ccrtamcntc critico em profunclidade do que pode- vra sujezto su;c1to sob 0 controls c dcpendencla dc algucm, e
riamos chamar dc a concepcio tradicional do sujeito. A nocio con- Ifljetto hgado a sua propna rdenndadc por uma COHSCJEHCIH c auto
vcncional pensa “o sujcito” como um individuo totalmentc dotado Ambos os scnudos sugcrcrn uma Forma dc poder que
dc consciéncia, uma entidadc autonoma e estévcl, o “nuclco” dc si e su|c1ta (Foucault, 1982 208 212)
mesmo, e a fonts auténtica e independents da acéo e do sentido.
Dc acordo com essa visio, quando nos nos ouvimos falar, scntimos 0 dlSCLl!'S0 c a re rcscntacao mars lnstoncos no cntanto,
que somos idénticos ao que acabamos dc dizer, e essa identidadc d0 cm Foucault por uma hrstoncrzacao lgualmcntc
sujciro com o que é dito dé a ele/ela uma posicio privilcgiada cm dd mjettv E prcclso (llSp€I1S3.l' o sujerto consutumtc para sc
rclacio ao sentido. Isso sugcre que, cmbora outras pessoas possam préprlo su;c1t0, ou sqa, para chegar cm uma 31'l3.llS6 que
11
r '= H
I00 _ CULTURAEREPRESENTRQAO | STUART HALL
de corpo intciro do rci e da rainha. 0 casal real refleticlo no cspclho La: rrzwzimzs mostra 0 interior de um comodo — talvez 0 cstudio
da parede dc rras. para esse casal que :1 princesa e suas assistentes do pintor ou algum outro cspaco no palacio real espanhol, o Esco-
estao olhando, é nele que 0 olhar do artista parece repousar enquan— |-ial_ A cena. embora em seus cantos mais profundos seja bastanrc
to so dirige 51 sua tcla. O refiexo inclui, arristicamentc, o casal real escura, é lvanhada pela luz vincla cle uma ianela na direita. “Olhamos
na pintura. Essa é, cssencialmenre, a versao que Foucault consider-a. um quadro de onde um pintor. por sua vez, nos contempla“. diz
Foucault (1999: Z0). Na csquerda. olhando para a Frente, esta o
ATIVIDADE 9 P1-éprio artista. Veltizquez. lilc esta no ato de pintar c seu pincel esta
crguido, “talvez se trate dc acre-scentar um ultimo toque” (1999: 19).
Olhe atentamente para a imagem a seguir, enquanto nos resumimos Ele esta olhando para sua modelo. que esta senrada no lugar do qual
o argumento de Foucault. nos estamos olliando. mas nao podemos vet qucm ela é. porque a
tela que Velazquez esta pinrando tem sua parte rraseira virada para
nos, sua face resolutamcntc distanciada do nosso olhar. No centro
da pintura esta 0 quc a tradicéo reconliece como a princesinha. -.1
infanta lvlargarlta. que Foi assistir aos procedimenros. Ela é o centro
da pintura para a qual cstamos olliando, mas nao 6 0 “sujeito" da tela
dc Velazquez. A inlanta esta “rodeada de alas, dc damas de lionra. de
cortesilos c dc anoes" e seu cacltorro (Foucault, l999: 2.5]. Os cor-
tesaos ficarn atras. £1 direita. Suas danms dc honra ficam de amlaos os
seus lados, enquadrando-a. A direita. na frcnrc, existem dois anoes,
um deles famoso bobo da corte. Us olhos dc vairias dessas figuras.
como os do préprio pintor. estao voltados para Fora. para a inlagem
na Frentc dos ad miradores da pintura.
Quem sao cl-as — as figuras para as quais toclus estfio olllando.
mas para quem nos nao podemos olhar e cujos retratos na tela so»
"108 proibidos dc vet? Na verdade. embora dc infcio pensemos que
95° é possivel vé-los. a pintura nos diz quem sao, porque, por tras
da C3b¢<;a da infanta c um pouco £1 esquerda do centro do quadro,
¢¢fCad0 por uma pesada moltlura de rnadeira. ha um cspelho. Nele
“ fillfllmente — estito rcrlcridas as pessoas sent-adas que, na realidade.
fflltarn na posigrio de um/e 220'; r*smm0.\' ofimndo: “Tal reflexo rnostra
mgfilluaniente e na somhra, aquilo que todos olham no primci|'o
noun/\ 9
Diego Velazquez, Las Meninas, 1656 P13-“Q Restitui, como que por encanto, o que lalta a cada olhar"
W
I I '_|
104 _ CULTURAEREPRESENTAQEO | STUART HALL
; ;{5§\ "=1
gtesaapxitro da pintura para a qual estarnos olhando parccc ser a in-
1. “Foucault lé a pintura nos tcrmos da rcprcscntacgio c do sujcito"
Mas o “sujcito” ou centro é tarnbém, obviamcnte, aqueles
(Drcyfirs c Rabinow, 1982: 20). Alérn dc ser uma pintura que
estio scntados — 0 rci e a rainha —, a qucm nos naio podemos
nos rnostra (rcprcsenta) uma ccna na qual um rctrato da rainha
mas para os quais os outros estio olhando. Podc-sc afirrnar
_ -|||.|» <2 do rci da Espanha esta sendo pintado, é também uma pintura
pelo Faro dc o cspelho pcnclurado cm que eles sao rcfletidos
que nor diz alga sobre como a reprermtapio e 0 rujeitafimcionam.
5 i';'-!i;'I Ela produz seu proprio tipo dc conhecimcnto. A rcpresentagio
tarnbém quasc cxatamente no centro do campo dc visio da
Entao, a infanta e o casal real, cm certo sentido, dividcrn
F c o sujeito sao as mensagens por trés da pintura — 0 que ela qucr
do ocntm como os “sujcitos” principais da pintura. Tudo
dizer, seu subtcxto.
' ‘depende dc para onde sc esta olhando — para a ccna, a partir
F‘ ; W 2. Claramcntc, rcpresentagio aqui ndo tem a vcr com um rcflcxo onde vocé, 0 cspcctador, esta sentado, ou para o exterior da
“vcrdadeiro” ou irnitagio da realidadc. F ébvio que as pessoas mna, a partir da posiqio das pessoas na imagem. Sc vocé aceitar
.i- I| I
na pintura podcm “parecer” as pessoas reais na corre espanhola, argumento dc Foucault, entio ha dois sujcitos na pintura c
:' "a :|' I mas 0 discurso da pintura na figura esta fazcndo bem mais que dual: ccntros. E a composigio da imagem — seu discurso - nos
' - W»:-
sirnplesrucnte tentar espelhar com prccisio 0 que cxistc. a oscilar entre esses dois “sujcitos” sem nunca dccidir fi-
M
-_~':!\': 3. Tudo, dc ccrto modo, é uzlrivel na pintura. E, ainda assim. lialmcnte com qual nos identificar. A represcnragio na pintura
_:r1-"+ o que ela “qucr dizer” - seu sentido — depende dc como nos a
.|||" flilrecc firmc e clara — tudo no lugar. Mas nossa visio, a forma
“lemos”. E trio comtmida em tomo daquilo que 1/océ min pode oer, mm que nos olbamos para a imagem, oscila entre dois ccnrros,
quanta daquila que pode obserz/ar. Vocé nao pode ver 0 que esta dflis sujcitos, duas posioocs dc olhar, dois sentidos. Longc dc ser
"xi
sendo pintado na tela, cmbora isso parcga ser 0 ponto dc todo o rcsolvida cm alguma verdade absoluta que seja 0 sen-
uni Fro ~* *
I06 _ CULTURA E REPRESENTAQAO I STUART HALL O PAPER. DA REPRESENTAQAO_ T07
tido da imagem, 0 discurso da pintura, bem clcliberadamente, da pintura. Nesse sentido, o discurso produz uma porigrio
nos mantém nessc estado de atencéo suspensa, nesse processo para 0 espectador-sujeito. Para a pintura funcionar, o
oscilante de olhar. Seu sentido esta sempre no proocsso de emer- quem quet que ele ou ela seja, deve primeiro se rujerl
gir, embora qualquer sentido final seja constantemente adiado. ao discurso dela e, dcssa forma, tornar-se o espectador ideal
5. Vocé pode dizer bastante sobre como a imagem funciona pintura, o ptodutor dc seus sentidos — seu “sujeito”. Isso é o
como um discurso, e o que ela significa, seguindo a orquestra- significa quando é dito que 0 discurso constroi o espectador
' _-—_ -—:—:_%‘-5% gio do 01/var — quem esta mirando quem ou o qué. Nosso olhar um sujeito — pelo que quetemos dizer que ele constroi urn
— 0 da pessoa que contcmpla a imagem, do espectador — segue para o sujeito—espectador que esta olhando e produzindo
a relagao do olhar como representado na imagem. Nos sabemos sentido para a cena.
que a figura da infanta é importante porque suas assistentes es- A representacio, portanto, ocorre a partir de pelo rnenos trés
tao olhando para ela. Mas nos sabemos que alguém ainda mais na pintura. A prirneira somos todos nos, o espectador,
impottante, que nos nao podemos ver, esta sentado na frente da “olhar” coloca juntos e unifica os diferentes elernentos e
__—_Tf:
—_
cena porque muitas figuras — a infanta, 0 bobo, 0 préprio pintor na imagem em um sentido geral. Esse sujeito deve estar
— estio olhanclo para eles! Entio o espectador (que tambérn é para a pintura fazcr sentido, mas ele/ela nao esta representado
“sujeitado” ao discurso da pintura) esta realizando dois tipos de tcla. Em seguida, ha o pintor que retratou a cena. Ele esta
olhar. Obscrva a cena da posicao dc fora, na frente da imagem. F xesente” em dois lugares de uma vez, uma vez que deve ter sen-
E, ao mesmo tempo, olha para fora da imagem, ao re idennficar onde nos estamos agora para pintar mas. Cfltifl, C0l0C0l-I‘5¢
com o olhar das figuras da pintura. Projetar a nos mesmos como a si préprio na) na imagem olhando para H55. EH1
sujeitos da pintura nos ajuda, como espectadores, a enxergar, a aquele ponto de vista de onde nos, espectadores, toma-
“tirar sentido” dela. Nos tomamos as posigoes indicadas pelo seu lugar. Também devemos dizer que a cena faz sentido
discurso, nos identificamos com elas, sujeitamos nos mesmos organizada em relacio a figuta da corte de pé na escada ao
aos seus sentidos e nos tornamos “sujeitos”. uma vez que ele também avalia tudo, mas — como nos e
6. F. critico para 0 argumento dc Foucault que a pintura nao o pintor - dc uma posicao um pouoo externa.
tenha um sentido completo. Ela so significa alguma coisa em re- Finalmente, considere 0 espelho na parede cle trzis. Se fosse
lacao ao espectaclor que esta olhando para a imagem, e é ele que -objeto “real”, ele devcria agora estar nos representando ou
cornpleta o sentido dela. O sentido é, portanto, construldo no uma vez que estamos naquela posicio cm frente it
dialogo entre a pintura e 0 espectador. Velazquez, com certeza. para a qual todos csrao olhando e da qual tudo faz sentido
nao poderia saber quem iria, subsequentemente, ocupar a posi— ele nao nos cspelha; rnostra, no norm lugar, o rei e
cio dc cspectador. Assim, toda a “cena" da pintura teve dc ser Iainha da Espanha. De alguma Forma, 0 discurso da pintura
estabelecida em relacao aquele ponto ideal na frenre da pintura. no lugar do soberano! Vocé pode imaginar quanta
dc onde qualquer espectador dcveria olhar, se é para a pintura ter Foucault teve com essa substituigao.
sentido. O espectaclor, nos devemos dizer, é pintado na posigao 24
l H? H18 _ CULTURA EREPRESENTAQO | STUART HALL
O PAPEL DA REPRESENTA§AO_ 109
if-1-_
Foucault argtunenta que é claro, pelo jeito com que o discurso
‘ . "l in
da tepresentacio fimciona na pintura, que ela deve ser olhada e com-
Nos chamamos isso cle abordagem mmtmtivista da representa-
§§9, contrastando-a com as abordagens reflexive e intmcional. Ago-
5 preendida daquela posigao de sujeito em frente a ela, de onde nos,
* | espectadores, estamos olhando. Essc é também o ponto de vista do
se a cultura é um processo, uma pratica, como ela funciona?
:' fig perspectiva consrrutivisra, a representacao envolve Fazer sentido
qual uma camera deveria ser posicionada para filmat a cena. E eis
_‘ forjar ligacoes entre trés diferentes ordens de coisas: o que nos
que a pessoa que Velazquez escolhe para “representar” sentada nessa
Qgvemos chamar amplamente de mundo das coisas, pessoas, eventos
posigao é 0 sobcrano — “senhor dc tudo o que a vista alcanca” - que
3| Zggxpcriéncias; o mundo conceitual, os conceitos mentais que carte-
é tanto 0 “sujeito da” pintura (sobre 0 que ela é) quanto 0 “sujeito
‘ §.mos em nossas cabecas; e os signos, arranjados nas linguagens, que
W‘ na” pintura — aquele a quem o discurso da lugar, mas quem, simul-
-j ; ' fiespondem por" esses conceitos ou os cornunicam. Agora, se vocé
taneamente, constroi sentido a partir dela e a entende por um olhar
river que Fazer uma ligacao entre sistemas que nao sao os mesmos e
* ~1 !l cle suprerna dominaincia.
M llixi-los, pelo menos por um tempo, para que outras pessoas saibam
, "lfji 6. Concluséo: representagéo, sentido e 0 que, em um sistema, corresponde a que coisa em outro, entao
linguagem reconsiderados _{'_-'- haver algo que nos permita uma traducao entre eles ~ algo que
:7? fies diga qual palavra us:-u" para qual conceito, e assim por diante.
l Nos comecamos com uma definicao bem simples dc representagao. ‘-5’: F-i "Portanto, a nocio dos cddigos.
Trata-se do processo pelo qual membros dc uma cultura usam a lin- luv t Produzir sentido depende da pratica da hirerpretacao, e esta é
guagem (arnplamente definida como qualquer sistema que emprega arivamente sustentada por nos ao usarmos o codigo — codficanda,
|,| signos, qualquer sistema significante) para produzit sentido. Desdc l aolocando coisas nele — e pela pessoa do outro lado, que interpre-
1
jé, essa definicao carrega a importante premissa cle que coisas — ob- '. egg on decodtfita o sentido (Hall, 1980). Contudo, note que, por
jetos, pessoas, evenros, no mundo — nao possuem, neles mesmos, 1-[=$tarem os sentidos sempre mudanclo e nos escapando, os codigos
nenhurn sentido fixo, final ou verdadeiro. Somos nos — na socie- mais como convencoes sociais do que como leis fixas ou
ll | 1.’
dade, dentro das culturas humanas — que Fazemos as coisas terem inquebraveis. Como os sentidos mudam e transitam, entao,
. .[y||
| , '1 sentido, que lhes damos significado. Sentidos, consequentemente, modo inevitavel, os codigos dc uma cultura se alteram imper-
1 l _,i
I
I II
|
sempre mudarao, de uma cultura ou periodo ao outro. N50 ha ga- A grande vantagem dos conceitos e classificacoes
Ill‘!
|| rantia alguma de que cada objeto ern uma cultura tera sentido equi- Cultura que carregamos por ai conosco, em nossa cabega, é que
l] valente em outra, precisarnente porque culturas diferem, as vezes nos habilitam a pensar sobre coisas, estanclo estas presentes ali
radicalmente, umas das outras em seus codigos - a forma com que 115.0, mais: quer existam ou nao. Existem conceitos para nossas
|.||*
II elas retalham, classificam e atribuem sentido ao mundo. Entio, uma desejos e imaginagoes, tanto quanto para os chamados
1? ideia importante sobre representacao é a aceitagao de um grau de reais” do mundo material. E a vantagem da linguagem é
relativisma cultural entre uma e outta cultura, certa falta de equi- nossos pensamentos sobre o mundo nao precisam permanecer
l l- valéncia e a necessiclade dc mzdugrio quando nos movemos dc um e exclusivos a nos. Podemos traduzi-los na linguagem.
universo mental ou conceitual de uma cultura para outro. “falar” por meio do uso de signos que respondern por eles
1 10 _ CULTURA E REPRESENTAQAO I STUART HALL O PAPEL DA REPRESENTA§AO_ ‘I11
=.-Z1‘
. \. — c cntio nos falarnos, escrcvcmos, comunicamos a respeito dcles tudo o que ela reivindica é correto, a teoria esta aberta a
i,
para outros. tern atraido muitas delas. De novo, no proximo capitulo,
_
I
Gradualmente, entio, tornamos mais complexo o que entend1'a- que encontrarmos novos desenvolvimentos para a teoria
. mos por representagao, que vcio a ser cada vez rnenos clara do que e analisarmos as forcas e fraquezas dessas posicoes
' rmfig
-_. fa:-4_ : _ '
1:‘ pressupomos inicialmente — motivo-pelo qual precisamos de teorias na praitica, apreciaremos mais completamente que esta-
para explica-la. Nos olhamos para duas versoes do construtivismo: no comeco da excitante tarefa de explorar esse processo
aquela que se concentrou em como linguagem e sigmficatdo (0 uso do sentido, que esta no coracéo da cultura. O que
. de signos na linguagem) funcionarn para produzir sentidos, que de- aqui é, esperamos, urn balanco relativamente claro,
~| pois de Saussure e Barthes nos chamamos de semiotica; e aquela, se-
l
experimental, de um conjunto de icleias complexas de um
1
I
guindo Foucault, que se conccntrou em como o discurso e as pnitiras nao acabado. -
discursioas produzem conhecimento.
Nao vou passar pelos pontos mais detalhados dessas duas abor-
i clagens novamente, uma vez que vocé pode voltar a elas no corpo
|
principal deste capitulo e refrescar sua tnernoria. Na semiotica, vocé
recordara a itnportancia do significante/signjficado, lsmguelparole e Roland. The World ofwresding. In: My!/Joiogies. Londres:
V
“mim”, e a irnportzincia crucial de demarcar difereng:-1 e estabelecer 1972a.
oposicoes binarias para a producao do sentido. Na abortlagem dis- ——-—:—:—_1=-;ragar=
?. Myth Today. Ln: Mytbologies. Londres: Cape, 1972b.
cursive, vocé recordarzi formagoes discursivas, poder/conhecimento. i. Image-Music-Text. Glasgow: Fontana, 1977.
a ideia dc um “regime da verdade”, a forma pela qual o discurso tam- _ Mitologias. Trad. Rita Buongermino e Pedro de Souza.
bém produz sujeitos e define as posipoes desujeito, de onde o c0nheci- de ]aneiro: Bertrand Brasil, 2001. p. 12-14.
mento procede c, enfim, o retorno das questoes sobre “o sujeito” ao i. Elemmtosdesemiologia. l9.ed. $5.0 Paulo: Cultrix, 2012.
campo da representacao. Nos varios exemplos, tentamos fazer vocé O prazer do texto. 6.ed. S50 Paulo: Perspectiva, 2015.
trabalhar com essas teorias e aplic2i—las. Havera mais debate sobre edicao: 1973.
elas no capitulo subsequente. Norman. Looking at the Overlooked: Four Essays on Still Ltfi
Note que este capitulo mio argumenta que a aborclagem discursi- Londres: Reaktion Books, 1990.
va derrubou toda a abordagem semiotica. Desenvolvimcnto teorico Markc e HUSSAIN, Athat. Michel Foucault. Basingstoke:
nao prossegue, normalrnente, dessa forma linear. Ha muito mais 1984.
de Saussure e Barthes para aprender, e ainda estarnos descobrindo Jonathan. Saussure. Londres: Fontana, 1976.
modos de aplicar suas percepcoes de tnaneira frutifera — sem ne- Jacques. Positions. Chicago, IL: University of Chicago
cessariarnente engolir tudo o que eles disseratn. Nos oferecemos :4 1981.
vocé alguns pensarnentos ctiticos sobre o assunto. H4 muito qufi Hubert L. e RABINOW, Paul (Orgs). Bcyorza'S't1‘uctz¢raltlrm'
aprender sobre Foucault e a abordagem discursioa, mas de forma Hermeneutics. Brighton: Harvester, 1982.
5—- jT'
Ti-._ ' 't-L4_
‘H2 _' CULTURA E REPRESENTAQAO I STUART HALL O PAPEL DA REPRESENTA(;I\O_ 1 13
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LEITURAS DO CAPlTULOi _ \ 15
114 _ CULTURAEIIEPRESENTACRO | STUART HALL
descondicionam 0 habitual e extinguem a inrerminével, eclipsada (...). Os invariaveis cenérios de suas pintiiras nunca
e cansada visio rnundana, substituindo-as com genialidade. A di- a cozinha, mas sempre o carztarero, um espaco refrigera-
ficuldade reside em termos uma maneira de ver que pensa e sabe a preservacio dos alimentos, sempre pendurados em
de antemao 0 que vale a pena olhar e o que nao vale; contra isso, a (empilhados ou em contato com alguma superficie, eles se
imagem apresenta a constante surpresa de coisas vistas pela primeira mais rapidamente). Se colocados em uma oozinha, ao
vez. A visao é levada de volta para um treinamento [primordial] an- de ratos c lacas, I'arros e ti elas, os ob'etos a ontariarn, ine-
tes de aprender como escotomizat [quebrar/dividir] o campo visual, para seu oonsumo em uma mesa; dispostos em um
como elirninar da tela o que nao tem importancia e, nao ver, mas contudo, mantém-se a ideia de objetos separados, disso-
esquadrinhar. No lugar das Formas abreviadas pelas quais 0 mun- de sua funcao aliinentar. Em Marmelo, rqoolho, meldo epepino
do é esquadrinhado, Cotan 0 abastece corn forrnas articuladas em 5] ninguém pode tocar 0 marrnelo ou 0 tepolho suspensos
grandes extensoes, formas tio copiosas ou prolixas que nao se pode petturba-los e balanczi-los no espaco: sua irnobilidade é a marci
ver onde comecar a sirnplifica-las ou como fazer isso. Elas nao ofere- humana. Distantes da mao que os alcancaria para co-
cem incursoes para a redugao porque nada omitem. Exatamente no eles permanecem imaculados. Pendurados em cordas, falta ao
ponto onde o olho pensa conhecer a forma e pode se dar ao luxo de e ao repollio 0 conhecimento do peso da mfio. Sua leveza
esse conhecimento intimo. Em nenhum delcs se percebe a
ignoré-la, a imagem prova que, de fato, o olho absolutamente riada
tinha entendido do que estava prestes a se desfazer. proveniente do toque, ha 0 divorcio da ideia de con-
A proposta, em Cotan, entre 0 espectador e os alimentos tao os objetos assumem um valor que nada tem a ver com sua
nutritiva.
meticulosamente exibidos parece nao envolver, paradoxalmente, ne-
nhuma referéncia ao apetite ou 21 Funcio de nutrir, o que se torna O que substitui 0 interesse como sustento é o intetesse que des-
uma coincidéncia; podem ser descritos como anoréxicos, tomando
enquanto forma matematica. Cotan, como muitos pintores
esta palavra em seu sentido literal, grego, que significa “sem desejo”. » na Espanha, possui urn senso altamente desenvolvido
Todas as naturezas-monas do artista estao enraizadas na perspecti- geométrica, mas ao passo que as ideias esféricas. elipticas e
va monzistica, especificamente da ordem clos Cartuxos [m0nges], ii sao usadas, por exemplo, em El Greco para ajudar na orga-
da composigio pictérica, aqui sao exploradas quase por sua
qual Cotzin se filiou como irmio leigo em Toledo, no ano de I603.
I 16 _ CUI-TURA E REPRESENTAQAO | STUART HALL
LEITURASDOCAPITULOI _ 11?
propria causa. Pode-se pensar Marmelo, repolho, meldo epepino como nte e sem olhar E esse espa<;0, =1 VBl'd41d@1l'?1 @541 de
uma experiéncia sobre as transformacoes exploradas pelo ramo da
i_ _ ,_ ._ _!-—"
turva e nebulosa, que o rigor de Cotan pretende abolir E a
matemzitica conhecido como topologia. Comecamos pela esquerda para geometrizar alcanca outro Ol)]CIlVO, nao menos gra-
com 0 marmelo, uma perfeita esfera girando sobre seu préprio eixo. a obra do pintor como fonte da composicao e reatribuir
Movendo-se para a direita, ela parece se descolar de seus limites e por suas formas em outro lugar — na rnatematica,
se desintegrar em uma bola de escudos concéntricos que volteiam na criatividade Em muitas naturezas mortas, 0 pintot pri-
em torno do mesmo eixo vertical. Avancando para 0 rnelio, a esfera organiza os obietos em uma configuracao satisfatoria e, em
torna-se uma elipse da qual um segmento foi cortado e uma parte iisa esse arranyo como base para a composigao No entanto,
dele é mostrada separadamente. A direita, as formas segmentadas pictoricamente 0 mundo dessa forma e impor-lhe uma or-
recupetam os seus limites continuos sob a forma ondulada do pe- c infimtamente inferior aquela Ja revelada a alma por meio
pino. A curva descrita por todos os objetos, tomados em conjunto, da forina geornetrica a renuncia de Cotan a com-
nao é de modo alguni informal, mas precisamente logaritmica; res- é mais um ato privado de autonegacao Ele se aproxima da
peita-se uma série de proporcoes harmonicas on musicals, com as em termos de uma disciplina ou um ritual sempre o mesmo
coordenadas verticals da curva exatamente marcadas pelas cordas. que se deve assumir ter sido pintado Pl'llTl€lfCIs 601110 11111
E é uma curva complexa, nao apenas o aroo de um grafico de uma em branco, sempre os tnesmos elementos recorrentes, a luz
superficie bidimensional. Em relacao ao marmelo, o repolho parece a quarenta e cinco graus, a rncsma alternancia entre verdes
vir, ligeitamente, para a Frente; o melao esta mais a frente ainda que brilhantes contra o chao cinza, a mesma escala, o mesmo
0 marmelo, a fatia do melio se projeta para além da borda, e as sa- da tela Alterar qualquer um dcstcs detalhes seria permitlr
liéncias do pepino ainda mais. O arco, portanto, nao esta no mesmo cspaco para a autoafirmacao pessoal e o or o da criativida-
plano de suas coordenadas, ele se curva em trés dimensées é uma seus ultimos detalhes a pintura deve ser apresentada como o
verdadeira hipérbole (...). da descoberta, nao da mvencao, uma imagem da obra de
A relacio maternética destas formas mostra todos os sinais de apaga completamente a mao do homem (@111 COW-11, I-11113
czilculo exato, como se a cena fosse vista com interesse cientifico. visivel sena como uma blasfemia)
mas nao criatural. O espaco geornétrico substitui o criatural, aquele
em torno do corpo, que é conhecido pelo toque c criado por ino- nmrsou Norman Looking at the Overlooked Four Essay: on Still L: e
vimentos familiares das mfios e dos bracos. A brincadeira de Cotzin Londres Rcaktion Books 1990 p 65-70
com ideias geométricas e volumétricas substitui este espaco-casulo.
definido por gestos habituais, com um espaco homogéneo e de abs-
tracao que rompeu com a matriz do corpo. Este é o ponto: suprimir
0 corpo como fonte de espaco. Esse espaco corporal on tatil é pro-
fiindamente n:-'10 visual: as coisas que descobrimos nele sao as que
buscai-nos — uma faca, um prato, um pedaco de alimento — quase
_..:_,_? ‘H3 _ CULTURA E REPRESENTAQAO | STUART HALL LEITURASDOCAPITULOI _ 119
dc cadcla (nio acrediro que 0 plflblico do Elysée-Montmaru-c, como O que o pfiblico qucr é a imagem da paixio, c nio a paixio cm
I..ittré,' considcre a palavra salope masculina). hi o problcma da vcrdadc, nem na luta livrc, nem no tcatro.
HF 1 O fisico dos lutadores constitui, portanto, um signo dc origem, 0 que é cspcrado é a rcprcscntagtio intcligivel dc situa-
n {M ‘x L‘
que como uma sementc contém toda a luta. Esta semente prolifera
e, durantc todo 0 combats, a cada nova situagio, 0 corpo do lum-
gcralmentc privadas. Este esvaziamento da interioridadc
dc seus signos exteriorcs, este csgotamento do contami-
dor oferccc ao pliblico 0 divcrtimcnto mzigico dc um tcmperamento forma, é 0 préprio principio da artc déssica triunfantc.
- V
|- “H '11 que cnoontra a sua natural cxprcssio em um conjunto dc gestos. Os
-|f'~ '|:':F A Ml diferentes cstratos dc significados langam luz, uns sobre os outros, e lmn-1-nas. Roland. Illytbologies. Londres: Cape, 1972. p. I6-18.
formam 0 mais inteligivel dos espctéculos. A luta livrc é como uma
escrita diacrftica: além da significagio fundamental dc seu corpo, o
lutador dispoc dc comcntirios episédicos, mas sempre oportunos,
| Mil‘ "1 c que ajudam constantcmentc a leitura do combate por meio dc
gestos, atitudcs c mimicas que levam a intengio ao absolutamente an
1‘_
ébvio. As V6265, 0 lutador triunfa cxibindo uxn sorriso rcpulsivo en- I ,.
L
- ‘W:-If‘
I II IV "!||\i"}i‘. quanto domina o advcrsério leal ajoclhado sobre ele. Oun-as vczcs
ele cxibc para a multidio um sorriso presunqoso que prcnuncia a ;|.
I
derrotado bate ostcnsivamcnte no chino para tornar cvidcntc a todos
*-=:2!;1:=:¢= a naturcza intolcrévcl dc sua situaqio; c algumas vezcs 0 lutador ain-
L-_—
da constréi um oomplicado conjunto dc signos cuja intcnqio é fa-
zer 0 pfiblico cntcndcr que ele legitimamcntc personifica a imagem I
1!; I
\\
" Limé - rcfcréncia ao Dictiamlaire 0'2 la bznguzfiunpaise, dc aulnria do filémfo e lexicégafo
I Fr:l.nc& Elnilc Litu-é (1801-1888). [N.T.]
‘I22 _ CULTURAEREPRESENTAQAO | STUART HALL LEITURAS DO CAPlTULO I _ ‘I23
M I I
|I'| \
LEITURA C
.', ‘ ver que, no mlto ha dois sistcmas semiolégicos, um
' II‘ “Mito hoje'§ Roland Barthes
I I" .i"|‘I| ‘F I I
escalonado em relaqio a0 outro: um sistema linguistica,
(ou os modos dc representacio que sio assirnilados a ela),
‘II . =I‘ IIWI No miro encontramos novamente 0 padrao tridimensional que aca- linguagem-objeto, porque é a linguagem que 0 mito se
I I bo de descrcver: 0 significante, 0 significado e 0 signo. Mas 0 mim
lllllll fim dc construir 0 seu préprio sistema; e do mjto ern si,
I
é um sistema peculiar, na medida em que é construido a partir dc metalinguagem, porque é uma segunda lingua, na qual
uma cadeia semiolégica ptcexistente: é um sistema semiolégico dc primcira. Quando ele reflete sobre uma mctalinguagem, 0
segunda ordcm. Aquilo que é um signo (ou seja, totalidade associati- jé. nao precisa perguntar a si mesmo sobre a composigio
I
I
va dc urn conceito e uma imagem) no primeiro sistema, torna-se um I, ele jzi nio precisa levar em conta os detalhes
I
-II
II mero significance no scgundo. Devemos aqui recordar que as maté- lmgtustico; ele s6 precisa considerar 0 termo total, on
.II
I ‘W 1| rias-primas do discurso mitico (lingua propriamentc dita, fotografia, e apenas na medida em que este termo se presta an
I III '| l
'|I I
pintura, cartaz, ritual, objeto etc.), no cntanto difercm injcialmente. isso, o semiélogo tem o direito de tratar da mcsma fnrma
sendo teduzidas a uma pura funcao significante assim que sao captu- c imagens: 0 que ele retém delas é 0 fato dc que ambas sao
radas pelo mito. O mito vé nelas somente a mesma matéria-prima; ambas atingem o limiar do mito dotadas com a mesma fun-
a sua unidade provétn do fato de serem todas reduzidas ao simples qufi Constitllfiltl, tanto uma quanto H Outfa, uma
cstatuto da linguagem. Quer seja a escrita literal ou pictérica, 0 mito
I l,|“I vé neles urna {mica soma dc signos, um signo global, o termo final
-‘II de uma primeira cadcia semiolégica. E é precisamente este termo
' |.|.|-.--WI’I Roland. Mydmlagies. Londres: Cape, I972. p. I I4-I 15.
final, que se tornaré 0 primeiro termo do sistema maior que ele
LIII
I
II
I constréi e dos quais é apenas uma parte. Tudo se passa como se o
mito deslocasse dc um nivel 0 sistema formal das primeiras signi-
4%—-;=_'.2
I-‘I__. _ ficacées. Como este deslocamento lateral é essencial para a anzilise
do mito, vou representzi-lo da seguinte mancira, subcntendendo-se,
naturalmentc, que a espacializacio do esqucma é aqui apenas uma
metéfora:
I IIII Ila
3-1;-5‘-E-I‘; 1. Significante I 2. Significado
I ‘I
Lingua { 3_ Signo ||. SIGNIFICADO
| II
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MITO I. SIGNIFICANTE
— Ti-'-
445
1—-§—-Z
'-4.: III. SIGNO
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LEITURASDOCAPITULOI _ ‘I25
124 _ CULTURAE n£PnEsEmA4;Ao | smm HALL
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I I
|'| III
LEITURA E uma meta referéncia de materialidade entre as coisas, mas
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=*‘*:;'~I -I I.
Novas reflexoes sobre a revolugfio do nosso tempo,
Ernesto Laclau e Chantal Mouffe
construidas. Este conjunto sistcmzitico das relacoes
chamamos dc discurso.
I
|I
duvida, 0 leitor veré que, como mostramos em nosso livro,
Discurso discursivo de um objeto nao irnplica, de forma alguma,
I II
II II“I‘I em causa a sua existéncia. O fato de uma bola dc futebol ser
I Suponhamos que cu esteja construindo um muro com outro pe- de futebol somente quando integrada a um sistema de
I III I dreiro. Em decerminado momento, peco ao mcu colega dc trabalho construidas nao significa que, dessa forrna, ela
que me passe um tijolo e 0 assento no rnuro. O primeiro ato — pedir ser um objeto fisico. Uma pedra existe indepenclentemente
. I| jg
II
o tijolo - é linguistica; 0 segundo — asscntar 0 tijolo no muro — é sistema dc rclacoes sociais, mas somente pode ser, por
' II
extralinguistico. Devo csgotar a realidade dc ambos os atos por meio um projétil ou um objeto de contemplacao cstética dentro
da distincio entre eles em termos da oposicio entre Iinguistico/ex- configuracao discursiva especifica. Um diamante, seja ex-
I Lralinguistico? Evidentemente nao, porque, apesar dc sua diferen- na joalheria ou encravado na mina, é 0 mesmo objeto fisico;
i IIWI!‘Ill II
|
ciacao nesse aspecto, as duas acoes possuern em comum algo que vez, é uma rnercadoria apenas se estiver dcntro de urn
I
I I II
perrnite a comparacio, principalmente o fato dc que ambas fazem sistema dc relaqoes. Por essa mesma razao, é o discur-
-\
parte dc uma {mica operaciio, a construcao do muro. Assim, entao, constitui a posigfro de sujeicao do agente social, nao sendo,
IN‘
como poderiamos caracterizar esta totalidade em que pedir um ti- o agente social a origem do discurso — o mesmo sistema
. I E“ jolo e posicioné.-Io sao, ambos, momentos parciais? Obviamente. sc que faz desse objeto esférico uma bola de futebol torna-me
esta totalidade inclui elementos linguisticos c nao Iinguisticos, ela A existéncia de objetos é independente da sua articula-
:
I || prépria nao pode ser linguistica ou exrralinguistica; deve superar
'|‘I
I
I I
I
I essa distincéo. Esta totalidade que inclui em si mesma o linguistico e no entanto, dcixa dois problernas sem solucio. O primeiro:
;I o nao linguistica é 0 que nos chamamos de discurso. Em algum mo- estabelecer aqui uma distincao entre sentido e acio?
mento justificaremos esta dcnominacio, mas, primeiro, o que deve se aceitarmos que o significado de uma acio depende dc
ficar claro é que, com “discurso”, nao queremos dizer uma combi- discursiva, nao seria ela diferente do significado
Isl nacao dc fala e texto, mas sim que fala e texto sao, eles proprios. Consideremos 0 problema a parrir de dois angulos. Em
II cornponentes intemos da totalidade discursiva. lugar, a partir do significado. Aqui, a distincio classica é
III Agora, voltando ao discurso em si, nos costumamos dar énfasc Scmantica (trata do significado das palavras), sintaxe (anali—
ao Faro dc que toda configuracio social é sigmficativa. O chute que Otdern das palavras e suas consequéncias para o significado) e
dou cm um objeto esférico na rua e o chute em uma bola em um (estuda a Forma como uma palavra é dc fato utilizada
IIIII
jogo de firtebol sao o mesmo fato flrico, mas seu szlg-ng'fi'cado é dile- Eflrtos contextos discursivos). A questio-chave é até que ponto
I
I
rente. O objeto é uma bola dc futebol apenas quando estabelecc estabelecer uma rigida separacio entre semfintica e prag-
um sistema dc relacoes com outros objetos, e cstas relacoes nao 550 — isto é, entre significado e uso. A partir de Wittgenstein em
128 _ CULTURA E REPRESENTAQAO I STUART HALL
LEITURASDOCAPITULOI _ I29
djante, é precisamente esta separacao que tem se tornado gradativa_ 5 aqul, mas nao seriam pedras Porque nao eanstma a mi-
rnente mais nebulosa. E cada vez mais aceito que o significado (le
P» nem uma lm guagem caP az de classifica-las e drsnn gm las
_ l__n:_ uma palavra é inteiramente dependente do conrexto. Como Hanna Ins 0b]€IOS Nao precisamos nos deter por muito tempo neste
Fenichel Pitldn aponta: Todo o desenvolvimenro da epistemologla contemporanea
aeeu que nao I1 a nenl-Iuma verdad e que pe mu ta a seu srgnl fi-
Wittgenstein argurnenta que significado e uso estio intima e indisso- rhdo dc forma transparente
ciavelmente relacionados, porque 0 uso ajuda a determinar o signifi-
cado. Este é aprendido e moldado por meio das instancias de seu uso;
assim, tanto sua aprendizagem quanto suas configuracoes dependem
<_;—- :-__~ *-:_-. =r __M”T4__=tA-,_14A da pragmética. O significado semantico é composto pelos casos
dc uso dc uma palavra, incluindo todos os muitos e variados jogos dc Hanna Wingemtezn andjwnce Berkeley, ca University of
linguagem que sao praticados com ele; dessa forma, 0 significado é ifirrnra Press, 1972
muito o produto da pragmatica. (Pitkin, 1972)
wmu, Ernesto e MOUFFE, Chantal Post-Marxnsm without Apologies
(...) Isso quet dizer que, em nossa terminologia, cada identidade ou MIT, Ernesto (Org) New R:_flez‘tz0r1.r on the Rzrlolunan cf Om" Time
objeto discursivo é constituido no ambito de uma acio. (...) Verso, 1990 p 100-103
Outro problema a ser considerado é o seguinte: mesmo se assu-
rnirmos que ha uma equacio estrita entre 0 social e o discursivo. o
que podemos dizer sobre o mundo natural, sobre os fatos da fisica,
biologia ou astronomia que nao sejarn, aparentemente, integrados
as totalidades significativas construidas pelos homens? A resposta é
que os fatos naturais também sao fatos discursivos. E pela simples
razio de que a ideia de natureza nao é algo que ja estivesse la, para
ser lida a partir da aparéncia das coisas, mas sim porque é o resultado
de uma construcio histérica e social lenta c complexa. Chamar algo
de objeto natural é uma forma dc conceber, depende de um sistema
classificatorio. Novamente, isto nao questiona o fato de que esta 611'
tidade a qual chamamos dc pcdra cxista, no sentido de estar present‘?
aqui e agora, independentemente da minha vontade; no entanto. 0
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_ fato dc que seja uma pedra depende da maneira pela qual classificfl‘
mos os objetos, que é historica e contingente. Se nao houvesse ser6$
hurnanos na Terra, essas coisas que charnamos de “pedras” ainda
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130 _ CULTURA E REPRESENTACAO | STUART HALL
LEITURA F
LEITLIRAS DO CAPTTULO I _ ‘I3?
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frequcntemente cram vitimas de traumas causados por acidentes fer‘ gmndfinale era a apresenraeio dc uma convulsio hisrérica
roviérios- A0 restaurar a credibiljdade da histeria, Freud acrediravfl
132 _ CULTURAEREPRESENTAQAO | STUART HALL LEITURAS DO CAPlTULO I _ 133
Além disso, a representaglio da histeria feminina era um aspecto fez uso dc rais técnicas porque a sua abordagem para
central do trabalho de Charcot. Suas pacienres histéricas estavam
P5 quiatrica era fortemenre visual e im agfi’tica. De acordo
i
cercadas por imagens relacionadas a isso. No auditorio, como Freud de Freud, 0 francés
observou, havia a pintura de Robert-Fleury que retratava Pinel fiber-
tando as loucas. Na parede oposta havia uma famosa litografia que um temperamento com dotes artisticos — como ele mesmo disse,
mostrava Charcot dando explicacoes enquanto segurava uma jovem urn “w'.ru:l", um vidente, (...) Ele estava aoostumado a olhar de
desmaiada e semidespida, diante de uma plareia de homens sérios e e dc novo para coisas que lhe cram incomproensiveis, para apro-
alfiflws; mais uma representacio que parecia ser instruriva sobre a a sua impressio dia a dia, até que, de repente, a compreenséo
mulher histérica em pleno ato [Figura 8]. coisas surgisse clentro dele (Freud, 1948: 10-I 1).
Finalmente, 0 uso que Charcot Fez da fotografia na prérica
psiquiatrica foi o mais extenso do século XIX. Como um de seus palestras publicas de Charcot esravam entre as primeiras a
1|“ admiradores comenrou: “A camera foi tao crucial para o estudo visuais — figuras, grificos, estziruas, modeios e ilustra-
1,,’ da hisreria quzmto o microscopic foi para a hisrologia” (cirado em ele fazia no quadro-negro com giz colorido —, bem como a
Goldsmina 19823 2l5)- Em 1875, urn do seus assistentes, Paul dos pacienres como modelos.
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Regnard, montou um album de fbtografias dc pacientes mulheres Aespecialidade de La Salpétriere era a grand: bisteria, on “epilep-
-v
Com doengas nervosas. As imagens que exibiam as varias fases de ”, uma prolongada e complexa convulsao que acorneria
>
um ataque hisrérico eram consideradas tao interessantes que um Uma convulsiio oompleta se dava em rrés Fases: a fase
atelié Fotogrzifico fol instalado dentro do hospital, em 1880, por um em que a mulher perdia a consciéncia e espumava pela
fotografo profissional. A fase de contorgoes, também conhecida como “clownesca”,
Albert Londe Poi contrarado para assumir o comando de um a pacienre sofria de estranhas conrorcoes Fisicas. E a fase das
l S€rvi~;o fotografico completo. Seus métodos incluiam aparelhos passionnelles [aritudes passionais], uma mi’mica dos inci-
de tecnologia avancada, como laborarorios, um estudio com pla- e emocoes cla vicla da paciente. Nos volumes da Iczmagraphie,
taformas, uma carna, telas, cortinas para serem usadas como fun- desta ultima fase ganhavam legendas que, apesar das
dos preto, cinza-escuro e cinza-claro, encostos dc cabeca e um de Charcot, sugeriam uma interpreracao dele sobre o ges-
suporte de Ferro para pacientes enfraquecidos. Ele rambém ela- relacionado a sexualidade feminina: “suplica amorosa”,
borou récnicas sisremaricas de observacéo, de selecao de rnodelos , “crorismo” [Figura 10]. Esta interpreracao sexualizada do
e de manutencfio dos registros. As Fotografias de mulheres foram histérico foi reforgada pelo esforco de Charcot em apon-
publicadas em trés volumes chamados lcanograp/Jie photographi- areas do corpo que poderiam induzir a convulsoes
que de La Saévétriére [Iconografia Fotogrzifiea dc La Salpérriére]. pressionadas. A regiio ovariana, concluiu, era uma zona his-
Assim, 0 hospital dc Charcor rornou-se um ambienre em que a particularmente sensivel.
hlsteria Femmma Poi exaustivamenre apresenrada, rcpresentada c
lllll
A Devido ao comportamenro scnsacionalista e teatral das histéricas
i reproduzicla.
'1l e porque este raramenre foi observado Fora do ambiente
134 _ CULTURAEREPRESENTAQAO | STUART HALL LEITURAS DO CAPWULOI _ 135
e eu poderia are dizer, como as vezes rem sido diro, que so exisre em La
Salpérriére, como se eu a rivesse criado pela forca da minha vontade.
Seria realmente maravilhoso se eu Posse assim, capaz de criar doencas
ao meu l:-el-prazer e capricho. Mas, a bem da verdade. de Faro eu sou
apenas o Forégrafo: eu registro o que vejo (Didi-Huberman, 1982: 32).
-in-A six
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nouan 10
Duas irnagens cle Augustine: soplica amorosa latimfll, éX'Efl5E labalxol
136 _ CULTURA E REPRESENTACAO | STUART HALL LEITURAS DOCAPITULCII _ 13
As fotografias de Charcot, contudo, ficavam cada vez mais ela- 10 favor as habilidades histrionicas que por algum tempo
boradamente encenadas e enquadradas que as de Diamond no Sur- -i to dl
e a uma estreid
a o asilo DisfarQando-se de homem
rey Asylum. As rnulheres nao eram simplesmente Fotografadas uma gmu escapar de La Sal P etriete Nada nunca foi desooberto
vez, mas vzirias vezes, de modo que se acostumaram ii camera e QQ 'u
estatuto especial que receberarn como temas fotogénicos. Algurnas
Fizeram uma espécie de carreira de modelagem para as lconograp/vies.
Entre as mais frequentemente Fotografadas havia uma menina de
15 anos de idade cbamacla Augustine, que entrara no hospital em
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1875. Seus ataques histéricos tiriham comecado com a idade de 15 iERMAN Geo [5es Invention dc I /rysrerze Claarcat et Hm
anos, quando, de acordo com 0 seu testemunho, ela fora estuprada PIna P/iotagraphzque dc la Salpemere Paris Macula 1982
por seu empregador, um homem que também era arnante dc sua George Frederick The Barth afNeuro.rz: Myth Malady and
mac. Inteligente, coquete e pronta para agradar, Augustine era uma I’ctanans Nova York Simon SC Schuster, 1984
aluna apta do atelié. Todas as suas poses sugerem os gestos exagc- igmund Charcor In JONES, Ernest (Org) Collected Papers
rados do estilo da atuagio cléssica franoesa, ou as fotos dos filrnes m and Freud v 1 Londres Hogarth Press, 1948
mudos. Algumas forografias de Augustine com trangtas fluidas e ves- [N , ]an The Hysteria Diagnosis and the Politics of Anticle
te branea do hospital tarnbém parecem imitar as poses de pinturas 5m in Late Nineteenth-century France journal 0 Modem
do séeulo xix. Como aponta Stephen Heath: “uma jovem serena em 13', ri 54 1982
sua eama, algo da pintura pré—rafaelita Qglia, de Millais” (1982: tephen The Sexual Fix Londres Macn-ullrm, 1932
36-37). Entre seus dons estava a habilidade para controlar o tempo Axel O lwro de San 11/hcbele 17 ed Sao Paulo Q0130
de suas performances em cenas histéricas, atos, tableaux [quadros] is
e intervalos, e realizar no momento certo sua programacio para 0
clique da camera. OWAIIER, Elaine Pie Female Malady Londres Virago 1987
Entretanto, a alegre disposieao de Augustine para fazer todas
as poses que sua audiéncia desejasse teve efeitos sobre sua psique.
Durante o perfodo em que era fotogtafada vzirias vezes, ela desen-
volveu um sintoma hjstérico curioso: comeeou a enxergar tudo em
preto e branco. Em 1880, a jovem comecou a se rebelar contra 0
regime hospitalar. teve periodos de violéncia em que rasgou suafi
roupas e quebrou janelas. Durante esses surtos irritados, ela em
anestesiada com éter ou cloroférmio. Em junho do mesmo ano, 05
médicos desistiram de seus esforcos com o caso dela e a colocaram
trancada em uma cela. Augustine, no entanto, foi capaz de usar em
1 1 I
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I |fl1 l
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representamos as pessoas e os lugares que sao significativa-
"cliferentes de nos? Pot que a “diferenga”, sendo um tema
é uma area da representacao tzio contestada? Qual é
secreto da alteridade e por que a representacio popular
tio attaida por ela? Quais sao as formas tipicas de
1"};
representacionais utilizadas atualmente na cultura popular
Mi. a “diferenca”, de onde vém essas figuras e estei-e6ti-
l Estas sao algurnas questoes sobre a reptesentacio que
ilml " |‘l' a discutir neste capitulo.
1i 111I _T'
“estereotipagem”. Esperamos que, no final, vocé enten-
o funcionamento do que chamamos de “o espetaculo do
$24
'7 *3’ e seja capaz dc aplicar as ideias discutidas e 0 tipo de analise
aqui para a gmnde quantidade de material existente sobre
na cultura popular contemporanea — por exernplo, a publi-
I
que utiliza modelos negros, as reportagens jornalisticas sobre
.‘ 1111‘
os ataques raciais ou crimes urbanos e os filmes e revistas
I l de “raga” e etnicidade como temas importarites.
1|
Ii o ESPETACULO DO"OUTRO' _ 141
Ii
140 _ CULTURAEREPRESENTACAO I STUART HALL
I 1
| l
i|l- Nosso foco se dirige para a variedade de irnagens expostas na OU VILOES?
1llll
I HI, cultura popular e na midia dc massa. Algurnas sao imagens da publi-
, - 9
cidade comercial e ilustragoes de revistas que utilizam estereotipos a Figura 1. E uma foto da prova final rnasculiria de 10
lli . raciais datadas do periodo da escravidéo ou do imperialismo popular
l |'i
das Olimpiadas de 1988 que apareceu na capa da revista 175:‘
do final do século XIX. A pergunta que surge com essa comparacao 7;-me,’ cm sua edjqio especial sobre esse evento esportivo
através dos tempos é: os repertorios da representacao em torno da outubro de 1983)- E13 most” 9 vdodsta canadcnsc negro
“diferenea” e da “alteridade” mudaram ou as caracteristicas anterio- ganhan(lO de Carl Lewis e Linford Christie em tempo
res permanecem intactas na sociedade contemporanea? Ha na foto cinco otimos atletas em a9i°- “O “gt dc suas
l .‘ , ‘H I O capitulo analisa em proFundidade teorias sobre a pratica re- fisicas. Todos eles hornens e — talvez, flg0T=1- V055 “Me
1‘
I I
presentacional conhecidas como “estereotipagem”. A discussio reo- pela primeira vez — todos negrosl
i1 l
'1’, . rica é guiada por meio de exemplos, em vez de ser introduzida por
JTIVIDADE 1
Imp \I H ‘
si so. O capitulo terrnina considerando diferentes estratégias que
i1ii
1 1 visam intervir no carnpo da representacao, contestar as imagens “ne- 1- '
.
ii1
I gativas” e direcionar as praticas tepresentacionais sobre “raga” para Como vocé 'lé" a foto — 0 que ela esta dizendo? NOS termos de
“ii il
Ti , l
um caminho mais “positivo”. Coloca-se a questao se pode haver ou
nao uma efetiva “politica de representagio”.
Mais uma vez, entao, a representacio visual assume o centro
Barthes qual é seu "mito"4 sua mensagem subjacerite?
. diz
Uma mg]-igagem possivel - respeito
- a- -identidade
' ' .To dos‘tos
racial
- 'Q_um ru muias
1|
1||#i|:’ das ateneocs. O capitulo mantém o teina geral ao continuar a ex- atletas pertencem a um grupo racial definid 9 P?
ploragao da reprerentapiio como um conceito e uma pratica - o pri- . . . ' msua"raaecor~
vezes discriminado com base Pleusameme E g _ H _'
‘I ‘M ' meiro “momento” importante do circuito cultural. Nosso objetivo é o qua I estamos mais acostumados a ver retratado pelo n0YI¢li"°
,': __ , .1 realize oes. No entanto1
l ,1 aptofundar a compreensio do significado da tepresentacio e de seu como vitimas ou perdedores em termos de §
‘i I ‘.
i ll fimcionamento. Trata-se de algo coinplexo e, especialmente quan- aqui, eles estéo vencendo!
do lida com a “diferenca”, envolve sentimentos, atitudes, emoooes
e mobiliza os medos e ansiedades do espectador em niveis mais -
Em termos de diferen§a- ' ha' "ma mensa 9 em p ositiva:_ um
e"ta°'
ll 1* l profundos do que podemos explicar dc uma forma simples, com momen to triunfanteI motivo de comemoracio. Por que, eHYa°1 3
l | i ll
base no senso comum. E por isso que precisamos das teorias — para . .. . - -1 ‘ cha ueéoheroi quem
l :
i
l
l
l legenda diz, “Herois e viloes . Quem voce a <1 '
aprofundar nossa analise. O capitulo, dessa Forma, baseia-se no que é o viléo?
FIGURA 2
Linford Christie, segurando a bandeira do Reino Unido, apos obter a l l Qual das seguintes afirmagoes, na sua opiniéo, me||'i0f (“FY9553 3
medalha olimpica de ouro nos 100 metros masculino, em Barcelona, 1992 r "mensagem"da Figura 2?
Conforme sugerimos, esta Foto também pode ser “lida" dc Forma a. “Este é o melhor momento da minha vida! Um triunfo Para mlmr
eonotativa em termos do que ela tem a LG dizerin sobre “raga
_ 1» . Aqui. ‘ Linford Christie."
_~-i=1-=
a mensagem poderia ser — ncgros inostrando ser bons em algo e. b. "Este e. um momento de triunfo
- * e ce|ebra§a°
para ITIIITI ‘ Pala os
mzlnimre, vencendo! Porém, tendo em conta 0 “significado preferen- negros de todo o mundo!"
146 _ CULTURAEREPRESENTIKAO I STUART HALL o ESPETACULO DO"0UTRO" _ 14?
c. "Este é um momento de triunfo e celebracéo para a equipe olimpi- gm nome da Inglatcrra, pois cram r‘iegrc;s. Entiio, Chrisne
l
1
ca britéinica e para o povo briténico!"
que cada imagem esta também sendo lida em termos desta
d. “Este é um momento de triunfo e celebracéo para os negros e para mais ampla dc pertencimento e diferenca cultural.
a equipe olimpica briténica. Isso mostra que vocé pode ser negro e Na verdade, suas observ=l§5°$ fomm efcmadas no confcxm d_a
britdnico!" ' negativa 5. qual ele foi exposto em alguns tabloides bri-
rnuitos dos quais se apegavam a reproclueir uma piada
N50 ha, claro, nenhuma resposta “certa” ou “crrada” para a nao cxplfdta, ma; amplamente reconhecicla, a custa dc Christie
pergunta. A imagem carrega muitos significados, todos igualmen- 0 Short dc Ly¢1-ajusto que ele vestia revelav-a 0 tamanho e a
te plausfveis. O importante é 0 Fato dc que ela mostra um evento de seus genitais. Um dia apés ele ter conquistado =1 mfidllha
(denotacio) e carrega uma “mensagem” ou significado (conotacio) —
ouro nas Olimpiaclas, 0 jornal U1: Sun concentrou-se neste de-
Barthes a chamaria dc “metarnensagem” ou de mita sobre “raga”, cor . - ' - ' d tabloides sobre
O atleta foi 0b]C[0 dc varias provocacoes os _
e “alteridade”. N510 lizi como deixannos dc ler esse tipo de foto como
a e 0 tamanho dc sua “l:-ineiieira” — um fillffifmsmo
uma imagem que “quer dizer alga”, nao apenas sobre as pessoas ou _ . el ter
il ‘ a ocasirio, mas tarnbém sobre a “alteridade” delas, a “diFeren<;a". A
de Forma tao literal por algullla-9 P555035 a pontaaik e
J '
' ' izar suas
I abordado por uma empresa que desejava comer-er I F
“d.firenpz" esta’ mzzrcada. A Forma como é interpretada é uma preo-
oom base em sua imagem! A “*5P°it° dcssas msmuagocs’
eupaczio eonstanre e reeorrente na representacio dc pessoas racial e
Christie disse:
etnicamente diferentcs da maioria da populacio. A diferenca possui
significado. Ela “fala”.
-' Eu me semi humilhado. (...) Minha i>rim¢i'=1 "mi" 5°‘ P°'°°b"" "*““
Em uma entrevista, discutindo sua fiitura aposentadoria do es-
isso era racismo. Aqui estatnos I165, ¢$I¢Y°°tiPa“d° um homem negro"
porte internacional, Christie cornentou sobre a quesrio dc sua iden-
Eu consigo aceitar uma boa piada. S6 que ela apateceu um clia apos eu
tidade cultural - sobre aonde ele acredita “pertencer”. Disse ter boas ganhar O mgho; Prémio que um arleta podcria ganhar. (...) Nao quero
recordacoes da Iamaica, pais em que nasceu e viveu até os 7 anos,
assar minha vida sendo conhecido p01‘ aqua” que [calm dcmm do
mas concluiu: “Eu vivo aqui [no Reino Unjdo] ha 28 [anos]. Nio sou
fneu short. Eu sou uma Pfissoa séria (771! Sana-'4)’ Independent’ 1995)‘
ll l outta coisa senio britanico” ( The Sunday Independent, ll dc novem-
bro de 1995: 18). Obviarnente, isso nio é tio simples assim. Christie
l
esta perfeitamente ciente de que a maioria das definigées dc “britani- ATIVIDADE 3
clade” evoca que a pessoa perrencente a esse conjunto seja “branca”.
0 q ue esté acontecendo aqui7. Isso é so uma piada de mau gosto. ou
Ill Independentemente dc onde tenham nascido, é muito mais dificil
ll . . - 1 exuaiidade e énero tem
para os negros serem aceitos como “britinicos”. Em 1995, a revis- hé um significado mais profundo. O que s 9-
ta de criquete Wisden Foi obrigada a pagar indenizacoes aos arletas a ver com as imagens de negros e negras? Por que o escritor negro
_ . . ' e os brancos parecem
negros por difainacéo, porque havia publicado que nio era possivel frances da Martmica, Frantz Fanon. d'55e Cl"
esperar que demonstrassem a mesma lealdade e compromisso para - 7
obcecados com a sexualidade dos negros-
148 _ CULTURAEREPRESENTAQAO I STUART HALL O ESPETACULO DO"OUTRO" _. 149
-r=_—‘-2—»;"-— -i:
Hal um ponto a acrescentar sobre essas fotografias cle atletas
negros na imprensa. Eles ganham significaclo quando 5:10 liclas no
if
contexto. umas em contrastc com as outras ou todas relacionadas
entre si. Esta é outta mancira cle dizer que as imagens néo carregam
significaclo ou “significamll por conta prépria. Elas acumulam ou
elilninam seus significaclos face 55 outras por meio dc uma varic-
dacle de textos e midias. Cacla imagem tem seu proprio significado
especifico. N0 entanto, em um sentido mais amplo sobre como 11
“diferenc;a" e :1 “alteridade” silo representadas em uma determinacla
,.___‘:_.:_l—@-.
cultura, num momento qualquer. podemos ver prziticas c figuras re»
prcsentacionais scmclhantes sendo repctidas, com variagocs, dc um
tcxro ou local dc rcprcscntagio para outro. Essa acumulagéo dc sig~
nificados om difcrcntcs tcxtos, cm quc uma imagem sc rcfcrc a outm noun». 5
ou tem sou significaclo altcrado por ser “lida" no contcxto de outras Carl Lewis fotografado para um andncio da Pirelli
1
cliversas. Nesta secio, consideraremos hrevemente quarra
convcncées. teéricas. Enquanto cliscutirnos, pense nos exemplos que
dc analisar. A cada reoria, mostraremos primeiro a impor-
ATIVIDADE 6 da “djf¢1-en<;;1” — considerando seu suposto aspecto positivo.
l'1I
seguida, Vfl1'Bfl1QS alguns dos traoos mais negatives da “diferenga”.
ill
A foto reforga ou subverte o estereétipo? Algumas pessoas dizem uniiio clestes dois enfoques nos mostra por que a “diferenca” é
que é apenas uma piada do anunciante. Outras afirmam que e perigosa.
Carl Lewis se deixou ser explorado por um grande anunciante
corporativo. Ha‘: ainda quem assegure que, de forma deliberada, ele 1. A primeira aborclagem vem da linguistica — das linhas tfiérififlfi
resolveu desafiar e contestar a imagem tradicional da masculinidade associadas a Saussure e ao uso da linguagem como um modelo
negra. 0 que vocé acha? do Funcionamento da cultura, discutidas no primeiro capitulm
I Seu principal argumento é que 4 “d1:f¢’?’¢’"!-‘aflé imP””‘mt" porque
A luz desses exemplos, podemos reformular nossas perguntas é essencial an sigmficado; Mm 6/11» 0 fllg’"1'fi"1d° "5" Podefia ‘”“'m""
originais cle forma mais precisa. Pot que a “alteridade” é um objeto Lernbre-se do exemplo oferecido no capitulo anterior a respeito
cle represenracio tio atraente? O que a marcacio da diferenca ra- 1(- do par bnmca/preto. Sabemos 0 significado dc prero, Saussure
cial nos diz sobre a representaeio como przitica? Por meio dc quais argumenrou, nio pela exisréncia de alguma esséncia da “negli-
praiticas representacionais a diferenca racial, étnica c a “altcridadc” tude”, mas porque podemos conrrasté-lo com seu oposto — 0
ganham significaclo? Que “formas cliscursivas”, repertoriais ou regi- branco. O significado, ele afirmou, é relacional. A portadora dfl
mes de representacio sio ulilizados pela midia quando representa a significacfio é a “drfirenga” entre 0 branca e 0 prato, é ela que
“djferenca”? Por que uma dimcnséo dela — por exemplo, “raga” — é significa. Na foto, Carl Lewis pode represenrar a “ferninilidade"
arravessada por outras perspeetivas, tais como sexualidade, género on 0 lado “fcmjnino” da rnasculinidade porque ele pode marcar
e classc? Como :1 representagio cla “diferenga” relaciona-se com as flsua “d1f:ren;a”em relagio aos esrereotipos tradicionais de mas-
questoes dc poder? Clllinidade negra ao usar os sapatos vermel/aos como um signifi-
O ESPFFACULO DO "OUTRO" __ 155
154 _ CULTURAEREPRESENTAQAO | STUART HALL
cante. Este principio tarnbém Funciona em conceitos mais am- d¢ pode; entre os polos dc uma oposigéo binziria (Derrida,
plos. Sabemos 0 que é ser “britéinico”, nio apenas por causa de Na verdacle, deveriamos escrever branco/prato, homens!’
cerras caracreristicas nacionais, mas também porque podemos masculine/feminine, class: alta/classe baixa, britainicosl
marcar sua “diferenca” em relacio aos “outros” - a “britanidade” para caprurar essa dimensio de poder do discurso.
é algo nio Frances, nfio americano, nio aleméio, nio paquista-
nés, nio jamaicano e assim por diante. Isso permite que Linford 2. A segunda abordagem rambém tern origem nas teorias da
Christie signifique sua “briranidade” (por meio da bandeira) c, linguagem, mas dc uma cscola um pouco diferente daquela re-
ao mesmo tempo, nio conoorde (por sua pelc negra) que esse presenrada por Saussure. O argumenta aqui é que precisamor dd
conceito deva sempre significar “brancura”. Isro é, a significacio “diférenra” porque somente podemos canstruir srlgnficado amwér
esté na “diferenca”. Ela carrega uma mensagem. dc um didloga cam 0 “Outro”. Q grands linguista e critico russo
Mikhail Bakhtin, que entrou em conflito com o regime stalinis-
Dessa forma, o significado depende da diferenga entre oposros. ta na década dc 1940, esrudava a lingua, nio como um sistema
N0 enranto, quando Cliscutimos esta argtunentagzlio no capitulo an- objetivo (como os saussurianos), mas em termos de como o sig-
terior, reconhecemos que, embora as oposigées binzirias — bmm'0/ nificado é sustentado no didlogo entre dois ou mais Falzmtes. O
pram, din/naite, mmmlinoflirminino, britfinicos/ertrangeims — possu- significado, afirrnou Bakhtin, nio pertenoe a qualquer um dos
arn grande valor por conseguirem captar a diversidade do mundo falantes. Ele surge na rroca entre diferentes interlocutores. Na
entre os extremes, elas siio uma forma um tanto bruta e reducionista linguagem, merade da palavra pertence ao outro. Ela sornente
de estabelecimenro de significados. Por exernplo, naquilo que cha- se rorna a “prépria palavra” quand0 (---l 0 Falamc 5‘? 9-Pr°P1'ia
mamos de fotografia em preto e branco nio hzi, na verdade, um puro dela, adaptando-a 5 sua prépria inreneio de expressfio sem:ir1ti-
“preto” e “branco”, mas vérios tons de cinza. O “preto” ronaliza-se ca. Antes disso (...) a palavra nio existe em um idioma neutro
imperceprivelmente em “branco”, assim como os homens possuem ou impcssoal (...) na verdade, ela existe na boca dc outras pes-
um lado “masculine” e outro “feminino” em sua natureza. Linford , I soas, servindo is intencoes dc outras pessoas: é de lzi que deve-
Christie cerramenre quis afirmar a possibilidade de ser “negro” e mos tomar a palavra e tomzi-la nossa (Bakhtin, 1981 [1 935]:
“britinico”, embora a clefinicio comum dc “britanidade” presuma >
u
. 293-294). Bakhrin c seu colaborador, Volosinov, acreditavam
0 branco. 1
que isso nos permite brigar por um significado, destruinclo um
Assim, embora nio consigamos tl'3.l33.ll18.l' sem elas, as oposicoes ‘*1 conjunto dc associacoes e palavras e clando a elas uma nova
binirias podem ser acusaclas dc reducionistas e demasiadamente sim- inflexio. Para Bakrhin, 0 significado é estabelecido por meio do
plificadoras - engolinclo todas as disrincoes cm sua esrrutura binziria dizilogo - é fundamentalrnente dialégica. Tudo o que dizemos
e um tanto rigida. Alérn disso, conforms afirma Jacques Derrida, e significamos é modificado pela interaciio e pela Lroca com 0
existem pouquissimas oposicoes binzirias neutras. O filésofo argu- Outro. O significado surge através da “diferenca” entre os par-
rnenta que, normalmente, um dos polos é dorninrmte, aquele quc‘ 4. ticipanres dc qualquer diélogo. O “Outrv”. rm -WW4» 5 ffffnfidl
inclui o outro dentro de seu campo de operacfies. Hé sempre um:-1 K para 0 signzficada.
\
>
156 _ CULTURAEREPRESENTAQAO I STUART HALL 0 ESPETACULO DO'0UTRO' _ 15?
Este é 0 lado posirivo da teoria dc Bakhrin. Naturalmente, 0 lado , No entanro, ela rambém pode dar origem a prétiflas 6 $¢I11i'
lI IN
ncgativo é que, portanto, nio hi como fixar o significado e, além negati‘,-os_ Mary DQugl35 argumcntn que 0 que realmente
>
disso, ele nio pode ser governado complctamentc por um grupo. O a ordem cultural é 0 aparecirnento dc coisas na catego-
significado dc ser “bricfmico”, “russo” ou “jamaicano” nao pode ser ¢1-mda ou quando elas nao cabem nas classes existentcs - uma
inteiramente controlado pelos britiinicos, russos ou jamaicanos, mas como 0 mercuric, por cxemplo, que é um metal, mas
esta sempre disponivel e sendo negociaclo no diélogo entre estas cul- um liquido; ou um grupo social como mulato: e mestigos,
turas nacionais e seus “outros”. Assim, foi alegado que nao podemos nio sio “brancos” nem “negros”, mas flutuam ambiguammte
saber 0 que significava ser “britinico” no século XIX até sabcrrnos 0 uma zona hibrida, inrermcdiaria, insrével c perigosa (5r=l1ybw'-5
que os britfmicos pensavarn sobre a jarnaica, sua colonia caribenha, White, 1986). Culruras estéveis exigem que as 001538 11510 $11131“
ou sobre a Irlanda e, dc forma mais irrirante, o que asjamaicanas ou
E seus lugares dcsignados. Os llmites sirnbélicos mantérn as cate-
l.Gll
0: irlandesespemauam deles... (Hall, 1994). “puras” e dio as culturas significados c idcntidades unicos. O
a a cultura é a “rnaréria fora do lugar” - a quebra 11¢
3. O terceiro tipo dc abordagem é anrropolégico (ver Du Gay fcgfas e cédigos nio escritos. A tetra no jardim é boa, mas
H_. er al., 1997). O argumento aqui é que a cultura depende do
um comodo é “matéria fora do lugar” —- um sinal de poluicio,
Significado que clamos as coisas, isto é, a atribLLi(;5.0 dc difcrentcs
tmnsgressio das fmnteiras simbélicas, dc tabus violados. O que
poslcfics denrro de um sistema classificatério. A marcagio da
corn a “matéria fora do lugar” é varré-la, joga-la fora, res-
“difcrenga” é, porranro, a base da ordcm simbolica que chama-
W
a ordem do local, trazcr de volta 0 estado normal das coisas-
rnos dc cultura. Seguindo a obra classic:-.1 sobre sistcmas simbo-
I'|‘ culturas que “se fechana” contra cstrangeiros, intrusos, es-
V‘! licos de Emile Durkheim, sociologo, e os estudos posteriores
‘ll
4
l
c os “outros” fazem parte do mesmo processo dc purificacio
l, sobre rnitologia do antropélogo Claude Lévi-Strauss, ambos
I 1982).
.| franceses, Mary Douglas argumenta que, ao ordenar e organizar
. De acordo com esse argumento, entio, os limitcs simbélicos siio
. I . I
as coisas cm sistcmas classificatérios, os grupos sociais impoem
para toda a cultura. A marcacio da “difi-:ren<;a” leva-nos, sim-
significado a seu mundo (Douglas, 2014). As oposigoes binarias
a ccrrar fileiras, fortalecer a cultura e a cstigmfltiléfl B
sio cruciais para toda classificacio porque é preciso cstabelccer
;r qualquer coisa que seja definida como impura c 8.n01‘lT181-
uma diferenca clara entre as coisas a fim dc classifica-las. Con-
l paradoxalmente, também faz com que a “difercnca” seja
I
frontado com cliferentes tipos dc alimentos, Lévi-Strauss (1970)
ll
>
afirmou que uma mancira de dar significado a eles é comecar estranhamente atracnrc por ser proibida, por ser um tabl-I
\
dividinclo-os em dois grupos — aqueles que sio comidos “crus” ameaca a ordem cultural. Assim, “O socialmente pcriférico esta,
c os que sio “cozidos”. Claro, vocé também pode classificar os fiequéncia, simbolicamenre centrado” (Babcock, 1978: 32)-
alimentos em “vegetais” e “frutas”; ou entre aqueles que sao “en-
tradas” e 0s que sao “sobremesas”; ou que 55.0 scrvidos no jantal .-4_ O quarto tipo cle abordagcm é psicanalirico e relaciona-se
ou em um banquete sagrado, 51 mesa dc comunhio. Aqui, mais papel da “difcrenoa” cm nossa vida pslquica. O argumento
' r
uma vez, a “cliFcrcnqa“ é Fundamental para 0 significado cultural. aqyi 5 qyg 0 “Ourra” éfimdamentalpara a consriruipio do selfdos
158 _ CULTURA E REPRESENTAQQO I STUART HALL 0 sspnncuto oo "OUTRO" _ 159
mjeitos spam a identidade sexual De acordo com Freud, a con- ..Por meio da idenrifica<;5~0» “la Criilflgifll dssfija 0 objeto do desejo
solidacio de nossa defin'i<;io dc safe da nossa identidade sexual [da mic] cemrando, dessa forma, sua libido em si mesma ll“
*1
.
depende da maneira com que somos construidos como sujeitos, qlangal" (ver Segal, 1997). E' esta refiexao
'
de Fora de si mes-
“
especialmenre em relacio ao estagio cle desenvolvimenro inicial, ou 0 que Lacan chaxna de “o olhar do outro”. durante a fasfl
que 0 criador da psicanalise chamou de complexo dc Edipo (a , qua permite a crianca reconhecer-se pela Pl.'III1€!I'& ire:
partir da mitologia grega). O sentimento unificado dc si mesmo . . - ' - 0 €XII€l'kO1'
um su]e|to umficado, relacnonar se com o mund >
como um sujeito e a identidacle sexual, Freud afirmou, nao estio dil-¢;50 ao “Outro", desenvolver a linguagem 6 HSSUII1" "ma
fixos na crianca muito jovem. No entanto, de acordo com a sua sexual. (Na verdade, Lacan diz “desreconhecer-se”, P015
verszio do rnito de Edipo, a oerta altura o menino desenvolve que o sujeito nunca podcrzi ser totalmente unificado.)
uma atracio erotica inconsciente pela mic, mas encontra 0 pai Melmie Klein @006)» P01’ °“"° 134°’ a1'g“me“t°u que a cnanga
como obstaiculo 5 sua “satisFa<;io”. Entretanto, quando a crianca este problema da falra dc um selfestavel por IIICIO cla dlVl5?10
descobre que as rnulheres nio tém pénis, presume que sua mac . - ' ' ' '0 com
imagem 1I1COIlSClCI1[€ que rem da mac e da |dentlfica§3
foi punida com a castracio, e que pode ser punida da mesma em duas Partes, uma “boa” e ourra “ma”, ifltsfflfllllando 915"!“
forma se persistir em seu desejo inconsciente. Corn medo, o me- e projetando outros para o mundo exterior. d I
'
nino transfere sua identificacao para o seu velho “rival”, o pai, O elernento comum a todas essas d.lfCl’61"lICS verso‘es cleI Freu e
iniciando, assim, os prirnordios da assimilacio dc uma identi- . - - - “ “ vimento
qllc drferentes reoncos dao ao Outro no desenvo F da
dade masculina. A menina identifica o caminho oposto — com . . - - - - - " ’ a
su]e1to. A subyetwrdacle surgnra e a percepcao do se§_'f'sera orrn
o pai. Enrretanto, ela nao pode “ser” ele, ja que nao rem penis. arravés das relacoes simbélicas e inconscientcs ‘int =1 Guam?“
Ela pode somente “veneer” o pai ao desejat, inconscientemente, corn o “Outro” significante que esta Fora de si — ou sfilar que é
ter 0 filho de um homem - assim, aceitando 0 papel da mic e de si.
identificando-se com isso, “tornando-se feminina”. ~ _ _ . ' ‘ ‘ n1 ser
A pnmerra vista, @5535 abordagcns Pslcanahncas parece _ _
em suas implicacoes para a “diferenga”. Nossas sub]et1-
Este modelo de como a “diférenga” sexual comega a ser assumi- clas dizem, dependem de nossas relacoes inconscientes
da jé no inicio da infiincia tem sido fortemente contestado; muitas 0s outros significantes. No entanto, existem rambém imPh'
pessoas questionam seu caréter especulativo. Por outro lado, ele foi negarivas. A perspcctiva psicanalitica pressupoe que 0 ser]_§
extremamente influence, e extensivamente alterado pelos analistas a identidade, nao possui um nucleo interno, estével e deterrn1-
posteriores. Psiquicamente, nunca seremos sujeitos totalmente l.1l'11flc3,-
O psicanalista Frances Jacques Lacan (1998), por exemplo, foi Nossa subjetividade é formada por este dialogo problemauco,
mais longe do que Freud, argumentando que a crianca nio possui concluido e inconsciente com o “Outro” — com a internall-
qualquer senso de si mesma como um sujeito separado dc sua mic do “Ourro”. E formada em rela§5° *1 315° que “Os complcta’
até que se veja em um espelho, ou como se reflerida na forma como
que — por se encontrar fora de nos —, de certa forma, semP[°
é vista pela mic. falta.
i,
l 160 _ CULTURA EREPRESENTAQAO | STUART HALL
I
lll l isso como uma das principais fontes de neurose em adultos. Ou- de lado por um momento essas “ferramentas” teérirlflfi
tros enxergam problemas psiquicos decorrentes da separacio entre amiljse, vamos agora explorar outros exernplos do repertorio de
as partes “boas” e “mas” do re@’— perseguidas internamente pelos c suas praticas que foram utilizadas para mHl'C9I 3
>~I
l,
|l
aspectos “mans”, as pessoas guardam para si ou, alternativamente, racial e significar o “Outro” racializado na cultura popular
|
projetam nos outros os sentimentos “rnaus” com os quais nao conse- Como Poi formado este arquivo e quais Foram suas figuffls
|‘|\ guem lidar. Frantz Fanon (1986 [1952]) usou a teoria psicanalitica ripicas?
l em sua explicacao para o racismo, argumentando que a maioria da Existiram trés mornentos irnportantes de encontro do “Ociden-
l" E
estereotipagem racial e a violéncia surgirarn a partir da recusa do
“Outro” branco em reconhecer “do ponto de vista do outro” a pes-
,.;¢"' com os negros, que deram origetn a uma avalanche de represen-
populates, baseadas na rnarcacio da diferenca racial. O pri-
soa negra (ver Bhabha. 1936b; Hall, 1996). .. . - » - ' i res
rmelro teve IHICIO com o contato, no seculo XVI, 6I1tf¢ Come"? an
Esses debates sobre a “diferenca” e o “Outro” foram introduzi- jrgm-opgus e os reinos da Africa Ocidental, fonte dc escravos negros
dos aqui porque este capitulo baseia-se seletivamente cm todos eles .1*-mmnm trés sécukm seus cfghfos podem ser encontrados na cscra-
para a analise da representacao racial. Neste momento, nao é neces- - » - - ' rid
-rvielio e nas socredades pos-escravistas do Novo Mundo (dlscu os
sario que vocé prefira uma explicacao da “diferen<;a” em vez das ou- SC‘;-50 2_2)_ Q Segundo momento ocorreu com a colonizacao da
tras, que escolha uma delas. Elas 1150 sao mutuarnente exclusivas, ja c sua “p;rrtill1a” entre as poténcias europeias que buscavam
que se referem a diferentes niveis de analise — o linguistico, 0 social. "ea-ntrolar territorio. mercados e matérias-primas coloniais no perlodo
0 cultural e 0 psiquico, respectivamente. No entanto, existern dois “novo impm-ialismo” (veja a seguir, Secio 2.1). O terceiro m0-
aspectos gerais importantes. ocorreu com as migracoes pos-Segunda Guerra Mundial do
Em primeiro lugar, vinda de muitas direcoes diferentes e dc Mundo” para a Europa e América do Norte (exemplos
imimeras disciplinas, a questao da “diferenca” e da “alteridade" periodo sao discutidos na Secio 2-3)- A5 lddas Oddcmais 5°’
passou a desempenhar um papel cada vez mais significativo. Em “raga” e as imagens da diferenca racial foram moldadas profim-
segundo lugar, a “diferenca” é ambiualente. Ela pode ser tanto posi- por esses trés encontros fatidicos.
tiva quanto negativa. Por urn lado, é necesséria para a producao fr
significados, para a formagio da lingua e da cultura, para as iden- O RACISMO COMO BEM COMERCIAL: O IMPERIO E O MUNDO
r tidades sociais e para a percepcao subjetiva dc si mesmo como um
sujeito sexuado. Por outro, é, ao mesmo tempo, ameacadora, um
local de perigo, de sentimentos negativos, de divisoes, dc l1ostilida— pelo entendimento sobre como as imagens da d1feren-
dc e agressao dirigidas ao “Outro”. No restanre do capitulo, vocé ' - I '
racial extrardas do encontro l.l'[1pCl’l3l mundaram a cultura pop
u-
deve sempre ter em rnente este carater ambivalente da “difcrenr;a", britanica no final do século XIX. Na Idade Media, 3 lmagem que
l
seu legado dividido. tinba da Africa era ambigua - um lugar misterioso, mas
l I
l
‘O 162 _ cutruna tmzvntstmacko | srumn HALL 0 ESPETACULO DO"OUTRO' _ 163
1
lll muitas vezes visto de modo positivo: afinal, a lgreja Copta era uma em um meio popular, forjando a ligacio entre o Irnpério Bri-
das mais antigas comunidades cristéis “ultramarinas”, santos negros e a imaginacao nacional. Anne McClintock argumenta que,
surgiam na iconografia crista medieval, e 0 lendzirio “Prestc Ioio" da racializacio dos anuncios (racismo como bem comercial),
da Etiopia tinha a reputacao de ser um dos mais leais defensores do
cristianismo. . 0 lat da classc rnédia vitoriana tomou-se um espaco para a exibicao do
Gradualmente, no entanto, essa imagem mudou. Os africanos espetaculo imperial e para a reinvencao da raca, enquanto as wlfinias
foram chamados de descendentes do personagem biblico Cam, - em particular da Africa — tornaram-se um teatro para a exibicao da
j—-4:-_A__
cultura vitoriana da domesticidade e da reinvencio do género (2010).
\| amaldicoados, tal como o filho deste, Canaa, a scr perpetuamente
.l\
“servo dos servos a seus irmaos”. Identificados com a natureza, sim-
ll ‘
av,» I.
bolizavam o “primitive” em contraste com o “mundo civilizado”. A publicidade de objetos, engenhocas, aparatos e bricabraques
l , os quais a classe rnédia vitoriana enchia suas casas oferecia um
__ O Iluminismo, que classificou as sociedades ao longo dc uma escala
dc como se relacionar com o mundo real” da produgio
evolutiva dc “barbaric” a “civilizacao”, via a Africa como “a mac
Depois de 1890, com o surgirnento da irnprensa popular,
III
de tudo o que é monstruoso na natureza” (Edward Long, 1774
l . o Illustrated London News até o Harmrwartb Daily Mail, as
| "Ill apud McClintock, 2010). Curvier apelidou a raga negta de “tribo
\l{l da producio em massa de bens entraram no mundo das
de rnacacos”. O filésofo Hegel cleclarou que a ./ifrica “nao faz parte
tra-ballladoras por meio do “espetaculo” da publicidade (Ri-
\|| lsilul da historia do mundo nao tem movimento ou desenvolvirncn-
l990), assim chamado porque ela traduzia os objeto: em
to para expor”. No século XIX, quando a exploracao europeia e a
fantasia visual de rig-no: e simbolas. A producao de bens passou a
l ' Il ‘ | l colonizacao do interior africano comecatam a sério, a Africa fol
,.5i"i.‘l ao Império — a busca dc mercados e matérias-prirnas no
N llllil. considcrada como “encalhada e historicarnente abandonada (...)
suplantava os outros motivos da expansao imperial.
uma tetra de fetiche, habitada por canibais, dervixes e Feiticeiros"
Este trafego bidirecional forjou oonexoes entre o imperialismo e
ll lllldl (McClintock, 2010).
doméstica, publica e privada. Os bens (e as imagens da vida
, |-- ,. A exploracao e a colonizacio da Africa produzirarn uma explo-
A llI l
|
ll‘ ,
sio de representagoes populates (Mackenzie, 1986). Nosso exemplo
inglesa) Huiam para as colonias; as matérias-primas (e ima-
“missio civilizadora" em andamento) cram trazidas para casa.
I ‘.'. l aqui é a difusio de imagens e temas irnperiais na Gri-Bretanha atra-
ll-Ienry Stanley foi um aventureiro do lmpério que se tornou fa-
vés da publicidade de mercadorias das décadas finais do século XIX-
pela sua viagem através da Africa Central, em 1871, em busca
O progresso dos grandes exploradores e aventureiros brancos.
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How Lord Roberts wrote BOVRIL. _
O sabao simbolizava esta “racializagao” do mundo intcmo e 3 com lexo c, Por vczcs, contraditorio cle crcn sobre a difercn § a
“domcsticagio” do mundo‘ colonial. Pot sua capacidade dc limpa; deste pcriodo
e purificar, o sabao adquiriu, no mundo dc fantasia da Pllblicidfldg
imperial, a qualidade dc um objeto cle fetiche. Aparentcmente, el¢ O argumento histérico contra 0 homem negro, com base em seu su-
tinha 0 poder dc tornar branca a pele negra e eliminar clc casa a fu- posto fracasso em descnvolver uma forma dc vida civilizada na Africa,
ligem, a sujcira e o p6 das favelas industriais e seus habitantes - ()5 {bi fortemente enfatizado. Como rctratado nos tcxtos pro-escravidao,
pobrcs sujos. A0 mesmo tempo, conseguia manter limpo c puro 0 0 continent: africano era, e sempre foi palco dc selvageria irrestrita,
corpo britanico nas zonas dc oontato racialmente poluidas “la” no dc canibalisrno, dc adoragio ao diabo c de libcrtinagern. Poi tarnbém
Império. No processo, enttetamo, o trabalho doméstico das mulhe_ langada uma Forma primitiva dc argumento biolégico, bascacla nas di-
res era muitas vezcs silcnciosamente apagado. ifercngas fisiolégicas c anatornicas reais ou imaginérias - especialmente
nas caractcristicas cranianas e nos angulos Faciais — que supostamente
ATIVIDADE 7 explicavam a inferioridade fisica e mental. Finalrnente, havia 0 apclo
aos profundos medos dos brancos reiacionados at miscigcnagio gene‘
O
bserve os d0|s anunctos do sabao Pears (Flgura 8). Antes de contr-
I 1 I _, l -
tagocs dos Estados Unidos e suas conscquéncias. Afirma-se que, no seus extremes — slgmficantcs dc uma cliferenga absoluta entre es-
pais norte-americano, a idcologia racializada dc plcno direito surgiu léc-ies ou “tipos” humanos. Estao presentcs as abundantes clistingoes
entre as classes dc proprietarios dc cscravos (c seus simpatizantcs na gillpadas em torno da suposta ligagio, por um lado, entre as “raqas”
EUIOPFI) somente quando a escravidio foi seriamentc desafiada pelos lfiflcas e o desenvolvimcnto intelectual — rcquinte, aprcndjmgem e
abolicionistas, no século XIX. Frederickson (1937) resume o conjun- nnhccitnento, crcnqa na razao. presenqa de instituigoes dcscnvolvi-
I68 _ CULTURAE REPRESENTAQAO | STUART HALL o ESPETACULODO OUTRO _ 169
das, governo formal, leis e “contencio civilizada” em sua vida emQ_ .mb0
U-
‘ tivesse imune ao fardo do homem brarico [ou melhor,
cional, sexual e civil, os quais estao associados it “Cultura”. Por outro l essfl 31,0;dage m] 1 a antroPolo 5‘a direcionou-se. no decorrer do secu-
lado, a ligacio entre as “racas” negras e tudo 0 que é instintivo _ 3 e cultura
0 gm, ainda mais no sentido das ligacoes causais entre ta‘?
expressiio aberta da emocio e dos sentimentos em vez do intelecto, ['mdo em vista que as posicoes e 0 status das taca s inferiores cram
falta de “requinte civilizado” na vida sexual e social, depencléncia dos mda vez mais considerados como fixosi Ema‘) 35 dlfcrcmias 5°C1°Cul‘
costumes e rituals e falta de desenvolvimento de instituicoes civis, assaram a ser entenclidas como depflndfiflffi dis ‘macteristicas
tudo isso ligado ii “Natureza”. Finalmente, ha a oposicio polarizada Qfcdltilflas Uma vez que estas ulumas cram inaccssiveis a observa
entre “pureza racial" de um lado e a “poliiicio”, originada dos casa- direta, precisavam ser infericlas a partir das caracterisucas fisicas e
mcntos mistos, do hibridismo c de cruzamentos raciais. I\'1POl’l3IDCfl[3.lS ql.l€, POI" SU2 V€Z, Cl'8ITl 35 (..El1'3.C[€l'lSE1C21S QUC (l€S€]3
O negro, afirrnava-sc, encontrava a felicidade sornente quando am explicar As dtferencas socioculturais entre 38 P°P“la§°es fomm
era tutelado por um mestte btanco. Suas caracteristicas essenciais intcgradas a identidade do corpo humano individual Na ti-rflE%1‘il‘/3 dc
[I39:11’ uma linha cle determu1=19a° entre 0 blologlco e 0 social’ 0 corpo
estavam fixadas para sempre — “eternamente” — na natureza. Provas
rnou-se um oblcm toternico. C 5"-'1 Pr°P“3 vlslblhdadc tornowsg 3
retiradas das insutrreicées de cscravos e da revolta no Haiti (1791)
UH culacao evidente da natureza e da cultura (G"e°“- H84 3162)
persuadiram os brancos sobre a instabilidade do carziter do negro.
Urn gran do civilizacio, imaginavam, liavia sido Lransfetido aos es-
cravos “doinesticados”, mas acreditavam que, no fundo, os escravos
o argumento de Green €XPhca PM que 0 ¢°YP° “C ializado e
Sign-lficad0S Pafisaram a ter tal ressonancia nas representagoes
eram brutos, selvagens por sua natureza; e as paixoes ha muito en- “laws da d_|fgfe11(;3 e da alteridade Ele tambem destaca a li-
terradas, uma vez libertadas, resultariam no “frenesi Furioso da vin-
l0 entre o discurso vzrua I e a pmdWdo do can/Jeczmenta (?'fl'-141114‘
ganca e no desejo selvagem por sangue” (Frederickson, 1987: 54).
Q pfopflfl corpo e suas diferericas estavam visiveis para todos
Tal ponto de vista era justificado pelas evidéncias ditas cientificas e
ssim, ofereciam a evidencia incontestavel Para 3 nammhmllao
etnolégicas, com base em um novo tipo de “racismo cientifico”. A0
i1feren<;fl racial A r€P'€$ema§a° da dlfereng “raves do corpo
contrario da evidéncia bfblica, afirmou-se que negros e brancos ha-
lou-se 0 campo discursive atraves do qual lT1l.l1tO deste conhcci-
viam sido criados em momentos diferentes — de acordo com a teoria
ato racializado fol produzido e divul8ad°
da “poligénese” (muitas criacées).
A teotia racial aplicava a distincio cultura/natureza de forma di-
SIGNIFICANDOA DIFERENQA RAClAL
ferente para os dois grupos racializados. Entre brancos, “cultura” opu-
nbiz-se ii “natureza”. Entre os negros, aceitou-se que “cultura” coinci- representacoes popu1ares da dif6renQ3 racial durante a 656111
dia mm “natureza”. Enquanto os brancos desenvolveram a “cultura” 30 tcndiatn a aglomerar-se em torno de dois temas principals.
para subjugar e superar a “natureza”, para os negros, “cultura” e “na- rimeiro era 0 status subordinado e a prcgu i ‘£3 inata dos ne
tureza” cram permutaveis. David Green discutiu esse ponto dc vista — Ha turalmente nascidos e =1Pt°5 aPena5 Para a scwldao’ mas’
em relacio it zmtropologia e Z1 etnologia, as disciplinas que forneciam dl Spas r0 s a trabalhar cla Forrna
111681110 IZCITIPO, tC1II1OS3Il’1CI1t€ 111
rntiitas "evidéncias cientlficas” para isso. "0 riada a sua naiureza e rentavel Pam seus Seul“)
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FIGURA 9
'4
Palestra dos negros sobre a frenologia"
.
déo uma cena da vida de um senhor de terras nas lndias Ocidentais
172 _ CULTURAEREPRESENTAQAQ | 51-UM“ HALL O ESPETACULO DO OUTRO _
- e an. V * as
Q’ Q3‘, 4
\ ~ de joelhos nao havia mais nada rmao sua servidao, nada de
Tomas, exceto sua tolerancia cristfi, nada para a Mammy, exceto
' l “‘*<%"
i Ianaew ~;Ԥ' fidelldade a casa dos brancos e aquilo que Fanon chamou dc
/
&. -_
V “ _
nufl good cooking , a eomida delieiosa que ela preparava
I_ _ 1
___ . 7 -'-*- ‘ . 19 Em suma, estes sao os estereotzpo: Na Secao 4, voltaremos a exa
_: i"‘;€_;>-— _v ,,~ .
0 conceito de estereotzpagem de forma mais complera, porem,
agora constatat que estereotipado sigrufica reduzido a
l Escravida_ 0. d esen ho de uma dama crioula
' "GUM
e um escravo ll
negro fiiridamentos fixados pela natureza, a umas poucas caracte-
nas lndias Ocidentais
simplificadas O uso de estereotipos dc negros na repre
popular era tao comum que os cartunistas ilustradores e
Estas imagens sao uma forma de degradagio rirua1iZada_ PO;
s conseguiam reunir toda uma gama de tipos negros
fmm? lad°* alguma‘ 1'¢PF¢$6l1ta<;6cs, mesmo estereotipadas, sao apenas alguns tracos simples e essencializados
idealmadas e sentimentalizadas em vez de degradantes. Estes sao us
sclvagcns "°bY¢5 @111 Comparacfio aos “servos rebaixados” do tipo I
anterior. Por exemplo, as representaeoes infinitas do “bom” C-sCfQ\'(l Q5 Oonros do no Remus sao uma coletéinea dt liistorias infiinns C$C['ll'3S por Joel ( handler
um ;0i-nalista e Folclorista anudor do Qul dos Estzidiis Unidtis Sens conros tram bascados
Muativas do rnalandro airo-amentaiio Remus sobre as lacanhas do Bret Rabbit, Brer
negro Cristio’ Como 0 Pal T°m5~5 Ell) romance pro-abolicionista dc iiUas criaruras , que Foram recnadas em dialeto regional prero por jot] F.l1;\1'ld.l<.r Harris
Harriet Beecher Stowe, A cabana do pai Tbmair, ou Mammy, a €SCr;1-
saber inius, VI. r liitp /lwww georgiaencyclopedia orgi/anitleslarts-culnirduncle-ti.-111i.ui-tales
"3 doméstlflfl Sflmprc fiel e dedicada.
O ESPETACULO DO 'OUTRO" _ ITS
1T4 _ CULTURA E REPRESENTAQLO | $Tu|\|1'|'|.|A|_|_
O5 nflgros FOTQITI reduziclos aos signjficantes dc Sua difcrcnga Hsica A encenagéo da "diferenga" racial:
_ lébios grosses, cabclo crespo, rosto c nariz largos e assim por d_i3,_[1[Q a melodia demorou-se..."
Por example, aquela figura €I1gl‘é1§3d21 que, como boncco c como em-
blelna de uma marca inglcsa dc marmelada, divcrtia as crian<;a5 pm vestigios dcstes cstcreétipos raciais — que poclcrcmos chamar dc
‘mm-5 5e"a§°¢5= ° G°u1W0g (Figura 13). Esta é apenas uma das mui- racializado cla representagio” — pcrsistiam ainda no final do
tfls figllms P°P'l1=lF¢$ ql-IE! reduzem os negros a algumas caractcristicas xx (Hall, 1981). Obviamentc, eles foram sempre contcstados.
51111131-l11¢%1<1€l.$..rc:dutoras e cssencializadas. Cada pcqucno ¢ adorivd primeiras décaclas do século XIX, 0 movimento contra a escra-
P“'k“""mJ/ (¢1'1=111§H p¢quena negra) foi imortalizado por anos por mu- (quc conduziu £1 aboligio da cscravatura britinica cm 1834)
sa dc fua mocéncia sorridcnte nas capas dos livros Little Black Samba’ fieolocou em circulagéo imagens altemativas das relagées entre negros
lN%1‘m/1'0 Sdmbfll Gargons negros serviram milhaxes dc Coquctéig I-,9 brancos, c isso fol retomaclo pelos abolicionistas dos Estaclos Uni-
nos palcos F em anuincios dc revistas. O semblantc gordinho da Black
gdos no perioclo que antecedcu a Guerra Civil. Em oposigio is repre-
Mammy aunda sorria um século apés a aboliqio da escravatura, em
cstereotipadas dc difcrcnga racializada, os abolicionistas
t0£10s os pacotcs dc panquecas cla marca Aunt]emi111a_
um sbgan diferentc sobre 0 escravo negro - “Vocé niio é
>
\
l
l
homem c um irmiio? Vocé nio é uma mulhcr e uma irmi?” —-,
upnfadzando nio a difcrenga, mas a hunmnicladc comum.
‘ Moeclas comcmorativas cunhadas pelas sociedaclcs anticscravi—
rcprcscntaram esta mudanga, cmbora 11:10 0 tcnham fcito sem a
mnrcaqio (la “difcrcnga”. Os negros ainda cram vistos como crian-
gas, simples e depcndentcs, mas agora (dcpois cl: um aprcndizado
ipaternalisra) sio considcraclos como capazcs dc obter, ou no cami-
ilho para alczmgar, algo como a igualdacle com os brancos. Eram
lmpresentaclos como suplicantcs por liberdadc on chcios dc gratidio
11-:
terem sido libertados e, consequcntcmentc, ainda cram mostra-
ajoclhando-se perantc seus bcnfcitorcs brancos (Figura 14).
1 Esta imagem recorda-nos que 0 pai Tomés do romance dc Harriet
Tficecher Stowe nio foi cscrito apenas para atrair a opiniéo pfiblica
FIGURA 13 a escravatura, mas com a convicgio dc que, “com sua gentile-
A menina e seu golliwogz ilustragio por Lawson wqqd 1927
‘ sua docilidadc humildc — sua afcigio simples c puctil c facilicladc
i
cc:3;:{.T“€‘s»:”;"ti°QZJSEIZ;11Lr;‘-1:115]:l:Tmgaarr:c;1;lcm?;ucll1:;::]m folrna comumente raciszahe i'n€1~ perdio”, 0s negros estavam, possivclmcntc, mais bem equipaclos
das l_eh€6€s raciais mm: brancos C n E1 S num:-eajn ‘ cngiéwfg Cgtcnclermos a lllstona -40 que os brancos para “a mais aka forma dc vida peculiarmente
sub divans fnmus Pam iusdficu O cnt0 d _ enczmof. m C figmdflnfie, fol lxsadu
_ _ caumano C|.lSP€flS3d0 a tscravos, a polmca do? ‘1€tisti” (Stowe apud Freclerickson, 1987: 111). Estc sencimento con-
“gmga‘7*°’ 5' "mlm fi'“l"¢"'°""¢"T°~ Pm Sfltisfazcr as irnpulsos racisms nos EUA rclacionadus
an enrrcarnimcnto de uma audiéncia branca. [N .E.} ‘ lféria um conjunto dc estcrcétipos (a sclvagcria) c 0 substitui por
176 _ CULT UM E “E""E5E"TA<1/1° I STUART HALL O ESPEHCULO DO"OUTRO" _ 177
. ll ErosEs
no ima .11,ario
. qd os brancos
sa seria uma P osi §3'0 mu}
desapareceu
Judado
- -
1 0 orimisra.
gradualmemg?
a cons“-mt a imagem (105 I16-
Um bom tesre e 0 cine-
ma norte-americano a F0 rma de arre popular da pnmeira
. mflade
fiifa, geralmenre grande, gorda, rnandona e intraravel, com o seu
fliarido que nao serve para nada (além de ficar em casa dormindo),
@0111 a sua absoluta devogio :1 casa dos brancos e sua subserviéncia
do século xx - 5; m que se es P eraria e ncontrar um reperrono
. . represen- illqquestionével em seus locais de trabalho (1973: 9). Finalmente, os
l11Ci0n3l muito diferenre - NO E11 tanto, a surpreendenre persistencia
- A .
"l4l—em"arad0s (bad bucks) - fisicamente granules, Fortes, irnprest:i-
178 _ CULTURA EREPRESENTAC§O | STUART HALL
o EsPErAcuLo D0'0UTRO" _ 179
Forma grosseira. O nascimento de uma napdo, conrudo, fol ensaiado Shirley Temple e dancou para ela. Louise Beavers cozinhou firmeie
durante seis semanas, filmado em nove, edimdo em trés meses e final- alegremente em 100 cozinhas de familias brancas, enquanto Hamc
mente lancado como um espetaiculo dc US$ 100 mil, 12 rolos e mais McDaniel (gorda) e Butterfly MCQUW" (magm) fizeram 0 Papal
dc trés horas de duracao. Ele alterou todo o conceito do cinema none- Mammy para cada truque e infidelidade dc Scarlet O'Hara 31“
-americano, desenvolveu 0 close-up, as tomadas transversais (ou edicio E 0 vento levou - um filme inteiramente sobre “raga”, mas que 11510
paralela), cortes rapidos (rapidfire editing), a iris, a tomada com tela eonsegue mencionar 0 assunto (Wallace, l993)- SmPln Patch“ (step
dividida e iluminacéo realista e impressionista. Criando sequéncias e in andfetch it— entre e pegue) nasceu para rolar os olhos, espalhar
imagens nunca vistas, a magnitude e grandeza épica do filme deixaram seu sorriso bobo, embaralhar seus enormcs Pés 5 balbudar confilsak
o piiblico boquiaberro (Bogle, 1973: 10). mente em seus 26 filmes — o arquétipo do malandro; 6 quando ele
se aposentou, muitos seguiram seus pass0S-
Mais surpreendenremente, além de ter marcado o “nascimento A década dc 1940 foi a era dos musicals dos negros — Uma ca-
do cinema”, 0 filme contou a hisroria do “nascimento da nacio nor- Gana no céu, Yimpestade de rirmo, P0’Z7 cl’ B55’ Carmen jam’! _ C
te-americana” — idcnrificando a salvacao da pzirria com o “nascimento de artisras/cantores negros como Cab Calloway» Fats ‘Walla: Ethel
(la Kn Klux Klan”, o grupo secreto dc irmaos brancos corn capuzes Watgrs, Pggrl Bailey, incluindo duas farnosas “mulatas fatais , Lena
alvos e cruzes em chamas, “defensores das mulheres brancas, da glo- Home g Dorothy [)and1-idg¢_ “Eles nao me rransformaram em uma
O ESPETACULO DO"OUTRO" _ 181
T30 _ CULTURAEREPRESENTAQKO I STUART HALL
crnpregada, mas tarnbéin nao fizeram mais nada por mim. Tornei-
-me uma borboleta. presa a uma coluna, que cantava no mundo
do cinema”, foi o julgamento definirivo de l.cna Horne (citado em
Wallace, 1993: 265).
Poi somente apés a década de 1950 que os filmes comecaram
a abordar, com cautela, 0 assunto da “raga” como um problema (O
clamor humane, Frorzreims perdidas. O que a carne /zerda, para men-
cionarmos alguns titulos), mas, em grande parte, a partir da perspec-
tiva liberal dos brancos. Uma figura-chavc dcsscs filmes Poi Sidney
Poitier - um aror negro extremamente talcntoso, cujos papéis 0 lan-
cararn como 0 “heroi dc uma era integracionista”. Bogle afirma que
‘f;‘\‘;4__ -
Poitier, o primeiro ator negro a receber “cache dc cstrela” nos filmes
dc Hollywood, “encaixava—se” porque’ ele era cscalado rigorosamente
“em oposiczio as convcncoes”. Fizeram com que ele encenasse na tela nouns 15
tudo o que mio condizia com 0 estereotipo da figura negra: Fotografia do filme Charlie McCarthy, Deretive
ATIVIDADE 8
II
I
I
I LEITURAB
I
cluzidas dentro de discursos norte-americanos e britanicos sobre :1
|.
Africa" (1986; 90).
l
183 _ C ULTURA E REPHESENTAQAO
— I 51'UAR-|- HALL O ESPETACULO DO “OUTRO” _ 189
l
Uma segunda, e mais ambigua, "revolu1;ao“ aconteceu nas deca-
das de 1930 e 1990. com o colapso do sonho "integracionista“ do
movimento dos direitos civis, a expansao dos guetos e o crescimento
de uma subclasse ncgra, com sua pobrcva endémica, problernas de
saude c criminalizacéo, bem como a queda de algurnas comunidades
1-iegras a uma cultura dc armas, drogas e violéncia entre os proprios
nhado elo crescimento de
imegrantes. Isso. no entanto, veio acompa p
urna autoconfianca afitmativa e por uma insisténcia pelo “respeito”
it identidade cultural negra. assim como um crescente "separatismo
negro”, que em nenhum outro lugar é mais visivel que no gigantesco
impacto da musica negta (incluindo o “rap negro“) na miisica popular
l I .
_ 1 e na presenca visual do street-style (estilo de rua) ligado 51 cena musical.
Estes desenvolvimentos transformaram as praticas da repre-
I ..| sentaeio racial, em parte porque a questao da reptesentaeao em si
tomou-se uma arena critica de contestaczio e luta. Os atores negros
I . protestaram por papéis mais variados na TV e no cinema e ganharam.
dos temas mais
A questao da “raga” veio a ser reconhecida con1o urn
‘—;__13’:1eg_q|1—-
importan tes da vida norte-americana. Nas décadas de 1980 e 1990,
os negros entraram para o mainsweam do cinema norte-arnerica-
FIGURA 21 no corn os cineastas independentes — como Spike Lee (Papa a roisa
Paul R°be5°l'\. por Nicholas Muray
certa), Iulie Dash (Daughters oft/Je Dust [Fi//ms dz: poeiml) e john
Singleton (Os donor dd ma) -. capazes de colocar suas ptoptias inter-
Mesmo um excelente int’ 1 ~ )
d _ 7 @rP1@[@ £01110 laul Robeson. entao. ptetacoes sobre a figura do negro na “experiéncia norte-america11a".
po eria ter tentado dcsviar-se, mas nao cgnsgguiria cscdp . .
" ar|nre1-
lsso ampliou o regime da representacao racial: o resultado de uma
Tilfllfillte do re ime re resen t ' - " a .
' I g IP acional da diferenca entre racas que luta historica em torno da imagem — dc uma politica da representa-
P*1553T%1 (I8 Cpoca anterior para 0 cinema nzairzstrmnz Uma r
_ _ _ - ' eprcsen- <;io —, cujas estratégias precisamos exami nar com mais cuidado.
cacao mais mdependente das pessoas e da cultura negrd .
. ‘ ' no cinema
tena de aeuardar as , .
_ d C’ enormcs muddnfi-35 que acompanharam as agi-
tacoes o movimento e1o~ ' " , _~ - , ‘ 4. A estereotipagem como prética de
da S Ll P 5 dlffiltos LlVlS da decada de 1960 <3 O hm
5'3grcg3‘§50 no 1 assim c ‘ -
producéo de significados
as Cid d » b omo :1 grande migracao de negros para
as “ 1a es ‘ e dcentros ur ant1s~ do Norte, que desafiou prolundamenre
-
" re acoes ere tflsenta -‘ ” 3 . _ _- , Antes de iniciarmos o argumento, no entanto, precisamos rcfletir
..
Souedade _ P
americana. Q0 mm" gmP95 Hblfllmcnte definidos na mais sobre o Funcionarnento real do regime de represenracéo. Essen-
I90 c
‘ “HUM ERE""555"TA0\0 | STUART HALL ' O ESPETACULO DO "OUTRO’ __ ‘I91
Entao, outra caracreristica da estereotipagem é sua pi-atica dc o “Oucro”. Curiosamente, isso é também 0 que Gramsci con-
ficbammm e exclusda. Simbolicamerite, ela fixa os lirnites e exclui
um aspecto da luta pela hegerrionia. De acordo com Dyer:
tudo 0 que nao lhe pertence.
A estereotipagem, em outras palavras, é parte da mariutencio Q
O estabelecimento da normalidade (ou seja, o que é aceito como “nor-
mal”) através de tipos sociais e cstereotipos é um aspecto do hzibito de
l
ral e caractcrfsricas nacionais ou rcligiosas (§aicl 1973' 19)
HS, exposicocs, lircratura, pintura etc.) uma forma clc canhecimmro
do Outro (orientalismo) profundamentc cnvolvida nas
‘ Esra formad clC P0(l€f esta’ mtunamcnre
‘ ' -
lrgada .
ao corrhecrmenro. dc poder (impcrialismo).
01.1 as P rziticas 0 qua F°l1C3l1lt Chamou cle “poder/conhecunenro
. .. . Curiosamenrc, no cntanro, Said define “poder” dc mancira a
Efatizar as semelhangas entre as ideias dc hegemania dc Foucault c
l “c.Gr-amsci:
dc sua idemidadc com‘) sendo 5'~1Peri°1' em °°mP‘“'a§50 oom todos os orientalismo), novos objetos dc conhecimento (0 Oriente) e forma
povos e culturas nao europcus. Além disso, hi a hcgemonia das ideias novas praticas (colonizacio) c instituicoes (govcrno colonial). Ele
europeias sobre o Oriente, que por si rnesmas reitcrarn a Sllpcrioridade opera em um micronivel - a “microfisica do poder” dc Foucault -,
europeia em relagio ao atraso dc 14 c, norrnalmente, desconsidcrarn 3 I bem como em termos dc estratégias mais amplas. E, para ambos os
P°55ibmd‘*de dc que Um P¢n$=1d0l' mais indepcndcnte (...) pom @1- wteoricos, 0 poder é encontrado em toda parte. Segundo Foucault: o
Opinifies diferentes sobre a questio (Said, 1978; 13-19)_ ' poder circula.
. l lr A circularidade do poder é especialmente irnportante no contex-
b Lembre-se, 11esse ponto, dc nossa drscussao
- - no caprtulg
, _
amen‘); - to da representacao. O argumento é que todos - os poderosos e os
so re pode ' - sem poder — cstio presos, embora nio defirma igual, na circulacio
0 I nas qucstocs de 1'eP1'¢5¢m3§a°- O P0461‘, Conforme rc-
I
l
oonheoemos ali, opera ern condicoes dc relacoes desigugjs . GramsC.1, '1 do poder. Ninguém - nem suas vitimas aparentcs, nem seus agen—
T obvrament-e,
'
terra
~
dito
- cc
entre as classes”, enquanto Foucault sempre 5¢ l tcs - conseguc ficar cornpletamente fora do seu campo de opcracio
recusoga rdentificar quahjuer sujeito especifico ou grupo dc sujcitos (pcnse, aqui, no excmplo de Paul Robeson).
fomoficmc dc Pod“, ‘l"c= Seglmdil 61¢, opera em um nivel tatico e
0°31‘ as 53° dlfim‘-‘11§fi$ lmportantes entre os dois teoricos do poder. 4.2 PODER E FANTASIA
No entant ’ ' -
G _ O’ ha mmbcm algumas 9'-mlfllllaneas rrnportantes. Para
ramsct e para Foucault, 0 poder tambern
' envolvc o c0nhec1mcn—. Um born exernplo desta “circularidade” do poder rcfcre-so 5. forma
to’ 3 reP“3sc"t3‘?5°1 35 idfiias, a lideranea c autoridadc cultural bem I como a rnasculinidadc negra é retratada em um regirne racializado
.. |
..
. | comodada res tri cao
' economzca
* ' e a coercao - fi's1ca.
- Ambos teriam . con- rcpresentagio. Kobcna Mercer e Isaac julien (1994) argumen-
co
. r 0 que 0 poder nao - pode ser capturado ao pensarmos exclu- tam que a representacio da masculinidade negra “foi forjada du-
I i
|| ll
srvamente em termos dc forca ou c0cr;:io- 0 pode; mmbém seduz Iiante as histérias da escravidio e através delas, do colonialismo e
l $°liCiY=1, ifldlll, ganha 0 consentimcmo l do imperialismo”.
l
O poder nao pode ser pensado em termos de um grupo qug P05-
l 511: SCH fliinopolro e simplesmente 0 irradie para baixo, a um grupo Conforme afirrnado por sociologos como Robert Staples (1982), uma
| l
| I su 0 rdm' ‘ do mero uso da dommagao
0, por meio - - vinda
. .
dc Clfna. vertente central do poder “de raga” exercido pelo scnhor branco dc
O poder rnclui 0 dominador e o dominado em seus circuitos. Con- escravos era a negacio dc certos atributos masculinos aos escravos
forme Homi‘ Bhabha observou em relacao
- a Said,
- ane difi'c1l
. . conceber negros, como autoridade, responsabilidade familiar e propriedade dc
|
| r (ml 0 Process” dc 5"bl¢tlfiC2<;i0 como 0 posicionamento do sujeito bcns. Através dc mais experiéncias coletivas e historicas, os negros ado-
dommado no mterior do orientalismo ou do discurso colonial, sem taram ccrros valores patriarmis (for-<;a fisica, proezas sexuais e 0 estar
que ° dolmflfldflr cstcja também estrategicamente colocado nesse no controlc) como um meio dc sobrevivéncia no sistema reprcssivo c
imerivr” (Bhabha, 198621: 153). violento dc subordlnaqio a que estavam submetidos.
O Poder I150 S6 rcstringe e inibe: ele também é produtivoz E possivel, assim, entcnder a incoiporacfio dc um codigo de conduta
Sc" "W05 di5¢l1I50$. 110*/05 tipos dc conhecirnento (ou seja 0 “macho” como um meio de recuperar algum grau de poder sobre a
l 193 _ CULTURE EREPRESENTAQMJ | STUART HALL
o ESPETACULO DO"OUTRO" _ 199
l,
co. (...) O estereotipo dominante (na Gri-Breranha contemporanea)
projeta a imagem dos jovens negros como “ladroes” ou “desordeiros”. aw nao so 5 feminilidade branca, mas it civililéfiio em Si; assim’ 3
- - * ' ene-
ansiedade da miscigena=;50. da contam1na‘;3° wgemca C. da deg
(...) Contudo, esse regime dc representacio é reproduzido e mantido
raga'0 racial é evitada por meio de riruais de agressao racial Por Pm“
hegemonico porque os negros tiverarn que recorrer ao “endurecirnen- - - Esrados
dos homens brancos _ 0 llllc
' hamento hrstorico cle negros 110$
to” como uma resposta defensiva as prévias agrcssoes e violéncia que - literal
-
Unidos eosmmava envolver a castracao da “ fruta est ranha” do
ll l
MT
| . . - - - tas vezes como um er drsfarce
- ”
sua “masculinidade”); e, oorno jzi vimos, os brancos frequentemente on repnmrdo. O prrmerro serve, mm ,
. - brancos — a saber. 05 ll
fantasiavam sobre o apetite sexual excessivo e as proezas dos negros ndo. A atitude consciente entre
.1 Pm 0 scgu - 1 ' enas criancas“ — P0116 5"
i
(o mesmo ocorria em relacio ao carziter Iascivo e ninfomaniaco das negros nao sao homens sénos, e es sao ap _ fil da mais
mulheres negras), que eles tanto temiam e secretammte inuqjavam. Até . ia mais ro I1
um “drsfarce”, 011 Uma CQP9» Pam “ma fangs P l
o periodo do movimento dos direitos civis (nos Estados Unidos), 0 pfgogupantt - ou se]a,- “os negros sao' realmfl nte su P er—hornens, H1315
suposto estupro era a principal “justificativa” para 0 lincharnento dc bgm»dotados que os brancos c sexualmente insaciaveis”.
‘ _ _ , . u - ” o lLl[lIT1O
' ' sentrrnento
' do
negros nos esrados do Sul Gordan, 1968). Como observa Mercer, Sena 1mpr0p[l0 e racista exprcssar I
forma aberta, mas. Clil m5-‘ma forma’ 3 fantasia ata present!-1 e e
l * A primeira oclicio desse rexto nos Estados Unidos é dc 1997. [N.E.] . - - uando os ne ros agem fei-
secretamente aceita por l‘l1L1l[05. Assirn. q 5
200 _ CULTURA E nernsseuracao | gm,“-r “ALL OESPETACULO D0 ourflo _ 201
to “machos”, C135 parecem desafiar ' - _ vein esta lista? Qual e 0 papel da fimrasza nas praticas e
aPenas, cl'i11l'll;3S)
“ - mag , no P rocesso , Oconfirmam
este}-conpoa Fantasia
(dc ‘I116 files esté
- que sao da representacao racializada’ Se as fantasias SLll)]3.CC11[C5
por tras, a estrutura profunda” do ester-eotipo (que 550 agr . racializadas nao podem ser mostradas e se nao ha
. , essivos
riinfomaniacos e Cxfifiggivam ente bem-dotados) - O problema e, que’ para falar delas, como sao expressas’ Como sao repre
Os. negms eSti° P7308 marza do cstereotipo a ' Isso nos aponta para a direcao da pratica rcpreseritacional
. . _ na estrutura 6' ’ ' , qual esta
dividida engre dois extremos opostos, e sao obrigados a ir e 2/altar como emhzsmo
mtermiruwe mente entre um ¢ 0utra, muitas
. vezes sendo re
dos corno 0: pl'€S6I1ta_
do mesmo rem ' - - . ,, E REJEIQAO
“ n 190- A5511“, os negros sao “infantis <3
supersexuados , da mesma forma que os jovens neg;-Os S50 as b
sirnplorios”
' .0 ~
elou “selvagens astutos e perigosos” e os homcnRID Os . agora as questoes da fantasia e do fetichisrno, resu
S H1315
velhos sao “bzirbaros” elou “n obres selvagens” ( ' T ' o argumento sobre representacao e estereotipagcm, através
_ piu omas).
O ponto lmpormme é (luff 05 estereotipos referem —se tant 0 exemplo ooncreto
, .
n3°cal”
‘I119 6 1111 3-Sinado , fantasiado,
' quanto ao que e, percebido C0mQ
r , e as reproducoos visuais das praticas dc repmscmaQ30 - S30
- ape-
nas
do eninetade tda hisroria A 0 - -
utra rrietade — 0 Slgnlficadg ma-Us pl-ofun_
- 5°11 l‘a"Sfi no que min esta’ sendo dim, mas estd rmdofanmgadg primeiro o extrato editado A estrutura profunda dos estereo
0 que estd rmplzbim, mas mio pode ser mortrada
do llVl‘O Diferenca e patologia (1985) de Sander Gilman, Leitura
_ Até agora
_ = nos afirfmainos que a “estereotipagern”
- .
tern sua P1-Q_ £,que esta no final deste capitulo, na p 242
pria poénca — suas proprias inzmeiras dc trabalhar c sua P 12.
_ _ 0 I lfa
— as maneiras com as uais ' -
por que de acordo com Gilman. os estereotipos sempre
afirmam os ue se tra qd ela cm‘ mvcsnda
-
forma d Ed b ta e urn determinado tipo . dc d¢
P°d¢1'-
podgrTambém
_ uma 0 que ele chama de (a) a divisao entre OlJjE1I0 bom e
6
da CulmmPd fir Z2emonim ' ‘ que opera tanto por mew
d e dzscurszva .
e (b) a projecéo da ansiedade em relagao ao Outro
Scmagi ’ 3 P to uQ10
' -
€ conhecimento, .
das imagens e da rep.-e-
Os “sir _’ C1" d Pd be 05 molos. Alem disso, 6, circular:
0 uanto or outr ' ' - . _ _
implica
j€l[OS
ele” A int d P da lb
0 0 m p
C°m° aq'1¢l¢$ que estao submetidos a
cs .
Em um outro ensaio, Gilman refere-se ao caso da mulher afir-
- “ UWO . ‘m Cnsao
1'0 ' sexual, entretanto, nos leva a outro S231’I]C (ou Sarah) Baartinan, conhccida como a Venus Ho
aspecto da estereotipagem”: sua base alicercada Cmfinmsig ¢ I, 0]; Ela for levada para a I aterra, em 1810, cm um navio
. _ r -
£40 — e seus efeitos dc dz‘:/iséo e ambivaléncia por um agricultor boer da regiao do Cabo Africa do Sul e
Em Orientalirmo S ' -- - um rnedico Saartje for exibida re armente por cerca de cinco
on 0 ‘O ’ aid °bsc“"°" cl“ “a ideia geral sobre quem
ue era um ' ’ - . em Londres e Paris (Figura 23) Em suas primeiras aptesenta-
mu] Ea dz ncmal °m"’1'8"1 d¢ flfiordo com uma logiea de-
Ii I 3 d iiover.na ’ nao
' apenas pela realidade
- . . {I135 Po; uma
empirica, ela aparecia em um p alco elevado como um animal selvagern,
51 = fisoos,
I rePress'oes, mvestinientos
' ' - .
e P1-0]¢;0¢s” (1978. 3)_ i em sua ]3l.ll3. quand0 era o rdenada, parecia mais urn
202 cu
- “UM E “E""E5E"T'\Cl0 | srunnr |-mu. olzsvsmcuto DO‘0UTRO" _ 203
11
i
u ncuaa 23
Vénus Hotentote"— Saartje Baartman
204 _ cuuunn E REPRESENTACKO | srunm HALL 0 1=_sPErAcuL0 DO"OUTRO' _ 205
ii
indicada como seu substituto (Freud, 1976 [l927])_ rm aqui como o “disfarce”, a tejeicio, que permite a ope-
do desejo ilicito. Pertnitem a manutengao de um foco duplo
(AIiés= note que, ao estabelecer a origem do fetichismo na augus- e nao olhar —, a satisfacao de um desejo duplo. Aquila que
tia da casttacio que existe no menino, Freud da a este tropo Q 5510 como diferente, hortivel, “primitive” e deformado esta
tndelével de uma fantasia centrada no homem. A sua Falha, quc é ao mesmo tempo, obsessivamente desfrutado e apreciado de
~ detidaporque é estranho, exétioo e “d1'spar". Os cientistas po-
ll
mmbém ‘la P5iCan‘fll5¢ P05“?i013 em teorizat sobre 0 fetichismo Fe-
trunrno tem sido, recentemente, objeto de varias criticas. Veja, entre analisat e observar Saartje Baattman nua e ern piiblico,
l
| |
outros, McClintock, 2010.) e dissecat todos os detalhes de sua anatomia com urn alibi
Emim seglllm‘-l-0 3 légica getal do fetichisrno como uma estra- aceitzivel, isto é, tudo esta sendo feito em nome da
tégia rePI¢$¢I1I8¢i0nal, poderiamos dizer o seguinte sobre o lutador do conhecimento objetivo, das provas etnologicas na busca
mibio, “embora seja proibido, eu pasta olhar para os érgios genitais Vetdade. Isso é 0 que Foucault entende por conhecitnento e po-
do lutador P°“l'-15 files nao sao mais o que cram antes. Seu lugar Poi crianclo um “regime da vetdade”.
t°m‘*d° Pd‘! “be? d6 S611 companheito de luta”. Assirn, sobre o uso Entio, finalmente, o feticbismo da petmissio a um voyeuris-
da fotogmfia (dc R°dgBl') dos lutadorcs mibios por Leni Riefenstahl, nio regulamentado. Pouca genre pode dizer que o “olhar” dos
Kobena Mercer observa que (principalmente homens) que observararn a “Venus
” era desinteressado. Segundo Freud (1976 [1927]], not-
I
l Rrefenstahl admire que seu fascinio por esse povo da Afi-ica Oriental ha um elemento sexual no “olhar”, um naturalismo dele,
nao se Dl'lgll‘lOU de um intetesse por sua “cultura”, 11135 d¢ uma foto- oostuma ser guiado pela busca nao reconhecida do prazer ilicito
210 _ cutruna E REPRESENTACAO | srumrr HALL O ESPETACULO DO “OUTFIO” _ 211
V
1 tomada de um signjficaclo existente e sua colagem em um novo sig- Sbafi era sobre urn cletetive negro - proximo das ruas, mas clue
l
nificado (exemplo, “Black is Beaut1_'fi¢l”). luta com o submundo negro e um grupo dc mili!=1m¢5 "°81'°5* bcm
Diferentes estratégias de namcodfficagdo foram adotadas desde como com a mafia — que resgata a filha cle um crinfinoso negro. bio
a clécada dc 1960, quando as quesroes de representacio e poder entanto, 0 marcante em S/Jafi era seu completo desdém em relacatl
aclquirixam centralidade na politica contra 0 racismo e em outros aos brancos. Ele morava em um aPam‘mem° °lcg3‘m¢’ “Sam mapas
movimentos sociais. So temos espaco aqui para considerar trés delas. bonitas e caras, mas casuais, e Foi apresentado na midia como U111
“negro, durio e solitzirio (lone black superspddd - um lmmcm dc “,1:
5.1 A INVERSAO DOS ESTEREOTIPOS lento e extravagante que se diverte 5 cusra do establis/Jment branco .
i I‘ Em “um homem truculento que vivia uma vicla violenra, em busf-=1
l|, N:-1 cliscussio sobre a estereotipagem racial no cinema norte-americano,
l dc mulheres negras, sexo com brancas, dinheito réPid°* sucesm gal’
debatemos a posiqiio ambigua dc Sidney Poitier e falamos sobre uma ‘erva’ barata e outros prazeres” (Cripps, 1978: 25l—254)- Qumdo
estratégia integracionzlfia do cinema norte-americano cla clécada de Pei-guntado por um policial aonde estava mdo: Shafi l'€Sp0l1d¢"-
I950. Esta estratégia, como disscmos, teve pesados custos. Os negros “Von mmsar (get laid). E vocé, aonde esta indo? D
poderiam enrrar para o mainstream — mas so 5. custa de se adaptarem O sucesso instantimeo dc Sbafi foi seguido por v:’iI10s-fi.ln'1es
51 imagem que os brancos tinham deles e de assimilarem as normas de no mesmo estilo, incluindo Supefily [Mamnta], taxnbern dingido
esrilo, aparéncia e comportamento dos brancos. Apés o movimento
Pol’ Parks, no qual Priest, Um lovfim negro tmficante de mcama’
dos direitos civis, nas décadas de 1960 e 1970, houve Luna afirrnacéo Qgnsgguc fazer um filtimo grande negécio antes cle se aP°Semar' 5°“
muito mais agressiva da idemidade cultural negra, uma atitude brevive a uma série de episédios violentos, tem infimeros encontros
posiriva em relacio a diferenca e luta sobre a representacio. sexuais e termina diriginclo seu Rolls-Royce, um homem rtco 6 fl?’
l
O primeiro fruto dessa contrarrevolucio Poi uma série de filmes, liz. Muitos outros filmes posteriores seguiram 0 mesmo esulo (POI
comecando com Sweet Sweetbacki Baadasss Song [A cangdo durona emmplo, N¢w_/ack City: a gangue brutal), tendo como personage?
do dove Sweetbac/e], dc Melvin van Peebles, 1971, e com o suces- principais “negros durocs” (54445!) B» ¢°m° ‘hum Os canmrcs B
so cle bilheteria de Gordon Parks, S/zafi. Em Sweet Sweetbacki, Van mp, “com atitude”. _
l Peebles valoriza posirivamente todas as caracteristicas que normal- Notamos rapidamente o apelo desses filmes, em esnemal, embo-
I mente seriam vistas como estereétipos negatives. Seu heroi negro é
um garanhio profissional, que escapa com sucesso da policia com
ra 1150 exclusivamcnte, para 0 pfiblico negro. Na mztnerra como seus
11¢;-éis lidam com os brancos, ha uma notaivcl ausencia, realinente
a ajuda dc vzirios negros imorais do gueto, ateia Fogo a um carro de uma reverséo conscientc, da velha deferéncia ou filependencia tn-
policia, ataca outro com urn taco cle sinuca, escapa para a Fronteira Fantil. Em muitos aspectos, sao filmes dc “vingmg :35 audlcncjas
mexicana, fazendo pleno uso de suas proezas sexuais em todas as Saboreavam os triunfos dos herois negros sobre os branquclm C
oporrunidades. Finalmente, livra-se de tudo e 0 filme acaba com acloravam o Faro dc eles se darem bem no final! . l I d
uma mensagem rabiscacla na tela: “UM NEGRO BAADASSS [duriol O quc Podgfnfls chamar cle campo moral era, 3.SSll'I‘l, mve a lo.
Esni vommno PARA comma ALGUMAS nfvnms.” ()5 neg,-05 11,50 550 piores, nem melhores que os brancos. Eles tem
214 " cull-UR“ E “E""55E"TRC§0 I STUART HALL O ESPETl\CULO DO "OUTRO" _ 215
_ .,.
ll
l duranre todo 0 movimento dos direitos civis, dos quais esses filmes ' ' publlcrtaria
3 gene
-
' ~' -' * da United - -
Colors of Bencuconi qm‘ 11" 1 12 8 ITlO"
foram, sem dnvida, um subproduto. A critica feminista negra rem ' ' . a _. dfi‘ IT1Ul[=15
' - LU
‘ lturas e eelebra
‘J
l delos etnicos, @5P@¢la lmente cnancas,
J
I
mostrado como a resisténcia negra ao poder parriarcal do branco
l as imagens do hibridismo
‘ _
racial e étnico, mas. novamcnte. -
a retell’
I
.' l duranre a década de 1960 vinha, muitas vezes, acompanhada pela , ' - a- fol- unamme
~ - -'
(Bailey, l988l- E5515 ~ unagens
... fogem
1
eao criuca nao p _
il
adocao de um estilo exagerado da “masculinidadc do homem negro" . - I _- - d ra realidade do FZICISITIO em
|| dc questoes dificus, dissolvcndo a I ‘ d “di
e pela agressividade sexual dos lideres negros em relacao as mulheres g . bk 3 ,.difercn§;,1 5 E as re aproprmrn a -
fl uma salada liberal so
|l
negras (Davis, I985; Hooks, 1992; Wallace, 1979). . I . oduto?
l fgrenca“ c transformam em espetaculo para vender um pr
l _ .-- 1'r' a so b re a nee*ess|dade de
Ou sao realmente uma declaraeao p0 l KI
5.2 HVIAGENS POSITIVAS E NEGATIVAS . . v 4"-
rodos “vivermos” com a d1fi:ren§a’ “um mundo cada vez mais 1
versificado e culturalmente pluralista? Sonali Fernando sugfle clue
A segunda estrarégia para contestar o regime racializado de re- ' inario é uma “faca de dois‘ gumes: sugere, _ POT
este imag i _ 11"" 1*-’*d°> 3
presenracao é a rentariva dc substiruir as imagens “negativas”, que
problemarizacio da iclentidade racial como uma dlalenca comple-
continuam a dominar a representacao popular, por vairias irnagens
xa das semelhangas, bfim Cmno das diFerenc'a$, H135, POT QUIT“ 3
“positivas” de pessoas negras, de sua vida c cultura. Esra abordagem
\,
_ _ _. _ -
homogeneizagao— de todas as cu lruras nao brancas como o outro
1,
tem o mériro de corrigir o equilibrio e é sustentada pela aceitacao (Fernando, l992I 65)-
. ‘LI da diferenga — de Faro, por sua cclebragao. Ela inverte a oposicao
binaria, privilegiando o termo subordinado, as vezes lendo o ne-
gativo de forma positiva: “Black is Beautiful.“ Tenra construir um.-1
===;.-*1 idenrificagao posiriva do que rem sido visto como abjeto. Expandc
muito a gama de represenracoes raciais e a complexia/ade do que
significa “ser negro”, desafiando assim o rcducionismo dos esterc<’>-
tipos anteriores.
Grande parte do rrabalho dc artistas negros contemporancos e
profissionais da Facilitagzio grafica ( visualpractitioners) se enquadra
nesta categoria. Nas Fotografias tiradas especialmente para ilustrar
} a cririca das “imagens positivas" no livro Ret/fiirzking Mark rrpresmr
ration (1988), [Repmsando a reprerentagdo negra] de David Bailey-
vemos homens negros cuidando de criancas e mulheres ncgras or-
ganizando-se politicamente em pliblieo — oferecendo ao significado FIGURA 2?
convencional desras irnagens uma inllexao diferenre (Figuras 27 c Z8)- Fgtografia de David A. Bailey
! 1 2i 8 _ CULTURAEREPRESENTAQAO
~ | STUART HALL O
I;
| 5.3 ATRAVES DO OLHAR DA REPRESENTAQAO
FIGURA 29
Fotograma do filme Looking for Langston ‘"4 .
ATIVIDADE 12
I
l Os negros s-.10 mcnosprezados c desprezados como imlreia. [bios c. H-
l
ll nalmemc, nio humanos. Elm um piscar tle ollms. enrreranto. os bran-
1
W.
cos descobrcm e revert-.ncian1 os corpos negros. perdidos cm sua admi-
nl
raqéo e invcia a parrir do momento om que 0 suicito é idealizado como
l
n pérsonlhcagfio do seu ideal estético (Mercer. l‘3‘)4: 201 1.
‘F
.| I: Assim. Mercer conclui:
‘r ll
-___ Torna-se nccessirio inverter a lcirur-.1 do ferichismo racial. I1'::l(] como
l
l
l uma rcpctigio das Falxrasias racistas. mas como uma estratégia des-
l
consrrutiva. que comcga :1 desnudar as rclagocs sociais e psiquicas dc
l
ambivalénci:-1 que estio cm jogo nas represcnragoes culturais dc raga c
|
scrxualidadc (1994: 199).
ATIWDADE 13
na década cle 1980 ' . Henry ou Didier Drogba, do Chelsea, que adquirirarn 0 status de
_ _ C qu‘? ¢l¢$ EH10 presentes cm uma vartedade de estrelas? No caso de Henry, o reconhecimento enrrou para 0 mundo
caregonas da vrda cultural.
da publicidade, onde sua reputagio de futebolista maravilhoso, com
_ Além disso
d , h tziuve a aceltacao
' ' do Faro de que os negros sao parte
tnte51'ante 0 te ' ' - ~ - . graea e ritmo, foi usada para vender carros na célebre campanha “Va
b c1 o da vida britanica, especialmente em seus cen_
tros - - , _ Va Voom" para 0 Clio, da Renault. Como 0 exemplo de Thierry
ur $05‘ Uma mamf¢5ta§30 desse Faro esta evidente em pesqui- Henry e outros, no campo da mrltsica popular 1: (10 Bntrfitfinimfintor
S35
P QP 111128 on entrevistas
' .
espontaneas .
feitas nas mas, usadas pelos
revelariam, a normalizaqao das estrelas negras rem sido alimentada
22e _ CULTURA E REPRESENTACAO | srunnr HALL O ESPETACULO DO 'OUTRO" _ 22?
pela crescente influéncia do culto as celebridades. lnClCp€n(l€nt€- O peso gerado por essas reformas nao deve ser subcstimado.
mente do que se tenha a dizer
' - sobre esse Fenomeno,
a mais . ele se mas a mudanca cultural nao acontece de forma tio prograrnatica.
1'Evfilfl Um lrnportante agente dc crescimento de visibilidade e status Ocorreu, na vcrdade, um “desvio multicultural” por meio do qual
dos negros na mldia popular. as pessoas agora aceitam, quer gostem ou nao, que a Gra-Bretanha,
especialmente a sua porcio urbana, tem uma populacio diversifica-
da. Como é a Gré-Bretanha e quem sao os britanicos sao tépicos que
l l Foram irremecliavelmente transf-ormados pelo legado da rnigraczio
apés a guerra.
0 processo disso que chamei de “dcsvio multicultural” a.letta-
-nos para 0 Faro de que a mudanca ocorreu juntamente com a per-
sisténcia dos antigos paclroes dc representacao racializada. Assim,
enquanto os negros podem ser celebrados pela cultura popular, as
Formas mais antigas dc divis:-'10 e difamagio continuam cm operacfio.
Na imprensa popular e nas revistas dc celebridades, por exemplo,
continua evidente a divisao dos temas negros.
Assim, Ashley Cole, jogador de Furebol do Chelsea, pode passar,
em um minuto, de estrela do futebol e celebridade a bad bay merce-
Th_ V FIGURA 32 l nario e sexualmente promiscuo. Heroi em um dia. arruinado no ou-
ierry Henry em entrevlsta para 0 Media Day na Arena Red Bull em
Harrison, Nova Jersey @ Howard C. Smith/isiphotoscom/Corbis l tro. A clivisao entre negros bons e maus também aparece na cobertura
da imprensa popular. As estrelas negras figuram nos artigos principals
O aumento do volume, vanedadc
' e normalizacao
- - da !‘Cpl'E$@n[;1. cla midia sobre as celebridades, mas essas reprcsentacoes convivem
951° Filflfllllada que descrevemos faz emergir uma importante ques- com a continua demonizacao da juventude negra na cobertura sobre
tao. Por que esses proccssos ocorreram? Seré que a normalizacio crimes e desordem, Feita pelo jornalismo “investigative”.
Cl as' representacoes
- ' cla- difcrenca
' R ~ racral
‘ cg resultado dc um con|unto
. Apesar das campanhas contra 0 racismo institucional, persiste na
especifico dc politicas culturais? Houve uma converszio dos admi- irnprensa popular a suspeita de que 0 crime de rua é quase exclusiva-
m5"aCl°F¢$ d0 ¢$P0rt€. da publicidade, da industria musical e do mente um crime de negros. A fixacéo, na década de 1970. da ideia
en rreteniinento
' para
- a causa da igualdade
- racial
- e para a polittca
. . da da criminalidade negra e da suspeita que paira sobre essa juventude
representacao? hm parte como resultado dc campanhas contra o ra- continua a exercer inlluéncia. Esse nao é apenas um problema de
C!$I1'10 nos melos de comunicaczio nas clécadas de 1970 e 1980 e das representacao dos tabloides. Esses aspectos integram uma perccpcao
lutas polttlcas mais amplas em torno da igualdadc de oportunidacles dc patologia dos negros, responsavel pelo numero clevado de jovens
no ernprego. teria sido reconhecida a necessidade de abordar 0 racis- negros parados pela policia, que age dc acordo com as leis atuais:
mo e sua dlscriminaczio explicita? “parar e revistar”. Tais abordagens ocotrem apesar dc ser insigni-
Z23 _ CULTURA EREPRESENTAQAO | STUART HALL O ESPETACULO DO 'OUTRO" _ 229
condenados por crime. Isso é 0 que quero dizer com persisténcia de 1965. _
estruturas mais profimdas da representacio racializada. carers Thomas. Black Film as Genre. Bloomillgwm IN‘ Indiana
E preciso ainda enfatizar urn ponto adicional sobre os padroes University Press, 1978.
contemporzineos da representacio racializada. Mesmo que os negros mrvrs, Angela. Wrmm, Race and Class. Nova York: Random House,
tenharn aclquirido grande visibilidade e legitimidade dentro da cul- 1983. _
tura popular em areas como mtisica, moda e entretenimento, eles DERRIDA, jacques. Positions. Chicago, IL: University of Ch1C9~5°
estio bem menos presentes ou visiveis no mundo do poder cor- Press, 1972- _
porativo. N50 fazem parte dos ingleses ricos, nem marginalmente; noucms, Mary. Pureza eperigo. 2.ecl. Sio Paulo: Perspecnva, 2014.
tarnpouco estio bem representados entre diretores dc empresas e DU GAY, Paul; HALL, Stuart; IANES, Linda; MACKAY» Hugh C NEGUS’
dc grandes corporacoes. Ernbora as celebridades e figuras negras te- Keith. Doing Cultural Studies: 771:: Story Off]?-‘-’ 59”)’ %&ma”'
nharn estourado no campo da representacio popular, ainda existern Londres: Sage/The Open University, 1997. _ _
limires marmdos de sua representaezio e parricipacio nos centros de DYER’ Richard(()rg_)_ Gays and Film. Londres: British Film lI1S1T1fLl[€=
poder cultural e economico. 19 77. Heavmly Bod,-fi_Ba5ing5[()l-(6: Macn1illanlBritish Film
LEITURAS no CAPITULO || conhecido, a crise e a confusao das Fronteiras 1:0f1m "¢Pelid°5 9‘ C99‘
tidos por fetiches, rituais de absolvicio e zonas limiares. Os .r1tu=llS
de limpeza tornaram-se centrais para a demarcaeio das fI'Olli‘ZClI'&'S do
reruns A corpo e do policiamento das hierarquias sociais. Limpeza e l'lt1-11118 C16
"0 espetéculo do sabéo e das mercadoriasfi Anne McClintock estabelecimento de limites sao essenciais para a maioria das culturas;
mas 0 que caracterizou os rituais de limpeza vitorianos, no entanto.
Em 1899, ano da irrupgao da Guerra dos Boers, na Afiica do Sul, uma foi sua relaeio peculiarmente intensa em relacio ao din11¢il‘0- (---1
propaganda do sabao Pears na McClure} Magazine [ver Figura 8]:
O ESPETACULO DO SABAO E DAS MERCADORIAS
O primeiro passo que cabe ao FARDO no HOMEM BRANCO em sua pesa-
da tarefa de ensinar as virtudes da higiene, o sanito FEARS é um potente Antes do final do século XIX, lavar as roupas de cama e as vestes indi-
fator para iluminar os recantos mais escuros da Terra, 2. medida que a viduais em geral era feito, na maioria dos lares, apenas uma on
civilizacéo avanca. Entre as pessoas refinadas dc todas as nagoes, ele vczgs P0; ano cm uma grande festa coletiva, geralmente em publico,
detém o lugar mais alto — é o sabonete ideal. em riacbos on rios (Davidoii e Hall, 1992). Tal Cfimo Para O corpo’
lavar a roupa, nao tinl-ta rnudado muito clesdfi quando 3 Rainha
(...) Eljzabgfh 1 dj5tinguia—$€ pela frequéncia com que ela se banhava:
O primeiro ponto sobre o antincio do sabao Pears é que ele con- “regularmente, uma vez ao més, se necessario ou nao”. No entan-
sidera 0 imperialismo como algo que se concretiwa por meio da to, na dégada de 1890, a venda de sabao aumentou. Os vitorianos
domesticidacle. A0 mesmo tempo, a domesticidade imperial é uma estavam consumindo 260 mil toneladas de sabao por ano, e a pu-
domesticidade sem mulheres. O Fctiche da mercadoria, como forma blicidade emergira como a forma cultural central do capitalismo dc
central do iluminismo industrial, revela 0 que o libcralismo gosta- mercadorias (Lindsey e Bamber. 1965)-
ria de esquecer: 0 doméstico é politico, e 0 politico esta contagiado (...)
pelo genero. O que nao podia ser admitido em discurso racionalista
masculino (0 valor economico do trabalho doméstico das mulhcres) - - economtca
A compencao ~ - com os Estados Un1d0S ' B 3 Alfiman ha
é repudiado e projetado no reino do “primitivo” e da zona do Impe- criou a necessidade de uma promocao mais agressiva dos produ-
rio. A0 mesmo tempo, 0 valor economico de culturas colonizadas é tos btitanicos e levou as primeiras inovacoes reais em publiciCla<1¢-
domesticado e projetado no reino do “pré-histérico”. Em 1884, ano da Conferencia~ - de Berlim,
' for' vendldo
' ' eiro
o prim
Uma das caracteristicas da classe média vitoriana era sua pre- . embrulhado com o nome de sua marca. Este pequeno even-
sabao
ocupaeao, peculiarmente intensa, em estabelecer Fronteiras rigidas. . . - - ‘ ' 0 is a
to sigmficou tuna importante transformacao no capitalism .
Na ficcao imperial e nas mercadorias kitsch, os objetos e cenas de competicao imperialista permitiu a criacio dos monopolies. Dar em
estabelecimento de fronteiras se repetem ritualisticamente. Como . - - ' - ' ' ' t sabao
diante, os itens antertormente indistmguiveis um do ou ro it
. - — ' ‘ ‘ 5 asua
os colonos viajavam para dentro e fora dos limites de seu mundo vendido simplesmente como sabao) sertam comerclaltzado p
234 _ CULTURAEREPRESENTAQAO | STUART HALL LEITURAS DO CAPITULO ll _ 235
assinatura corporatlva
' (Pears, Monkey Brand etc.). O sabao
- tomou» ‘ No entanro, a obsess.-io viroriana com algodao e lirnpeza nao
—se
_ uma
d da 5 Pnmelffls
' ‘ - a registrar
mercadorias - . , .
a mudanca histonca, Poi simplesmente um reflexo mccanico do excedente economico. O
lS’O.
r e,’ ' e uma rnmade
' ' de pequenas empresas para os grandes mono- imperialismo era recompensado com algodao bararo e oleos para
pohos rrnperialisras. Na década de 1870, centenas de pequenas em- sabao, fruto do trabalho colonial forcaclo, e o fascinio da classe
presas de sabao dividiam 0 novo comércio de higiene, mas aré o final média viroriana 0 foi com limpeza, corpos brancos e limpos, roupa
do século , 0 comercio
' ‘ for‘ monopolizado
' por dez grancles empresas_ branca proveniente, nao so da especulagao desenfreada da economia
A Hm de gerencrar 0 grande cspetaculo do sabao, um grupo imperial, mas tarnbém dos reinos do ritual e do fetiche.
agresslvo de empresarios anunciantes dedicaram-se a enfeirar cada O sabao nao floresceu quando a efervescéncia imperial estava
produto doméstico com um halo radianre de glamour imperial ¢ em seu auge. Ele emergiu comercialmenre durante uma era de crise
poténcia radical. O agente de publicidade, assim como 0 burocra- iminenre e calamidade social servindo para preservar, por meio do
Ia, desempenhou um papel vital na expansio imperial do C0mér¢iQ ritual do fetiche, os limites incertos entre as identidades de classe,
exterior. Os anunciantes denominavam -se “co nstr ‘ 'e género e raga em uma ordem social que se sentiu arneagada pelos
rios”
_ evan
81” glo r i avam-se com “a responsabrlidade
' - da mores dc missio
historica Imp‘: efiuvios fétidos das Favelas, arroto da fumaca indusnrial, agitagio
- pen' _ Disse
In-1 ' __ me um deles._ ca O comercio,
, . H1318
. amda
, que Q 5¢n_ social, convulsio economica, competicao imperial e resisténcia an-
t1 menro, e’ 0 que une as regioes
-— do Imperio
I - separadas pelo oceanq, ricolonial. O sabao oferecia a promessa dc salvaeio espiritual e da
Qualquef 11111 que aumente esses interesscs comerciais forralece toda a regeneracao por meio do consurno dc mercadorias, um regime de
esrrutura
F0‘ dl dol rnperro
' ' ” (cltado
' '
ern I-lmdley -
e Hrndley, 1972), A0 sabao- higiene domésrica que podia restaurar a poténcia do ameagado cor»
da1 ‘cre - tado nao
’ soI ser o portador da salvacao ' moral g ecgngn-“C3
A . po politioo imperial e da raga.
1- , _
_
IITICH
53 ml‘? Sula da GT3J- Bffifillllla” , mas rambem
'
carregava em SI,.
m3glC91'"¢I"1t8, 0 pnnclpio espiritual da prépria missao imperialisra. A CAMPANHA DO PEARS
Em um ammcro para Pears, por exemplo, urn negro vanedor dc
carvio detérn em suas rnaos um objeto oculto brilhante. Luminoso Em 1789, Andrew Pears, filho de um fazendeiro, deixou a vila de
Pm 56" P1'°PF1° bFi11'l0 interior, a barra de sabao simples cintila como Mevagissey, na Cornualha, onde vivia, para abrir uma barbearia em
urn Fenche,
' '
pulsando magicamente - -
com a rlumlnacao- espmrual
. . 63 Lonclrcs, seguindo a rendéncia demografica dc migracio generali-
grandeza do Impeno, prometendo aquecer as maos e os cora<;6es de zada do campo para a cidade e da virada economica da rerra para 0
tra balhadores de todo o globo. (Dempsey, 1978). O sabao . Pears, em comércio. Em sua barbearia, Pears fabricava e venclia pos, cremes e
particular, tomou-se imimamenre associado a uma natureza purifi- pastas dc dente, utilizados pelos ricos para garanrir a pureza elegante
<33dfl,fi1T1&g1camentel1mpa de poluentes industriais (gatinhos rolando, dc suas peles de alabasrro. Para a elite, a tez escurecida e manchada
C365 ,. . _
61$, Crlangas enfertadas com flores) e uma classe trabalhadora pelo sol e pelo trabalho manual ao ar livre, era o esrigma visivel nao
purificada, maravilhosarnente lirnpa da sujeira do trabalho (servenlies so dc uma classe obrigada a trabalhar em meio as inrempéries para
dc sorrrso
b Ch ' largo com aventais' engomados branqurssrmos,
I - garoras dc sobreviver, mas rarnbém de racas ignoranres e de lugares remoros,
o echas rosadas e a;udar1res de cozinha limpos) (Bradley, 1991). marcados pelo desfavorecimenro divino. Descle o inicio, o sabao ro-
236 _ CULTURA EREPRESENTAQAO | STUART HALL LEITURAS DO CAPITULO ll _ 237
mou a forma de uma tecnologia de purificacao social, inextricavel- ¢-rianga) e inseriu nela a pintura de uma barra sabao estampando
mente entrelacada com a semiorica do racismo imperial e das classes
a Palavra totémica Pea.rs.' De um 55 g°lPe eke transform? a-aide
denegridas. do pintor mais conhecido da Gra-Bretanha em uma merca OIIHP e
Em 1838, Andrew Pears se aposenrou e deixou sua empresa nas Pl-Qduqjio em massa, associando-a na meme do publico ao non-ie @-
maos de seu neto, Francis. Oportunamente, a filha de Francis, Maria,
casou-se com Thomas]. Barratt, que se tomou parceiro de Francis e como um cartaz publicitario, Barrart rirou a arte 0 rein ’
apostou na ideia de formar um mercado dc classe media para 0 sabao da pi-opriedade privacla e a levou ao reino popular d° ¢5P¢taC'1l° da
1
I
i‘ transparente. Barratt revolucionou a Pears ao planejar uma série de mercacloria.”
campanhas publicitérias deslumbrantes. Inaugutando uma nova era Na Pllblicidade, 0 eixo ch Posse B dsslwdo PM 0 @iX° d° °5P‘*‘
l I
l
gesto que uniu de forma magnifica 0 valor de troca ao nome corpo- (ambivaléncia, sensualidade, oportunidade, causalida-de, 1mprev1si-
rativo da marca. O estratagema funcionou despertando tanta publi- bilidade, tempos mulriplos) é projetado em espaco da imagem corrl1)o
cidade para a empresa e rebulico entre 0 publico que 0 Parlamento um repositorio do proibido. A publicidade baseia-se em fluxos sir -
precisou sc apressar para criar uma lei declarando ilegais na Gra- ten-énggs dc desejo e tabu, manipulando o investimento do dinheiro
-Bretanha a circulacio de qualquer moeda estrangeira. Os limites da excedente. A Pears Poi rapidamente imitada por dezenas de empresas
moeda nacional fecharam-se em torno da barra de sabao doméstico. ' I de sabao incluindo a Monkey Brand e a Sunlight’ bem como Por
Georg Lukzics assinala que a mercadoria se encoritra no limiar da . , - ' ' es a o estético em
outros inumeros anunciantes, que inundariam 0 pig‘; d I I i
cultura e do comércio, oonfundindo os limites supostamente sacros- - domestica
torno da mercadoria ' ' com 0 Clll to comerci 0 1"I1P¢1'l°-
santos entre estética e economia, dinheiro e arte. Em meados da de- "E-.15;
"~
_ . . - — ‘ d,e milhées de
cada cle 1880, Barratt concebeu uma pequena transgressao cultural ’ ' Barrarr gastou £.2.200 na pintura dc Millais e £30 mil na Pmdufilfl rriassiva
_ . -
I
dc 1g3[)_ Pggl-5 gasrava entre £300 mil e £400 mi l somente
l reproducocs da pmrura. Na clemda
de cirar o folego, que exemplificou 0 imig/at dc Lukacs e coriquisrou I
cm publicidade. , .
a Fania para os produtos da Pears. Barratt comprou a pintura de Sir i "‘ Furiosos com a contamifl8§5l° d° rein“ “B radu da am." ptla economifl-1 0 mund“ 3-H-‘sum
_ _ M11135
. . Pm (rafiear (publicamenre
~ . - do sordi
do d
0
mpnmm e nao cm P articular) com o mun
john Everett Millais, B0!/Jar (originalmente intitulada O mundo da
comércio.
I
233 _ CULTURAEREPRESENTAQAO | STUART HALL
LEITURAS DO CAPITULO ll _ 239
REFERENCIAS
rmuna B
“Africa”, Richard Dyer
BRA?Llr_:Y' Laufcrf; “Fiom Eden t° EmPire¢ John Everett Millais
C erry Ripe . Victorian Studies, v. 2, no 34, P_ 179_203’ 1991
Um problema inicial era saber como era a Africa. Muitas pesquisas
(Iriverno). t
associadas a Robeson sao em geral vistas como auténticas. A ten-
DAVIDOPF, Leonore e HALL Catherine Family Fortunes M nd
) , '0
déncia era aceitar que, se houvesse um verdadeiro africano fazendo
Women ofthe English Middle Class. Londres' Routledge 199;
algo, ou se vocé esrivesse utilizando lfnguas africanas ou movimen-
DEMPSEY, Mike (Org.). Bubbles: Early AdvertisingArt From A ¢§~ E
tos dc danca reais, vocé capturaria algo verdadeiramente africano.
Pears Ltd. Londres: Fontana, 1978,
Na parte sobre o sonho africano de Ylzbu (1922), na primeira peca
HINDLEY, Diana e HINDLEY, Geoffrey. Advertising in Vir-¢o,~,'¢n
em que Robeson atuou profissionalmente, havia “uma danca afri-
E7131-‘Ind, 1837-1901. Londres: Wayland, 1972,
caria feita por C. Kamba Simargo, urn nativo” (]ohns0ri, 1968
LINDSEY’ D'T'A' BAMBER’ Ge°fi_TcY- S04)-"maki”g~ Part and Present, [I930]: 192); para Basalik (1935), foram contratados dangarinos
1876-1976. Nottingham: Gerard Brothers Ltd. 1965
africanos “verdadeiros” (Schlosser, 1970: 156). As legendas de O
VVICKE,._lCI1E‘llfCl‘. Advertising Fictions: Literature, Adygrtiggmgnt and
imperador janes (1933) informam que os tantas' foram “gravados
Sflftdl Reading. Nova York: Columbia University P1'(1$3 1933
antropologicarnente”. Varios outros filmes utilizam aderegos e fil-
magens etnograficos: Bozambo (1934), cabanas conicas, currais, ca-
Fonte: MCCLINTOCK, Anne. lrnperial Leather. Londres: Routledge, l995_
noas, escudos, cabacas e lancas (cf. Schlosser, 1970: 234); A canpiio
p. 32-33; 210-215.
da liberdade (1936), dancarinos folcloricos de Serra Leoa (Schlosser,
1970: 256); /is minas de Salomzio (1936). A princesa Gaza do filme
_/eric/20 (1937) é protagonizada por uma verdadeira princesa aFrica-
na, Kouka, do Sudio.
Sabemos que Robeson era conhecido por ter pesquisado mui-
to a cultura africana; seus shows frequentemente incluiam breves
palestras demonstrando a semelhanca entre as estruturas da musica
africana e as das outras culturas, ocidentais e orientais (ver Schlosser,
1970: 332). Entretanto, esta autenticidade dos elernentos africanos
em sua obra esta repleta de problemas. Na pratica, estas sao notas
genuinas inseridas em obras produzidas decididamente dentro de
discursos norte-americanos e britanicos sobre a Africa. Esses mo-
mentos de miisica, daiica, discurso e presenca de palco ou recebem
LEITURA C
dades. Esta divisao é apenas um dos estigios do desenvolvimcnto da
"A estrutura profunda dos este-reotipos" Sander Gilman
personalidade normal. No entanto, nela esta a raiz de todas as per-
cepgoes cstereotipadas, pois, no curso normal do desenvolvimcnro,
:E;Il€(JV:undo cna elstereorlpos. N50 Funcionamos no mundo 53111
a compreensio da crianga sobre o mundo torna-se aparentemente
1 P91’ ¢X¢mp 0, Levm, 1975). A0 esrendé-los, eles n05 prom-
cada vez mais sofisticada. Ela é capaz de distinguir gradagoes cada
gcrn contra nossos medos mais urgentes, possibilitando que ajamos
vez mais refinadas de “bondade” e “maldade”, entio, mais tarde em
como se sua Fonte estivesse Fora de nosso controle.
sua fasc edipiana, uma ilusio de verossimilhanea poderzi ser lan;a-
A criagio de estcreotipos é concomitanre ao P1-093550 p¢1o qua]
da sobre a distingio inerente (e irracionafi entre o mundo e o self
todos os seres bumanos se tornam individuos; a géncge d¢1¢S Qsti
“bons” e “mans”, entre controle e perda de controle, entre aquics-
presenre nas pnmciras fascs do nosso desenvolvirnento. A crianga
céncia e negaeio.
S?“ de um fismdo cm qufi “K10 é percebido como uma extensio de Com a separagio do se{f e do mundo em objetos “bons” e
;1is1:'i':::30¢ 3128811 a ter um sentlmenro crescente de sua idemidadc
“maus”, 0 filtimo é djstanciado e identificado com a represenragio
C‘ , qg ocorre entre a ldade de algumas semanas e cerca dc
;:;:;:§;§;.£:;:;:§;;fr; :'r"”;’ dc
mental do objeto “mau”. Este ato de projegio salva o seffdc qualquer
confronto com as conrradigocs prcsentes na neoessziria integraeao
entre os aspectos “mans” e “bons” do self A estrutura profunda de
mundo. Todos nos come<;am0s, 8nao
‘fan apenas
as €mandas.da cnanga
pela exlgéncia no
de ali-
dc
nosso proprio sennimento de segfe do mundo é consrruida sobre a
imagem ilusoria do mundo dividido em dois campus, “nos” e “eles”.
_ ' Pe"5¢bld0 C0m0 uma mera extensao de
1322:;:?;;a;“C:;;f”3*§ wk»€
“Eles” podem ser “bons” ou “rnaus”. No enranto, é obvio que esta
é uma disringio muito primitiva, que, na maioria dos individuos, é
substituida no inicio do desenvolvimenro pela ilusio dc inregraeio.
a ansiedade de uma Qa » [lmngulr em“ O mundo C da’ surge
Os estcreotipos sio um conjunto bruto cle representagoes men-
damenre, enrretanto Pfsfildllve Perda dc Commlg sobre ele. Rapi-
_ ’ SP3 50111693 a combarer essa ansiedade, tais do mundo. Eles sao palimpsestos nos quais as representaeoes
3jl.1St8.fld0 sua imagem mental das pessoas e objetos c, assim, p0d¢m
bipolares iniciais ainda cstfio vagamente legiveis. Perperuam 0 sen-
parecer “bons” mesmo quando seu comportamenro é pcrcebido
timento necesszirio de diferenea entre o “cu” (sefij e o "objeto", que
COHIO “mau” (Kohut, 1938).
se torna 0 “Outro”. Tendo em vista a inexisténcia de uma linha real
aceifkléffl dissrzlo segtimento de si mesmo (do self) é Formado para
entre 0 sefe 0 outro, é preciso desenhar uma linha imaginairia; e
ar este pa Z10. sentimento ' ' - -
para que a ilusio dc uma diferenga absolura entre 0 eu e o outro
em um se[f“bom” que - assim comieosldmisma da crranga
a ase antenor (de dlvlde-sc
(jQ|'1[[Ql@
nunca seja perturbada, esta linha é rio djnamica em sua mpacidade
complero do mundo), livra-se da ansiedade, e 0 sel/“mau”, que é
de alterar-se como é o self lsso pode ser obscrvado no relacionamen-
lncapaz de controlar o amblente c, portanto, esté exposro as ansie-
to mutavel entre os estercotipos antitéticos, que se equipara 51 exis-
téncia de representagoes e “boas” do seffe do outro. Porém,
* - _ :10 lrabalho dc Otto Kernb¢rg_
Devo esta d.|scussao
a linha entre o “bom” e 0 “mau” responds as pressées que ocorrem
244 _ CULTURAEREPRESENTACKO | STUART HALL LEITUFIAS DOCAPlTULO{1 _ 245
dentro da psique. Assim, podem ocorrer (e ocorrem) mudan<;as dos que pode ser usado e depois descartado, uma vez que a ansredade
paradigmas de nossas representacées mentais do mundo. Podemos estiver superada. O primeiro e consistcntemenre agresswo Com 11$
deixar de temer e passar a glorificar 0 Outro. Deixar de amar e passar pessoas reais e objetos que correspondem as repr€SBI1'f?1§5*?5 este‘
a odiar. Os estereotipos mais negativos possuem sempre um contra- reotipadas; 0 tilrimo é capaz dc reprimir a agressao e lidar C0111 85
peso aberramente positivo. Assim como as imagcns mudam, 0 mes- pessoas como individuos.
mo ocotre corn todos os estereétipos. Dessa Forma, os estereétipos
sio inerenternente verséteis em vez dc rigidos.
Embora esta atividade pareca ocorrer Fora do ref no mundo do REFERENCIAS '
objeto, do outro, ela, na verdade, é apenas 0 reflexo dc um processo
interno, que se fiindamenta nas representacoes mentais reprimidas, J‘ KERNBERG, Otto F. Internal World and External Realil-y.' Object
‘\-
tomando-as por sua estrutura. Os estereotipos surgem quando ha Relations Theory Applied. Nova York: Jason Aronson, 1980.
| ,
uma ameaga a integraeio do ref Nio sao, portanro, parte da nossa . Damtomorgraves ela personalidade: estrategiaspsic0tem-
rnaneira de lidar com as instabilidades de nossa percepgio do mun- * péutieas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995-
do. Isso nio quer dizer que sao bons, apenas que sao necessaries. KOHUT, Heinz. A amilise d0 self. Rio de janeiro: Imago, 1933-
Nos podemos, e devemos, distinguir entre estereotipos patologicos Levm, Jack. T712 Functions ofPrqiudice. Nova York: Harper 56 Row,
\
e aqueles que todos precisamos elaborar para preservar nossa ilusio 1975.
de controls sobre o selfe o mundo.
Nossa percepcao maniqueista do mundo, “bom” e “mau”, é
-"Ja-
Fonts. GU Mm 5;“-1d¢r_ Dzflitrence and Pathology. lthaca, NY: Cornell Univer-
5;‘
desencadeada por uma recorréncia do mesmo tipo dc inseguranca sity Press. l985.p. 16-13-
que induziu nossa primeira divisio do mundo em “bem” e “mau”.
Em relacio :31 personalidade patolégica, todo confronro reforca esse
eco. Os estereoripos podem existir (e muitas vezes existem) de forma
paralela it capacidade dc criar caregorias racionais sofisticadas que
transcendem a linha bruta da diferenca que exisre no estereotipo.
Nos retemos a nossa capacidade de distinguir entre o “individual” e
a classe estereotipada dentro da qual 0 objeto pode ser automatica-
K
mente colocado.
A pcrsonalidade patologica nao desenvolve essa habilidade e vé o
mundo inreiro em termos de uma linha rigida de diferenca. Na per-
sonalidade parologica, a represenragao mental do mundo reforca a
necessidade da linha de diferenca; para 0 individuo nao patologi-
co, o esrereotipo é um mec:-mismo de enfrentamento momentaneo,
246 _ cuttuna E ntratstmacao | stunnt HALL LEITUHAS DO Cl\PlTULO ll _ 24?
LEITURA D zado até chegar ao estado abjeto de coisa. No entanto, uma vez que
M
LEHIUTEI do fetuchlsmo rac|al'1 Kobena Mercer
‘ - . _
consideramos o autor destas imagens como a “projecao, em termos
mais ou menos psicologicos, do nosso modo de manipulacio de tex-
Mapplethorpe ganhou Fama no mundo da fotogtafia artistica primei- tos” (Foucault, 2015), entao, o que torna uma obra como The Black
ramente com seus retratos dc patronos e protagonistas da vanguarda Book [O livro negro] interessante é a maneira como o texto facilita a
de Nova York pés-Warhol, na década de 1970. Em contrapartida, projecao imagimiria de certas Fantasias sexuais e raciais sobre 0 corpo
tomou-se uma espécie cle estrela, pois o discurso dos jornalistas, cri- do homem negro. Independentemente de suas motivacoes pessoais
ticos, curadores e colecionadores tecia uma mistica em [()1'n() de Sua ou pretensoes criativas, 0 olhar da lente dp Mapplethorpe propoe
personalidade, criando uma imagem ptiblica do artista como autor uma abertura para certos aspectos dos estereotipos - uma forma fixa
de “prints ofdarkness" [imagens das trevas]. de vet que congela o Huxo da experiéncia - que rege a circulacao das
Conforms ele (...) aumentava seus temas (flores, corpos e rostos), imagens dc homens negros em uma variedade de rnidias: jornais.
o conservadorismo da estética de Mapplethorpe [tornou-se] muito televisao e cinema, publicidade, esporte e pornografia.
aparente: uma reformulactio da velha tatica modernista de “chocar Abordados como um sistema textual, os catalogos Black Males
3 bufgflfisia” (5 faléclfl Pfigflf) que ganhava uma nova aura por sua (1983) e Ylae Black Book (1986) sao uma série de perspectivas, pon-
assinatura caracteristica, a busca da técnica fotografica perfeita_ O tos de vista e “tomadas" sobre 0 corpo do homem negro. A primeira
carziter vagamente transgressor de seu tema— rituais Sadomasoquistas coisa a notar — tao ébvia que nem precisévamos dizer — é que to-
de homossexuais, senhoras fisiculturistas, homens negros — exercia dos os homens estao nus. Cada um dos pontos de vista da carnera
maior fascinio pelo evidente dominio da fotografia. leva a um ponto de Fuga unitério: uma objetivacéo erotica/estética
Em reiacio it tecnologia produtora de imagens da qimq-3, ela dos corpos negros masculinos em uma forma idealizada, de um tipo
fundatnenta-se na reproducio mecanica dc uma perspectiva unfli- homogéneo completamente saturado com uma rotalidade de predi-
neat; as Fotografias representam principalmente um “olhar”. Dessa cados sexuais.
forma, quero falar sobre Blac/e Males [Homem negros] de Mapple- Vemos uma sequéncia de alto-americanos individuais e nomeados,
thorpe, nao como produto das intencées pessoais do individuo por mas o que enxergamos é apenas o sexo deles como a soma essencial
ttés da lente, mas como um artefato cultural que diz algo sobre dos significados que estao estabelecidos em torno da negritude e da
certas maneiras com que pessoas brancas “olharn” para as negras masculinidade. E como se, dc acordo com a visio dc Mapplethorpe:
e como, nesta forma de olhar, a sexualidade do negro é percebida Preto + Homem = Objeto Erotico/Estético. lndependentemente das
como diferente, excessiva, "outta". preferéncias sexuais do espectador, a oonotacao é que a “esséncia” da
Certamente, este trabalho particular deve ser definido dentro do identidade masculina negra encontra-se no dorninio da sexualidade.
contexto da obra de Mapplethorpe como um todo: através do seu Enquanto as fotografias de rituais gays dc sadomasoquismo invocam
olhar calculado e mortal, cada objeto encontrado — “flores, sadoma- uma sexualidade subcultural que consiste em fzzer algo, o homem
soquismo, negros” — é analisado pela precisao clinica de sua visio dc negro é confinado e definido no seu préprio rer como sexual e nada
mestre, seu controle complete da técnica fotogrzifica 5, assim, emeri- maisque sexual, dai hipersexual. Em fotos como “Man in a Polyester
248 _ CULTURA E REPRESENTAQAO
- | STUART HALL
LEITURAS DU CAPTIULO ll _ 249
Suit”
‘His l Ham em com roupa de poliester],
-, ,
alem de suas macs, é 0 Ha muitas pinturas com cenarios de fantasias falocéntricas auto-
esom ‘ ' - -
P6 ’ eme 0 Pans’ que "-lelltlfica 0 modelo da foto como um centradas em que artistas masculinos rettatam a si mesmos pint:-mdo
homem negro. mulheres nuas que, como rcpresentacoes do narcisismo feminino,
ifi reducao
Esta ' ontologica' - e' realizada - atraves, de codigos visugjg
constroem uma imagem espelhada do que 0 sujeito masculine quer
espec cos utilizados na consttucao do espaeo pictorico Esculpida ¢
ver. A logica fetichista da representacao mimética, que apresenta ao
moldada elas conven oes - 0
cur P F £3 da arte do nu, a imagem do corpo mas- sujeito aquilo que esta ausente de sua vida real, pode set caracteriza-
ll'10 n ro 0 erece ao es . .
am d Hig C Peqador uma fonte de prazer erotico no da em termos de fantasias masculinas dc dominio e controle sobre
e 0 _ ' - - -__
hist ' _ Zr boino um codigo generico, estabelecido pelas tradicoes . os “objetos” descritos e tepresentados no campo visual, a fantasia de
oricas - - - um olho/cu onipotente que vé, mas que nunca é visro.
nu e, 0 cor aso Feeminino
as arms no ms“) °¢1dEI1tal, 0 tema convencional - , do
m _ I; h (bTa11¢°). Mesmo tendo substituido o cos- No caso dc Mapplethorpe, no entanto, o fato de tanto 0 sujeito
nomeiro I Pe 0b omem negr0 e socialmente ' - - Mapplethorpe,
inferior, quanto 0 objeto do olhar serem masculinos configura uma tensio
en_ antod , aseia ' - se nos codigos
' - do generoA para enquadrar a sua entre o papel ativo de olhar e o papel passivo de ser olhado. Este
rnaneira e ver os corpos negms C0mo ctcoisas . ,, lindas
. e abstratas A fiisson da igualdade (homos)sexual transfere o investimento erotico
Olljefificagio estética e, portanto, erotica é de fato totalizann-3 pois
da fantasia do mestre (senhor) do género para a diferenca racial. Os
todas
t’ das as referéncias
d a um contexto social,
' - ' - ou poliflgg
historico » - l S50
vestigios dessa transferéncia metaforica sublinham a carga altamente
i'C Ll‘:-1 0 quadro. Esta codificacao
' — visual
- abstrai. e essencializa o libidinosa do olhar de Mapplethorpe, pois ele converge para o signi-
corpo do homem negro, enviando-o para o reino de um ideal es Ficante mais visivel da diferenca racial, a pele negra.
“Eric” m"1s¢¢"d@11I1l- Nesse sentido. o texto revela mais sobre os Em sua analise sobre o pin up masculino, Richard Dyer (1982)
desejos
“ I do
” homem bran C0 0Cl1lt0 e invisivel
' - I , das cameras e 0
por tras sugere que quando os temas rnasculinos assumem a posicio passiva e
que e e quer ver, do que fala sobre os negros anonjmos cujos belos “feminizada” de serem olhados, a ameaca, ou risco, para as definicoes
C0l'p0S vemos retratados. tradicionais dc masculinidade é conttabalancada pelo papel de certos
Dentro da tradicao dominante do nu feminino as 1 ' d
2 re QQOCS € codigos e convencoes, como as posturas corporais tensas, rigidas ou
oder P atria reais
Form ' sa:" '
simbolizadas - binaria em que, dg
pela relacao esticadas e os personagens e historias contadas; caracteristicas que vi-
a
olha gr osseira , os o“Tens assumem 0 papel ativo - do Sl.l]€lIO
. . que sam estabilizar a dicotornia fimdamentada no género - verlser visto.
I ‘b =. en’ qduantoLa as mu
Mal e res sao' os 0b]€t0S
' -
passivos olhados. A con- Aqui Mapplethorpe apropria-se dos elementos dos estereotipos
ri uicao e ura - . . raciais comuns a fim de regulamentar, organizar, escorar e fixar o
Gin 1 d "6!’ (1939 l1975l) para a teoria feminista do
H eniareveouo
. dp 0e r normativo' e 0 privilegio do olhar masculi- . processo de objetivacao erotica/estética, em que a carne do homem
0 nos sistemas ominantes de representacao ' visual.
' -
A imagem do negro recebe a tarefa dc simbolizar as fantasias transgressoras e os
nu feminine, portanto , P0 d e ser entendida - nao . tanto como uma
desejos do homem branco e homossexual. A superlicie fetichizada,
representac:-io do desejo sexual (hétero), mas como uma forma dc
lustrosa c brilhante da pele negra, portanto, serve ao desejo mascu-
objfiivagio que amcula 3 hcg¢m0nia masculina e seu dominio sobre lino do branco que quer olhar e fantasiar seu dominio precisamente
a propria aparelhagem da representacio.
através da intensidade ubiqua permitida pelas fotos.
Z50 __ CULTURA E REPRESENTAQRO I STUART |-|g|_|_
LEITURAS DOCAPITULOII _ 251
.De acordo Com 3 sugestfio dfi Hflmi Bhabha, “uma caractcristi- no instants em que 0 nome proprio dc cada modelo negro é retiradfl
dca 1m
‘B ortant '
‘ e do discurso ' e' sua (l.CPCHCl€I'1Cl3
colonial - - do (jQng¢1[()
.
dc uma pessoa e dado a uma coisa, como titulo ou legenda da foto-
e xrdez na construgao ideologica da alteridade” (Bhabha, 1983:
grafia, um objeto de arte que é propriedade do artista, proprietfllfi
13). Os esteteétipos que 0s meios de comunicacio dc massa fazem
e autor do olhar. Adernais, como itens com valor dc troca, as im-
dos negms — Com-° ¢Fi"1i"0$<>$, Hflflfls, artistas — testemunham a pressoes de Mapplethorpe atingem ptegos exorbitantes no m61'C==1d0
repeticao contemporanea dessa fimtasia colonial. Isso se da porque
intemacional da fotografia artistica.
H garna rigida e limitada dc representacoes através das qugig 05 ho-
A énfasc fantasmatica na maestria também sustenta a fet1chtza-
mens njffros tornam-sc publicatnente visiveis continua a reproduzir
gio especificamente sexual do Outro, 0 que esti cvidfifltfi I10 Bf¢iF°
certas i ias fixas, ficcoes
' ideologicas
' ' ' - psiquicas
e fixacoes _/ - .
a respeito
.5’ causado pelo isolamento visual: em cada momento, somente um
da patureza da sexualrdade dos negros e sobre a “alteridade”, @0115- l p
homem negro por vez aparece no campo dc visao. Como a impres-
trutda para encarnar estas fixagoes.
szio é dc uma fantasia narcisista, egocéntrica e sexualizada, este e
d C0910 9-fflfitfl. Mapplethorpe constréi uma fantasia de autorida-
um componente crucial do processo de objetivacio erétififl, I150 $0
de absoluta sobre a imagem do corpo masculino negro, aproprian-
porque isso impede a possivel representaeio do corpo C0lfltlv0 Oil
0- se da fiingao
' do estereotipo
' - para estabilizar
- - - - - erougg
a objetivacao , .
contextualizado do homem negro, mas porque as {otos solitarias sao
da 11$?ldfldfi racial e, assim, afirmar sua propria identidade como o
a condicao prévia para uma fantasia voyeuristica de controle sobre o
‘iujolho 50b¢HH10. dono da macstria sobre a “coisidade” abjeta do outro, sem intermediagio e unilateral: esta é a fiinciio precisa da por-
O LE0.. como se as tmagens
- . .
lrnplicasscm _
o seguinte: 0 olho (cu) [cm r , _
nag;-afia gay e hetero. A estetizacao Funciona como uma armalillha
te
(b 0 ) 0 poder de transfoi-ma'_ lo, criatura
- - e inuttl,
baixa . , . em uma
l para o olhar, 0 combustivel que alimenta o apetite do olho imperial,
0 ra dc . » A
am: Como 0 Olhar da M¢d11541, Gilda amgulo da camera e cada imagem, portanto, nutre a fantasia raclalizada e sexuallzadfl Clfr
cada clique Fotogréfico transformarn a came dos homens negros em
apropriar-sc do outro corpo como territorio virgem a ser penetrfldfi
Pfidfflt fixa e congelada no espaeo e no tempo: escravizados como O
1
e possuido por um desejo todo-poderoso “dc investigat e explorar
urn icon e 11° “P390 Fepresentacional
" - - / - e, h|stor1camen-
do imagmario - -
um corpo estrangeiro”.
te, no centro da fantasia colonial do homem bfango
Sobrepondo duas maneiras de ver - o nu que erotil-H 0 HEB filfi
Existem dots aspectos importantes da fetichizacéo em jogo aqui,
olhar e 0 estereétipo que impoe a fixidez —, enconuamos no olhar
A el1m"1a‘P3° d¢ qualquer interferéncia social na apreciacéo erotica de Mapplethorpe a reinsergzio da ambivaléncia fundamental da fan-
Cl0 espectador nao apenas coisifica os corpos, mas também apaga o
tasia colonial, a oscilacio entre idealizar sexualmente o outro racial
processo material envolvido na producio da imagem, n135(;3_[3_[1d()
e a ansiedade em defesa da identidade do ego masculilw <10 bI1l"1<10-
assim as relacoes
' sociais
' ' de poder racial
~ acarretadas pela troca desi-.
Stuart Hall (1982) enfatizou essa divisao do “olhar imperial“, suge-
gual e potenclalmente abusiva entre o artista conhecido, autor no—
rindo que para cada imagem intimidadora do negro como um na-
mead 0, e os modelos negros, desconheudos
.- - . . Da mes-
e dlspensaveis.
tivo saqueador, selvagem ameacador ou escravo rebelde, ha a figura
ma forma que, de acordo com o Fetichismo da mercadoria, dizemos
reconfortante do negro como servo docil , P alhaco divertido e arttsta
que 3 obra '5 ualiliflfldfl”. algo semelhante entra em Funcionamento feliz. Comentando sobre essa bifurcaeao das representacoes l'3Cli1lS,
252 _ CULTURA E ruzrnsseurncho | stunnt mm.
LEWURAS DD CAPlTULO ll _ 253
:::Et:(;:i1::§f€lI:;flg3aOIl'I1:£)1::':él'lC|3 do principal sujeito, cujo olhar um boneco de vodu vindo do lado obscuro do imaginario do ho-
mem branco. Todo o corpo é Fragmentado em detalbes microsco-
Em contraponto ao codi 0 escu , . picos — peito, braces, tronco, nadegas, penis —, convidando a uma
Ingmar do "amt", que “humafiza” as ill: Filiilfij alauplfi dissecacio escopofilica das pecas que compoem o todo. Com efeito,
gio pura e concentra-se na face - a “janela da alma” —, lIlII‘OClllZlSl'l$() como um talisma, cada parte esta investida com o poder dc melhor
um elemento dc realismo a cena. Qualquer conotacio humanista é evocar a “mistica” da sexualidade dos negros do que qualquer tota-
negada P610 olhar direto, que nao afirma muito a existéncia dc uma I
lidade unificada de forma empirica. A camera, como uma Faca, Faz
LC as
subjetividacle autonoma m ' . cortes, pcrmitindo que o espectador inspecione as mercadorias .
motas e distantes das modeltsedit ::ailtj:t,u(c())mofas Fxprcsfois I?- Essa atencao fetichista aos detalhes, pequenas cicatrizes e manchas
mfixima entre O gspectador e 0 0b.cm inafffl/, elndatlza a .CllS[3_flCla da superficie da pele ncgra, serve apenas para aumentar 0 perFeccio-
mas nao toque. O olhar dimto do lloddo iHg1V€ A o desejo. Olhe.
nismo técnico da impressao fotografica.
o olhar do artista branco, embora '0 ue cloziha a Gmfera {mo daa-fia O corte e a fragmentacao dos corpos — muitas vezes decapitados,
do verfscr vim), porque 31 l 8 ' . atensap ativa/Passiva
‘-lu qllfir potencial interrupcao esta Contida por assim dizer — sao catacteristicas salientes da pornografia e Foram
P610 Subtexto do estereotipo. vistos, por detetminados posicionamentos feministas, como forma
Assim e ' ' (I. . . . ,, de violéncia rnasculina, inscricao literal do impulse sadico do olhar
é invocada Pill(Z111-ilfiltfilillntfltl-::>)s:(:t:1l"1:aasnaturcZli pnmmva do negro masculino, cujo prazer, portanto, consiste em cortar os corpos das
de uma mascara tribal “africana” esterfzdltli-njadmaglim lifimanescéme mulheres em pedacos e partes visuais. Seja esse posicionamento de-
tes e cabelos em dmzdlorks emaranhados ll H _ Oc echas salien- fensavel ou nao, 0 efeito da técnica aqui é sugerir a agtessao do ato
Selvagfiriay 0 perigo, 0 fixéticoi Em Outroq e conotam alnda mais a
dc olhar, mas nao como uma violéncia racial ou “racismo visto como
de uma cabeca raspada, apurada or 5 d, 05 C()1'i[O1'l'l0S cinzelados odio”. Pelo contrario, a agressio vem da frustracao do ego, que des-
vos de fomgrafia dg idemifica é0P.ud. _€;uo;, 1'n‘_JOC21l’Tl os arqu1_ cobre que o objeto dc seu desejo esta fora de alcance, é inacessivel.
nos lembm dos uses mtropcfméflricgilaiafi Polizia. Isto tambem
mensumvam 0 crank) do colonimdo H :1 ogra a colonial, que O corte é, nesse sentido, analogo ao striptease, pois a exposicao de
r
documcmal da foto mfia a in an IE1 . e'm0st,rar, Pela Prova partes sucessivas do corpo distancia o objeto erogeno. totnando-0
intocavel, a fim dc atormentar a vontade de olhar, que atinge o seu
retrato de Terrel cufit cateta clicmc [In Znondade do outro. O
5 ' ' ' objetivo no desenlace, momento em que 0 sexo da mulher é revela-
do menestrel negro, expressa 1:3 :2: ui:-:3 fa iumjscara fiehzlmlte do. A diferenca é que, aqui, a revelacao que reduz a mulher de anjo
humanizado pelo pathos racial o estereoti Pr: Sn abambwalenclaz a prostituta é substituida pela mostra das partes intimas do homem
cena, evocando a dependéncia ;up0Smmenlt°<>_ E fltltld 0 assombra a negro, e seu penis é o totem proibido da fantasia colonial.
Mafia (OM mmmh Sinhé) uc efi: anp o negio ao ole
la que cada fragmento seduz o olho a um fascinio cada vez mais
legal e existencial do n egro, em
q suas
por Sui‘
maos Va’ a 8 Castmgao
de mestrc l)r;1ncQ_ Social’ intcnso, vislumbramos a dilatacio de uma forma libidinosa de olhar
Fmalrnente. dois codigos juntos — de corte e de i/uminafdo - i n- que se espalha por toda a superficie da pele negra. Os contrastes
terpenetram a came e mortificam-na em um Fetiche sexual e racial. zisperos de luz e sombra concentram e fixam a atencao na textura
256 _ CULTURA E REPRESENTACEO | STUART HALL LHTURAS DO CAPlTULO ll _ 257
da pele do homem negro. Segundo Bhabha, ao oontrario do fetiche como uma espécie de “segunda pele". A0 considetatmos que BS5118
sexual propriamente dito, cujos significados ficam normalmente 1-oupas sio invariavelmente pretas, em vez de qualquer 01-IIIF1 C0!» F31
esconclidos como segredo dc hermenéutica, a cor da pele funciona fetichismo da moda sugere um desejo de simular ou irnitar pele ne-
como “o fetiche mais visivel de todos” (Bhabha, 1983: 30). gra. Por outro lado, a teorizaqio de Freud sobre 0 feticlusmo conno
O fetiche da cor da pele - seja ela desvalotizada nos elos signi- um fenomeno clinico dc patologia sexual e peIW'€l’55° 5 PY°b1¢m5-‘ma
ficantes da “negrofobia” ou hipervalorizada como urn atributo de- por vérias razoes; mas a nogio central do fctiche como um subst1tu-
sejével pela “negrofilia”— nos codigos do discurso racial constitui 0 to metaférico para o falo ausente permite-nos compreender a estru-
elemento mais visivel da articulagio daquilo que Smart Hall (1977) [um psiquica da rejeigao, bem como entender a divisio dos mvers
chama dc “significante étnico”. A superficie brilhante da pele negra de crenqa consciente e inconsciente, relcvantes ao eixo amblguo em
serve, em sua representagio, a vzirias firngoes: sugere o esforgo Hsico que negrofobia e negrofilia se entrelaqam.
dc corpos poderosos — os boxeadores negros, por exernplo, sempre Para Freud (1976 [l927]), 0 menino, que fica chocado ao ver a
brilham como bronze na érea iluminada do ringue; na pornografia, augéncia do pénis na menina ou na mic, que acredita ter sido per-
sugere uma intensa atividade sexual realizada “antes” da foto — urn dido on castrado, encontra 0 reconhecimento da diferenqa sexual
estimulo metonirnico para despertar a participagio dos espectadores ou genital juntamente com uma experiéncia de ansiedadfi ‘S-la‘: é=
em uma encenagao imaginada. entretamto, negada ou desmentida pela existéncia de um sulJ$fiI11\T0
Nas fotografias de Mapplethorpe, o brilho especular da pele ne- metaférico. O fetichista adulto depende desse subsrituto para conse-
gra esta vinculado a uma articulagao dupla como agente fixador da guif agggsaf sgu prazer sexual. Portanto, em termos de uma formula
estrutura fetichista das fotografias. Ha um sutil deslizamento entre linguistica: eu sei (que a mulher nao tern péI1i$)> "M5 (I19 entamm ela
0 representador e 0 representado, 0 brilho polido da pele negra con- tem, por meio do fetiche).
substancia-se com a sedugao luxuosa da impressio fotogréfica de alta Tal divisio é CaPturada de forma Prcdsa em “Man in 3 P°lYC5'
qualidade. Segundo Victor Burgin, 0 fetichismo sexual encaixa-se ter Suit”, em que o foco central esta no penis negro que emerge’ do
no fetichismo da mercadoria para infiar 0 valor economjco tanto ziper aberto, simultaneamente, afirmando e negando urn dos IHIIOB
da impressao da Fotografia de arte, quanto na de moda; sao os glos- raciais mais fixos do imaginério do homem branco. ou seja, a crenga
sier, impressio em papel brilhante (Burgin: 1980: 100). Aqui, a pele de que todo homem negro tem um érgio sexual monsttuosarnente
negra e a superficie de impressio ficam vinculadas para aumentar grandc. As dimensoes da fotografia trazem 0 tamanho do pems ne-
tanto o prazer do espectador branco, quanto a rentabilidade dcstes gro para 0 primeiro plano, c este passa a significar uma ameaea, nao
produtos de arte mundial que sio trocados entre o artista e seus re- a da difcrenga racial em si, mas 0 medo de que 0 Out") seja Scxull‘
vendedores, colecionadores e curadores. mente mais potcnte que seu scnhor branco. u I
No discurso dizirio, ofétic/rirmo conota provavelmente uma sexua- Como um objeto fébico, 0 grande pau negro é Hm °l3J€t°
lidade depravada ou pervertida e traz £1 mente as imagens de roupas mau”, um ponto fixo das fantasias paranoicas do negréfobo, encon-
de couro e borracha como sinais de pervcrsio sexual. Esse exemplo trado por Fanon tanto nas patologias de seus pacientes psrqutzitncos
nao é Fortuito, pois a moda do couro mantérn seu apelo sensual branws quanfr) em artefatos culturais normalizados de sua época.
258 _ CULTURAEREPRESENTAQAO | STUART HALL uammns o0 CAPlTULO u _ 259
Naquela época e hoje, quando veem a foto, “as pessoas nao mais 0 N , Frantz- Pele negra, mdscaras brancas. Salvador: EDUFBA, 2008-
percebem o Negro, mas apenas urn pénis; 0 Negro esta eclipsado. MN
FOUcnutr 1 Michel ' O que é um autor? In: Ettética: lirmzrura
_ €pi?2l'!l-.-
Ele se tomou um penis. Ele é um pénis (Fanon, 1970: 120). ra, rmisica e cinema. Colecao Ditos e Escntos, v.3. R10 dc Ianel
A fantasia primal do gtande pénis negro projeta 0 medo dc uma ro: Forense Universitaria. 2015- _
ameaca nao so a feminilidade branca, mas a civilizacao em si; as- FREUD, Sigmund, Fetichismo. In: Um cam de lmteruz. Ties msaror
sim, a ansiedade da miscigenacio, da contaminacao eugénica e da sobre sexualrdade' e outros rrabalh0s(1905‘1907) ESE‘ V’ VII‘ RIO
degeneracao racial é evitada por meio de rituais de agressao racial do janeiro: Imag0, 1976- _
por parte dos homens brancos - 0 linchamento historico de negros 1-151.1. Stuart. Pluralism, Race and Class in Caribbean Society. In:Ra-
nos Estados Unidos costumava envolver a castracio literal da “fruta ce and Class in Post-Colonial Society. Ndva York: Unesco, 1977.
estranha” do Outro. iii
. The Whites of Their Eyes. In: muncns. Gfiflrge 6
' - I _ I » h
O rnito do tamanho do pénis - uma “fantasia primitiva”na mi- BRUNT, Rosalmd (O1-gs.). Szlver Lmmgr. Some Strategzerfirr t e
tologia da supremaeia branca, no sentido de que é compartilhada e Eighties. Londres: Lawrence 86 Wishan, 1932-
coletiva em sua natureza — tem sido alvo da desmistificacio liberal MAPPLETHORPE, Robert. Black Males. Amsterdam: Gallerie ]tu-ka,
esclarecida, e a ciéncia moderna da sexologia repetidatnente empre- 1983.
ende a tarefa de tornar medicoes de penis empiricos para demons- ‘
jjje B14‘-k Book, Munich: Schirmer/MOS€l, 1986-
. O 8
trar sua inverdade. Nos Estados Unidos pos-direitos civis, p6s-mo- METZ, Christian. Photography and Fetish. October, n 34, 19 5
vimento Black Power, onde a ortodoxia liberal nao oferece qualquer (Outono). M mm
legitimacao a tais mitos folcloricos, Mapplethorpe decreta a rejeigzio MULVEY, Laum_ \/ima] and Other Pkasurrr. Londres. ac an.
dessa “verdade” ideologica: Eu sei (que nao é verdade que todos os 1989, Pritneira edl§i0I 1975-
negros tém pans enorrnes), mas (no entanto, em minhas fotografias,
_
Foam: MERCER, K01-,em_ Rfladlng .
Racial . .
Fetishism. Ln.. MERCER Kg]; ena
eles tem).
(O,g_)_ Wdmm, M ;b¢]ung1e. Londres: Rourledge, 1994. p. 173-85.
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"Trata-se, sem duvida. de magnifita compilagao que exibe o hrilhantismo
e a erudigfio de Stuart Hall. Gs tapitulos apresentam informagoes teoritas
relevantes plenas de lucfdez e do vivat-idade. voltados para estudiosos e
interessados em arte. humanidades e ciéncias sociais."
Angela Mtliobbie
Professors dz Comunftogoes, Goldsmiths, Universidode de Londres
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